Vera Ritter, a artista plástica de fé inabalável

Autor: Evandro Tosin - Assistente de produção acadêmica

O espaço vazio ganha cores, traços e retoques até virar arte. Uma pintura pode retratar dores físicas e emocionais, ou, ao contrário, exaltar a alegria, o amor, a felicidade. Solidão não há. O que ocorre é a simbiose entre o artista, a tinta e o pincel. Mãos à obra: reproduzir o que está na cabeça, no coração e tudo mais que vier de inspiração. No caso de Vera Maria Ritter Nizer, o potencial criativo decorre também de “visões”, uma força divina que parece guiar a arte que irá para a tela.

Aos 58 anos, Vera está consolidando o seu nome nas artes plásticas. O caminho até a arte sacra foi entremeado por doenças, acidentes e apagões de energia. Natural de Pérola d’Oeste, no Paraná, ainda bebê a família se mudou para a vizinha Planalto (PR). Com 16 anos, fez sua primeira pintura a óleo, em 1979. Ao conhecer sua primeira professora de pintura, Cecília Fernandes, decidiu pintar uma araucária, árvore símbolo do Paraná.

Em 1990, se casou e foi morar no município de Sorriso, na região central de Mato Grosso. Os pais e familiares de Vera já estavam na cidade mato-grossense desde 1985. O marido era funcionário do Banco do Brasil e conseguiu uma transferência para trabalhar na primeira agência aberta na cidade. Além disso, queria ficar perto da família, que na época tinha uma madeireira. A cidade é formada principalmente por imigrantes do Sul e do Nordeste do país.

“Nos primeiros anos não havia energia elétrica, eram motores geradores de energia, a cidade ficava barulhenta. Era dividido em bairros e por semana, (um rodízio) de quem ficaria com energia no período da noite. Água só subia até a caixa d’água à noite, tínhamos que economizar durante o dia. O asfalto demorou um pouco, só tinha na avenida principal. Hoje é uma belíssima cidade que não para de crescer. Já há muitos anos é a capital do agronegócio”, relata.

Quando morava em Sorriso, não conseguiu desenvolver muitos trabalhos artísticos. Foi um longo período sem estudar. “Não havia cursos de pintura em tela, depois fui fazendo curso em pano de prato, no enxoval da neta. Comecei o curso, mas só deu tempo de fazer uma deusa da Justiça para presentear o filho, que mantém até hoje no seu escritório”, lembra.

Em 2006, Vera assinou um contrato com a Avon em Sorriso e ficou responsável por uma equipe de revendedoras. O seu trabalho era cadastrar e resolver as reclamações, vendas e outras atividades. Ela obteve sucesso na área de vendas, por isso o tempo para se dedicar à arte era pouco. Começou com 60 revendedoras e em cinco anos já tinha cerca de 450. “Gostava do trabalho por ser maioria pessoas humildes de bairros simples. Em 2011, assinei o contrato de rescisão para voltar ao Paraná”, conta.

Vera se tornou mãe de três filhos: Leonardo Antônio Nizer (advogado), Mariucha Ritter Nizer (farmacêutica) e Mariana Ritter Nizer (estudante de medicina). Ficou no Mato Grosso por mais duas décadas. As crianças cresceram e se mudaram para Cascavel (PR) após serem aprovados no vestibular. Tudo isso contribuiu para que ela retornasse ao Paraná.

Vera escolheu Cascavel com o coração. Ali nasceu a neta Maria Clara Nizer D’agostin, hoje com 8 anos, que em algumas das obras da avó é representada ao lado do gato Florisvaldo.  Foi quando ela voltou a realizar trabalhos artísticos. É como se o nascimento de Maria impulsionasse o potencial criativo adormecido desde a adolescência. Segundo a artista, a cidade deu oportunidade de fazer cursos e realizar o sonho de estudar após 37 anos. Vera está cursando o terceiro ano do curso de bacharelado em Artes Visuais da Uninter.

As visões de Vera, o sangue que corre nas veias  

Em abril de 2020, Vera contraiu dengue, que logo evoluiu para o tipo hemorrágico. Foram dois dias no hospital. Nove meses depois, em janeiro de 2021, quando ela estava em férias na casa dos pais em Sorriso, contraiu dengue pela segunda vez. Nesse período o Brasil atravessava o primeiro pico da pandemia do novo coronavírus.

Ela pedia aos médicos para receber alta o mais breve possível, ficou assustada com o avanço da pandemia. Entrou em pânico. A situação de saúde se agravou, precisou ser levada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Vera lembra do momento em que a médica responsável pelo tratamento disse que se não tivesse reposta positiva durante a noite, haveria a necessidade de fazer uma transfusão de sangue.

“Fechei os olhos e pedi a Jesus uma gota do seu sangue das santas chagas junto ao meu, e logo vi a imagem dele flutuando com o braço estendido e a palma da mão para baixo com o sangue em gotas. As visões eram em formato de quadro com moldura clássica”, recorda.

Na manhã seguinte foram realizados novos exames e Vera foi liberada para o quarto. Foram três dias de internamento até a recuperação. Após esse acontecimento, ela vem se aprimorando nos estudos e técnicas da arte sacra.

“Tenho visões à noite ao deitar e anoto no caderninho que recebi de presente da artista plástica Lari Namastê, para quando puder passar para uma tela. Foi neste momento que senti que preciso me dedicar um pouco mais à arte sacra. Gosto do Renascimento, mas o momento da arte na pandemia pede mais para o contemporâneo”, relata.

Há 12 anos, Vera sofreu um acidente de carro quando dirigia. No primeiro dia de férias para o Sul, saiu de Sorriso (MT) com direção ao Oeste do Paraná. Acabou capotando o carro na rodovia. As filhas estavam no veículo. A distância era de aproximadamente 700 km de casa, cerca de 70 km depois de Rondonópolis (MT).

“Tombei o carro. Ficou com os pneus para cima. Mas ninguém se machucou. A Polícia Rodoviária providenciou um hotel perto através do seguro. Depois, um policial foi lá no hotel para entregar uma medalha de Nossa Senhora das Graças que encontrou no capim, aonde o carro estava. Costumava levar na bolsa. Não sei como ela caiu. Mais um fato que faz crer na arte sacra ou religiosa”, diz Vera.

Museu de Cascavel adquire a obra Aparecida número um 

Recentemente, a artista plástica participou da exposição “Arte em Toda Parte”, que ocorreu no Museu de Arte de Cascavel (MAC) entre os dias 23 e 28 de maio de 2021. Durante estes dias, recebeu a visita da gestora do polo da Uninter na cidade, Cecília Pestana, além de conhecer o secretário de Cultura e Esportes do município, Luiz Ernesto Meyer Pereira, e o coordenador-local do museu, Antônio Carlos Machado. A exposição foi um momento importante para a carreira da artista.

O objetivo desta coleção é ampliar a visibilidade e apoio aos artistas locais e incentivo à cultura em tempos de pandemia. A coleção Acervo Aldir Blanc é formada por 48 obras de artistas locais. As obras podem ser visualizada em um catálogo virtual através de um QR-Code. O link a seguir também permite o acesso as obras, clique aqui.

Quando soube do Edital 35/2020 Arte em Toda Parte, lançado pelo município de Cascavel através da Lei Aldir Blanc para o Acervo do Museu, Vera logo pensou em criar algo relacionada com a fé e o município. Criou então a Coleção Aparecida nº 1 (tinta a óleo), 2 (acrílica) e 3 (acrílica e óleo), com um olhar pessoal saindo um pouco da imagem padrão.

“Nossa humilde mãe negra e brasileira num estilo contemporâneo com pinceladas lembrando a lama do Rio Paraíba, onde foi encontrada pelos pescadores. Participei do edital com as três imagens e a obra ‘Aparecida 1’ (Óleo sobre tela 50cm x 40cm) foi selecionada, adquirida e tombada pelo município, fazendo parte da Coleção Acervo Aldir Blanc. Ela (Nossa Senhora) tem até um pouco de lama para lembrar que os pescadores tiraram a imagem do rio Paraíba, fiz ela um pouco mais para o contemporâneo, estilizei um pouco”, explica Vera.

No último dia 06.jun.2021 Vera também participou da Feira do Teatro Municipal Sefrin Filho em Cascavel como artista-convidada. O evento ocorre aos domingos, tem artesanato, carros antigos e conta com apresentação de bandas e músicos solo. “A prefeitura convida artistas para fazer exposição dos quadros e a Vera apresentou uma variedade incrível de quadros, todos muito maravilhosos”, diz Cecília.

Uma artista plástica com referências

Vera já fez muitas releituras no figurativo e realismo para o aprendizado, tudo isso em busca de uma identidade própria. Para se aprimorar na arte religiosa, realizou curso com a artista plástica Mari Bueno, que é especialista e muralista na arte sacra. Suas produções artísticas também lembram a época do Renascimento (séculos 15 e 16).

A estudante de Artes Visuais procura retratar pessoas no grafite ou no óleo. Seu estilo é direcionado ao realismo, mas também tem influências do impressionismo. Ela também transforma fotografias em quadros, muitas vezes com cenas do cotidiano em família: pais, avós e filhos. A artista plástica tem como referências Leonardo da Vinci e Sandro Botticelli, entretanto suas obras atuais se aproximam do hiper-realismo do mexicano Omar Ortiz, de Mari Bueno e Lari Namastê.

“Ao entrarmos no universo poético de Vera Ritter, compreendemos que sua temática está ligada ao seu cotidiano e ao mundo sensível que permite que sua linguagem possa fruir. Suas obras abordam temas populares como a religiosidade, tangenciando o Pop Art através de concepções do novo realismo na contemporaneidade”, diz Regiane Moreira, docente da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter na área de Linguagens Cultural e Corporal.

“As representações figurativas buscam contar uma história que se aproxima da própria história da artista. Através da simbologia pictórica de suas figuras é traçado um elo entre a representação do sensório, físico, sentimental e espiritual. Os temas transcorrem as dimensões afetivas e trazem a presença do real no traço, nas cores, na composição e nos elementos figurativos de cada obra”, explica a professora.

Exposições

A artista plástica Vera Ritter também já tem em seu currículo participações em vários ateliês e exposições. Entre elas:

  • Exposição de máscaras, no projeto “ConVida Galeria de Goiás”;
  • Desafio, do Museu de Arte de São Paulo (MASP);
  • “Arte é vida”, na Raphael Art Gallery Virtual-Edmundo Cavalcanti;
  • “Essas Mulheres Maravilhosas”, na galeria Lícia Simonetti, em Limeira e Campinas (SP);
  • “Essência”, no Espaço Uruguay da Academia de Santo Estevão de Jerusalém dos Arameus e Auranitas de Ciências Letras e Artes, com Katia Rebekah, em São Paulo(SP);
  • “Pintando o Brasil” – A diversidade Cultural em nosso País”, na Artcom Expo, curadoria Lícia Simoneti e Marly Stracieri, em Limeira(SP) – ganhou 1º lugar com a obra do salão com o quadro Ayrton Senna;
  • “1ª Mostra Brincadeira de Criança” fase 1, no Hotel Taiwan, curadoria de Luciane Lima e Lícia Simoneti, e fase 2 em parceira com ALARP de Ribeirão Preto(SP), curadoria de Miguel Ângelo e Luciane Lima;
  • “Mulher”, no Centro Cultural Palace de Ribeirão Preto(SP) – ficou entre as cinco obras finalistas na bancada dos jurados. A exposição teve curadoria de Luciane Lima;
  • “Exposição 4ª Panorama das Artes Visuais”, no Museu de Artes de Cascavel (MAC), com Antônio Carlos Machado, em Cascavel (PR).

Vera que ir ainda mais longe, atravessar fronteiras para divulgar a arte. Sonha realizar uma exposição no exterior e também deseja ter uma exposição de arte sacra em uma igreja. E os planos são maiores: inspirar futuras gerações a entrarem na arte. Já está influenciando a neta Maria Clara, inscrevendo a menina em cursos de pintura e desenho. Maria também já faz parte do mundo artístico porque ajuda a avó durante as produções atuais. Uma verdadeira artista mirim.

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Autor: Evandro Tosin - Assistente de produção acadêmica
Edição: Mauri König


5 thoughts on “Vera Ritter, a artista plástica de fé inabalável

  1. Acompanho o trabalho da Vera faz um tempo e foi bem interessante saber um pouco mais sobre a história de vida e como isso é utilizado em suas criações. Parabéns Vera

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