Usos e limites da inteligência artificial
Autor: Marcos da Cunha e Souza*
Não é nada fácil conceituar o que seja inteligência artificial (IA). Podemos dizer que envolve sistemas informáticos que imitam capacidades mentais humanas, envolvendo raciocínio, aprendizagem, resolução de problemas, planejamento, análise de uma imensa quantidade de dados, assim como desenvolvimento de previsões e tomadas de decisão. A Inteligência artificial, quando desenvolvida para um objetivo específico, é capaz de, em muitos casos, superar a capacidade humana. O jogo de xadrez talvez seja o exemplo mais famoso desse sucesso.
Recentemente, fui provocado a refletir sobre como a inteligência artificial poderia nos ajudar a evitar o terrível acidente ocorrido em São Paulo, quando um Porsche, que trafegava a 156 km/h, bateu atrás de outro veículo, matando o motorista deste. A pergunta me foi feita porque, claramente, a legislação de trânsito mostrou-se totalmente ineficaz para evitar o acidente.
Afinal, o motorista do Porsche tinha a sua CNH suspensa em 2023 e passou por curso de reciclagem. Essa suspensão, em princípio, não o inibiu de andar em alta velocidade, apenas 12 dias após recuperar a carteira. Com indícios deque estava alcoolizado. E dada sua condição econômica, pode-se supor que o pagamento de multas também não surtira grande efeito inibidor. E este acidente, sabemos, não é um caso isolado em nossa sociedade.
De acordo com o Fundo Carnegie para a Paz Internacional (Carnegie Endowment for International Peace), pelo menos 75 países já utilizam tecnologias de IA para fins de vigilância e segurança pública, em modalidades como reconhecimento facial e policiamento inteligente. Dispositivos espalhados pelas cidades auxiliam inteligências artificiais a identificar disparos com armas de fogo, tumultos, batidas de carro, pessoas pulando muro ou portando armamento. A Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), desenvolvida em 2021, prevê a ampliação do uso de inteligências artificiais no campo da segurança.
Contudo, a EBIA salienta que as IAs “devem respeitar os direitos de privacidade e de proteção de dados pessoais, em conformidade com os direitos constitucionais à intimidade, à privacidade e à proteção à imagem do titular”. No caso de acidentes semelhantes ao do Porsche, em que o poder preventivo da legislação de trânsito possa ser anulado pelo perfil econômico ou psicológico do condutor, a inteligência artificial pode ser treinada para identificar padrões anormais. Ela pode identificar veículos participando de “rachas”, ou que estejam “cantando” pneu, ou realizando manobras arriscadas, ou mesmo se deslocando de maneira anormal, dando sinais de embriaguez ao volante.
Mas, para tanto, seria necessário grandes investimentos e teríamos, como resultado, uma vigilância maior sobre toda a população, fazendo com que os bons paguem pelos maus. Uma solução mais barata e menos invasiva seria investir em sistemas que vigiassem, basicamente, os cidadãos com histórico de condutas inadequadas, inclusive aqueles que estão com CNHs suspensas. Sobre estes, dispositivos instalados em seus celulares, ou mesmo em uma tornozeleira, identificariam não tanto a sua localização geográfica, mas sim a sua velocidade e outros indícios de movimentos que possam indicar, em tempo real, a violação da lei, com vistas a uma imediata intervenção do Estado.
* Marcos da Cunha e Souza, advogado, mestre e doutor em Direito, professor da Uninter.
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