Venezuela: o Brasil perdeu as rédeas da situação?

Autor: Guilherme Frizzera*

Nos dois primeiros mandatos de Lula, as relações entre Brasil e Venezuela seguiram um padrão pendular, alternando momentos de aproximação e distanciamento, devido, em grande parte, à busca de protagonismo regional por parte de Hugo Chávez. Lula, no entanto, sempre sustentou uma visão estratégica para a política externa brasileira (PEB), que apostava na inclusão da Venezuela em fóruns internacionais como uma forma de integração regional, preferindo evitar o isolamento ou a aplicação de sanções. Esse modelo buscava manter a Venezuela sob certo controle, com regras que promoviam a transparência e o diálogo regional. 

Entre 2003 e 2010, o Brasil trabalhou ativamente para que a Venezuela se mantivesse presente em blocos como o Mercosul e a Unasul, acreditando que a interação com as demais democracias da região poderia incentivar o país a seguir práticas compatíveis com o restante do continente. O Itamaraty via as organizações regionais como veículos capazes de embutir uma pressão normativa e constranger governos a respeitarem as normas estabelecidas. Essa estratégia refletia a confiança de que o multilateralismo poderia não só aproximar a Venezuela, mas também moderar as posturas do governo Chávez. 

No entanto, essa abordagem foi alterada com Dilma Rousseff. Em seu governo, as exigências de compromisso democrático foram flexibilizadas quando, em meio à suspensão do Paraguai do Mercosul, a Venezuela de Nicolás Maduro foi admitida no bloco sem que lhe fossem impostas as mesmas condições exigidas dos demais membros. Ao lado da Argentina, Dilma impulsionou essa entrada em um contexto de fragilidade institucional e, assim, rompeu com a tradição da PEB de subordinar a adesão a compromissos claros de governança democrática. Essa atitude marcou uma inflexão importante na política externa que haviam sido a marca dos dois primeiros mandatos de Lula. 

No terceiro mandato de Lula, o governo brasileiro sinalizou um retorno parcial a essa visão de integração normativa ao reconsiderar a inserção da Venezuela em blocos multilaterais e fóruns internacionais. Exemplo disso foi o veto do Brasil à inclusão da Venezuela nos BRICS, uma decisão que sugere uma avaliação mais cautelosa da Venezuela como parceira confiável no cumprimento de compromissos. Esse movimento indica uma percepção de que o governo venezuelano atual não está disposto a seguir as regras necessárias para atuar em sintonia com os interesses regionais e globais do Brasil. 

Essa mudança de postura reflete a necessidade de revisitar a eficácia das organizações multilaterais em promover normas de governança e cooperação, sobretudo em relação a governos que resistem à observância dessas práticas. A política externa brasileira, ao vetar a entrada da Venezuela nos BRICS e demonstrar reservas sobre o comportamento do governo Maduro, mostra um reconhecimento de que o cenário atual exige uma resposta mais firme. 

O atual posicionamento do governo brasileiro reforça a importância de revitalizar as organizações regionais da América Latina para responder a problemas internos do continente. O Brasil, ao reavaliar suas posições, demonstra que o futuro da integração regional e da governança multilateral passa por uma adaptação desses mecanismos à realidade de um cenário político internacional em constante transformação. Vale lembrar que, no jogo da integração, um continente que não cuida de si mesmo acaba sempre jogando na defesa. 

*Guilherme Frizzera é doutor em Relações Internacionais e coordenador do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Internacional Uninter 

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Autor: Guilherme Frizzera*
Créditos do Fotógrafo: Edgar Barany C/Flickr


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