Tinha um fantasma no meio do caminho
Imagine você se deparar com um fantasma à sua frente, e ousar enfrentá-lo, embora ciente de que tantos outros colegas – e adversários, inclusive – fizeram o mesmo e não se deram bem. Você frente a frente com a assombração num momento decisivo, e de repente a luz se apaga. Escuridão total. As pernas bambam. Ninguém é o mesmo depois disso.
Esse acontecimento “sobrenatural” se deu às 19 horas de um sábado, 22 de setembro, em Cuiabá. O termômetro marcava 35 graus na capital sul-mato-grossense. O embate iminente tinha o Fantasma de um lado e o Dourado de outro. Mas eles não estavam a sós. Numa Arena Pantanal lotada, 41.311 pessoas se espremiam ansiosas pelo início do duelo. Três minutos e se deu o apagão.
Transcorrida hora e meia às escuras, a peleja recomeça. O apagão parece ter surtido efeito apenas em um dos lados. Assombrar é a “arma” do Operário Ferroviário Esporte Clube, que não à toa é conhecido como Fantasma. Foi essa a rotina na trajetória do clube no Campeonato Brasileiro da Série C de 2018. Na final, se sagraria campeão da competição em cima do Cuiabá Esporte Clube, o Dourado.
Um jovem estudante acompanhou os assombros do Fantasma Brasil afora. Revelação da crônica esportiva paranaense, Edgar Araújo é estudante de Jornalismo da Uninter e empreendeu uma jornada de 32 mil km por oito estados e dez cidades, ao longo de 161 dias desde a primeira partida do Operário até a decisão da Série C. O Fantasma agora vai assombrar os adversários na Série B no ano que vem.
Edgar narrou a ascensão do Fantasma pela Rádio Clube Pontagrossense FM, ou PR-J2, a primeira rádio do Paraná, criada em 1940. Ele estuda em Curitiba e venceu os 115 km até Ponta Grossa em todos os jogos disputados pelo Operário em casa, no estádio Germano Krüger. Em todo o campeonato, o clube disputou 24 partidas, com 2.160 minutos de bola rolando. O torcedor ouviu os 51 gols do Fantasma na voz de Edgar.
A voz do gol
Edgar narrou o único e decisivo gol da partida decisiva diante do Cuiabá, aos 9 minutos do segundo tempo. “Vai descendo o Operário pelo meio, domina, Erick ajusta mais atrás ainda, vira o jogo, Cleiton. Quirino desceu perigosamente, bateu, houve o desvio, o toque. Olha o gol! Bruno Batata! Gooooooooooollll!!!!! Do noooooosso Fantasma. Gol do Operário no campeonato brasileiro”.
“Foi pra cima o Fantasma. Bola solta para o setor intermediário, Cleiton vira o jogo, Quirino vai pra área, ele bateu cruzado, Vitor espalma, Batata fecha e empurra para o fundo das redes do Cuiabá. Bruno Batata, nove, nove é o calibre do assassino do fantasma. Assombra eles, fantasma. Sai na frente o Operário, na Arena Pantanal, Tá um a zero, tá um para Operário, zero para o Cuiabá”, narrou Edgar.
Durante o duelo, outro protagonista entrou em cena. Simão, goleiro do Operário, realizou cinco defesas difíceis. “São Simão” operou milagres durante a finalíssima. O arqueiro se transforma. “Cinquenta por cento do título foi do Simão”, comenta o narrador.
“Estava tudo desenhado para a equipe do Cuiabá vencer”, comenta o jornalista esportivo. O adversário tinha a vantagem da decisão em casa. No primeiro jogo decisivo, o time mato-grossense arrancou um empate fora de casa, no Germano Krüger, por 3 a 3. Estava confiante para os últimos 90 minutos em Cuiabá. Até se dar o apagão, e o Fantasma entrar em campo.
Ouça a narração em áudio aqui.
Quando o Operário virou Fantasma
Com 106 anos de história, o Operário dos Ferroviários da Vila Oficinas de Ponta Grossa realizou algo inédito ao conquistar o título da Série C. O clube foi batizado inicialmente de Foot-ball Club Operário Ponta-grossense, mas só em 1933 ganhou o nome que persiste até hoje: Operário Ferroviário Esporte Clube (OFEC).
O clube ganhou o apelido de “Fantasma da Vila” pela invencibilidade em 1914. Conquistou o seu primeiro título ao sagrar-se campeão ponta-grossense. Os adversários ficavam assustados e, na maioria das vezes, acabavam derrotadas nos jogos disputados na Vila Oficinas.
O Operário se tornou o terceiro clube paranaense com títulos em duas divisões do campeonato brasileiro: a Série D, em 2017, e a Série C, em 2018. Atlético e Coritiba foram campeões das séries A e B.
Na cola do fantasma
Faltava poucos minutos para acabar a final da Série C de 2018 e toda a mente de Edgar se encheu com as memórias da trajetória percorrida junto com o Operário. As lembranças traziam detalhes das viagens de ônibus ou de algum aeroporto do Brasil. “Passa na cabeça tudo aquilo que aconteceu”, lembra.
Suas referências no jornalismo esportivo são Osmar Santos, Oscar Ulisses, Marcelo Ortiz e Edgard Felipe. Mas é preciso criar uma identidade própria, para não ficar na aba dos outros. “O narrador esportivo tem de achar o seu estilo”, afirma. Edgar diz que para se destacar na profissão é necessário ter agilidade, técnica de respiração, descrever em que local ou setor bola está, ser versátil (saber apresentar um programa de rádio, atuar como repórter quando necessário).
“O rádio, em sua essência, é emoção, é conquistar o torcedor”, diz. O narrador conquistou os torcedores com sua voz ao microfone. “Eu fui muito bem acolhido. Me considero mais um torcedor Operário”, comenta.
Todo narrador tem um bordão. Edgar criou um neste ano: “Assombra eles Fantasma!” O trem fantasma estremeceu o chão pelo Brasil, amedrontou os adversários, encheu de orgulho a torcida. Alegria para os ferroviários. Missão cumprida para Edgar Araújo. A sua jornada atrás do Operário estava completa. Vem agora a Série B em 2019.
Um menino atrás da bola
Tudo começou pela brincadeira na infância e se estendeu pela adolescência. Edgar narrava os jogos no futebol de botão e as partidas de videogame. Mas só descobriu a habilidade que tinha aos 24 anos, quando realizou um curso de locução e o seu orientador disse que ele deveria investir na carreira de narrador esportivo.
Edgar começou a carreira no final de 2013 pela Rádio Comunitária Cajuru. Já narrou partidas Copa Libertadores da América, Sul-Americana, Copa do Brasil, série A, B, C e D do Campeonato Brasileiro. E foi repórter em duas partidas da Copa do Mundo de 2014, pela Rádio Educativa. Passou ainda pela Rádio Fênix, Rádio Iguassu e Clube FM (Curitiba). O talento só foi se desenvolvendo. Além das transmissões pela Rádio Clube Pontagrossense FM, atualmente também trabalha na Rádio CBN de Curitiba.
Em dezembro de 2017, Edgar recebeu uma ligação do diretor da Rádio Clube Pontagrossense, Ozires Nadal. O radialista com experiência de 11 Copas do Mundo convidou o estudante para participar das transmissões esportivas do clube alvinegro. Ele iniciou o trabalho em fevereiro de 2018, na segunda divisão do Campeonato Paranaense de 2018.
Conheça melhor essa voz de ouro na matéria A saga do menino que queria ser locutor.
Assista às narrações na página do locutor no Youtube: Edgar Araújo
Autor: Evandro Tosin – Estagiário de JornalismoEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal