Uma startup para cultivar dentro de casa
Autor: Jaqueline Deina - Estagiária de JornalismoVocê sabe o que é uma startup? Com toda certeza, em algum momento da vida você já viu, ouviu falar ou utilizou algum produto ou serviço ofertado por esse tipo de empresa. Será que você consegue identificar alguma dessas empresas?
Já precisou de um serviço de locomoção ou fez um pedido daquele seu restaurante favorito, mas sem entrar em contato direto com as empresas, e tudo isso por meio de um aplicativo? Já pesquisou formas alternativas de hospedagem para economizar em uma viagem? Já baixou um aplicativo para ver e compartilhar dicas de decoração e variedades?
Uber, Ifood, Airbnb e Pinterest. Essas são apenas algumas das startups mais conhecidas e valiosas do mundo. Mas, afinal de contas, o que é uma startup?
Para entender melhor sobre este modelo de negócio, precisamos ir longe. Para ser mais preciso, vamos a 9.725 km de distância da capital do Brasil, até a Califórnia, nos Estados Unidos. Na região do Vale do Silício estão situadas várias empresas e universidades que se destacam na produção e desenvolvimento de alta tecnologia.
Neste lugar surgiram as primeiras startups, a partir do interesse de empresários por projetos sustentáveis e por quem pudesse financiar essas ideias. O momento, década de 1990, foi caracterizado pelo boom da internet, e as startups logo passaram a ser associadas à tecnologia, o que ocorre até hoje.
Mas esse modelo de negócios pode ser identificado em vários outros segmentos, como educação, música, contabilidade, entre outros. Um dos critérios que caracteriza uma startup é a inovação. No entanto, somente ter uma grande ideia não é o suficiente para decolar com o novo empreendimento.
Além disso, uma startup possui muitos diferenciais quando em comparação a modelos de negócio clássicos. Listamos alguns deles:
- Apresenta um alto grau de incerteza;
- A startup não é uma microempresa, faz parte de um outro modelo de negócio;
- O tradicional não vai funcionar bem para uma startup;
- Uma das diferenças entre uma startup e uma empresa convencional é a forma como ela inicia, trabalha ideias e comete erros até se adaptar;
- Almeja lucros altos em pouco tempo e com baixo custo (isso se deve ao fato de ser um modelo de negócios repetível, ou seja, vende muito de um mesmo produto/serviço);
- Possibilidade de equipes reduzidas e horário flexível;
Segundo dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), no Brasil existem 12.788 startups em 575 cidades. A maior parte delas, cerca de 59%, centralizadas na região Sudeste, concentrando quase 10 mil empreendedores. Emplacando o top 10, Curitiba (PR) está na 5ª posição, com 372 dessas empresas.
E em Curitiba, um estudante de Gestão de Startups e Empreendedorismo Digital da Uninter, Matheus von Biveniczko Tomio, está fazendo sucesso com o Minhorta, o primeiro clube de assinatura de hortas do Brasil. Esta ideia inovadora é a terceira startup do jovem de apenas 28 anos de idade, e está situada na área de educação.
O começo
Matheus estava morando na Bahia e, por um desejo dos pais, estudava para ser médico. Um dia o jovem se deparou com a notícia de uma criança que morreu após ser esquecida pela mãe dentro do carro. Conversando com o pai, questionou o que poderia ser feito para evitar que esse tipo de situação se repetisse. Assim, em 2007 nasceu a ideia para sua primeira startup: Bebê a Bordo.
O modelo de negócios ainda era pouco conhecido no Brasil, e Matheus chamava a ideia apenas de “invenção”. Consistia em um dispositivo laranja para ser colocado em cima do carro e chamar a atenção caso houvesse uma criança no veículo. Mas a ideia tinha algumas falhas. “É óbvio que se um pai ou uma mãe esquece a criança dentro do carro, também vão esquecer de colocar o dispositivo. Então fomos melhorando essa invenção”, explica.
Com apenas 17 anos, ele lembra que ainda não tinha a maturidade necessária para levar a ideia para frente. Após um vestibular fracassado, a medicina saiu de vez dos planos do rapaz. Por acaso, em meados de 2010, descobriu mais uma paixão: ser professor. Começou a dar aulas de física e matemática, através do programa Universidade para Todos.
De volta a Curitiba, retomou o projeto que ainda precisava ser repensado e melhorado. Matheus tomou outros rumos e começou a estudar Engenharia de Controle e Automação na PUC-PR. Em meados de 2012, os colegas Christian Isenberg e Giovanni Malinoski ajudaram o jovem a transformar sua ideia inicial no dispositivo CareOn.
Esta segunda ideia funcionava assim: uma pulseira ficava com a mãe e outra com a criança. Ao se afastarem por mais de 10 metros, um efeito sonoro era emitido para a localização. Não só para evitar esquecimentos dentro de veículos, o aparato também servia como um aparelho antissequestro.
A ideia já estava desenvolvida e pronta para virar um negócio. O momento era propício, pois as startups começavam a ganhar espaço no mercado brasileiro. O projeto foi o primeiro case da aceleradora de startups Hotmilk.
Para que começasse a ser comercializado, eles buscaram parcerias com o Beto Carrero World e o Beach Park. “Não adianta você ter a melhor ideia do mundo se você não vende; se as pessoas não querem testar aquilo”, reforça Matheus.
Com a repercussão positiva da nova empreitada, em 2015 o jovem recebeu a oportunidade de ir para a Espanha. Passou dois anos na cidade de Vic, estudando engenharia mecatrônica. Em busca de desenvolver ainda mais o projeto, aproveitou para tentar internacionalizar o negócio, que estava no auge.
A partir disso, conquistaram alguns prêmios internacionais de empreendedorismo. Apesar de ter ideias promissoras, Matheus conta que estava em um momento em que ainda precisava amadurecer pessoal e profissionalmente. Com apenas 24 anos, não tinha certeza do que queria para seu futuro. Optou por focar nos estudos, e a CareOn ficou para trás.
Dividindo um apartamento com mais três colegas, conseguiu negociar um pedaço da varanda para si. Como gostava de cozinhar e precisava economizar, teve a ideia de usar o espaço de menos de 2 metros quadrados para cultivar seus próprios temperos. Fazendo um cursinho online e utilizando garrafas pet, ali mesmo começou o processo que, sem imaginar, daria início à Minhorta.
O que acontece ao se misturar minhoca com horta?
“Eu nunca tinha mexido com terra. Era para eu ser médico e virei engenheiro mecatrônico, e pensava ‘gente, como é gostoso fazer isso!’ Acordava de manhã para conversar com as plantas. Neste momento eu já estava mais maduro e mais focado, e pensei que precisava levar isso para as pessoas quando eu voltasse para o Brasil”, relata.
Voltando em fevereiro de 2017, após trabalhar no quintal da casa dos pais, percebeu o quanto cultivar era uma atividade envolvente e prazerosa. Resolveu então fundar sua terceira startup. Na brincadeira de misturar “minhoca” com “horta”, nasceu a Minhorta. Foi então que ele começou a palestrar contando sobre os fracassos e empecilhos que encontrou pelo caminho.
A palestra “O pior empreendedor do mundo” começou como uma brincadeira em Guarapuava, cidade do interior do Paraná. “Eu decidi fazer uma palestra ensinando o que é uma startup, como eu fracassei e porque o fracasso é bom. Fomos para todas as regionais do Sebrae no Paraná com essa palestra, em 2017 e 2018, e continuamos agora em 2019”, conta.
“Eu não vendo uma horta, eu vendo uma experiência de cultivo”, explica Matheus. Pensando em ensinar quem nunca plantou nada, ele criou o primeiro kit, chamado de berçário. Com argila expandida para dreno, terra preparada, vitaminas, borrifador, ferramentas para manuseio e luvas, o kit possui um passo a passo completo.
Além disso, ele se preocupa com a reciclagem e a sustentabilidade. “Toda ideia de negócios gera um impacto ambiental, a gente, como é verde, gera menos.” A ideia é fornecer todas as ferramentas para que as pessoas possam começar uma horta em qualquer espaço, por menor que seja. Até a embalagem dos materiais, quando destacada, se transforma em uma espécie de vasinho.
“Meu objetivo era espalhar a ideia do cultivo. Queria mandar kits para que as pessoas pudessem começar a plantar no mesmo dia. Percebemos que pessoas de todo o Brasil começaram a se interessar pela ideia, e aí isso virou um clube de assinatura, que hoje atende a todos os estados. Além disso temos alguns pontos de vendas de parceiros nossos”, conta.
Até o final de 2019, Matheus explica que pretende lançar o Minhorta Tech, uma central que avisa a hora de regar as plantinhas. “Eu trabalho naquilo que eu amo fazer. Eu cultivei, experimentei isso para minha vida pessoal e quero levar para as pessoas essa experiência. E está dando certo”, enfatiza.
Aprimorando os conhecimentos
Para entender um pouco mais sobre esse universo, Matheus entrou na primeira turma do curso de Gestão de Startups e Empreendedorismo Digital da Uninter, que iniciou em fevereiro de 2019. “De tudo o que eu já li, já aprendi, hoje eu vejo que a startup é quando você tem uma ideia e coloca ela em prática. Ela não vai seguir aquelas regras burocráticas; o ‘lance’ é você poder trabalhar de qualquer lugar, mas com a entrega”, ressalta.
Sobre o começo, ele explica que há sempre um período de empolgação em que todo mundo colabora, mas reforça que o momento pós-novidade, muitas vezes, é o que vai definir se a empresa consegue superar os desafios ou não. “É o chamado ‘vale da morte’, e a sacada é essa: você chegar a esse ponto de queda e conseguir sair dali. A Minhorta já passou por isso e agora está nesse período de virada.”
O professor José Geraldo Lopes (o Zé), de Ciências da Computação da PUC-PR, foi o primeiro apoiador da Minhorta. Quando soube da ideia, logo quis participar. Agora, além de apoiadores indiretos (fornecedores e algumas floriculturas de Curitiba), também fazem parte da equipe Henrique Albuquerque e João Vitor, colaboradores da empresa. Cada um desempenhando um papel importante para o sucesso dos negócios.
“Eu não faria isso sozinho. Nós estruturamos a casa de tal maneira que, hoje, a Minhorta é de todos. Se um não fizer sua parte, o negócio desanda. Eu peneiro terra tanto quanto o Henrique e, apesar de eu ser o cara das vendas, ele vende tanto quanto eu. Todo mundo faz de tudo”, assegura.
Mas o começo não foram só “flores”; eles enfrentaram problemas com envio e, até adaptar o negócio, muitas mudanças precisaram ser feitas. “Pensamos naquela frase: é melhor feito que perfeito. Então a gente fez o que tinha que fazer, lançou, validou e testou. E aos poucos fomos adaptando. O legal é que isso foi uma construção junto com os nossos assinantes; ouvindo e entendendo o que era melhor para eles” lembra.
“Há uma necessidade em entender o que o público espera. Isso é algo pessoal que vem de cada empreendedor. A adequação melhora o produto ou serviço tanto para a startup quanto para o cliente, e isso agrega valor”, explica Matheus. Ele também reforça que é importante trabalhar sempre para entregar aquilo que se promete, e que cada passo de montagem dos kits da Minhorta foi pensado para ser um presente. “Não é um comércio de horta, é um comércio de experiências”, declara.
Ele conta que o curso tem sido uma forma de abrir os horizontes. “Eu estou aprendendo muito ali. O que eu já conhecia na prática, agora estou vendo na teoria, com explicações e em outros contextos. Isso está sendo sensacional. Estou muito feliz com o curso. Eu preciso saber disso para me posicionar no mercado, e o curso superou minhas expectativas”, destaca.
Muito versátil, além de sócio fundador da Minhorta, Matheus também trabalha como Engenheiro de Aplicação na Akiyama, desde outubro de 2018. “Eu amo meu trabalho como engenheiro, e também meu trabalho com a Minhorta. Mas, para mim, a startup é um hobby. Você pode ganhar dinheiro, mas pode falir também; tem que estar ciente disso. Então você precisa batalhar para dar certo. A Minhorta está se mantendo, e isso é bom.”
“Meu legado na Minhorta é o legado da minha vida. Repassar o conhecimento, inspirar. E, se isso crescer, melhor ainda. Você pode ir no mercado comprar terra e tentar plantar, mas o que eu estou propondo é facilitar, fazer algo diferente; mostrar o quanto é bom você cultivar seu próprio alimento. E eu fico muito feliz que isso está dando certo”, finaliza.
Autor: Jaqueline Deina - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal