Thaís fez emergir as mulheres no mar de homens de Santiago
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo“Terra dos poetas”, assim é conhecida a cidade de Santiago, localizada no Rio Grande do Sul, com aproximadamente 50 mil habitantes. Considerada o berço de muitos escritores, o nome mais conhecido é Caio Fernando Abreu. O município de 136 anos conta com a “rua dos poetas”, onde se pode encontrar cerca de 30 monumentos de autores locais e uma “calçada da fama”, lugar em que ficam eternizadas as mãos de santiaguenses que se destacam no cenário artístico e cultural.
É de lá também a estudante do primeiro ano da licenciatura em História da Uninter Thaís Sagrilo, 32 anos, que ao pesquisar sobre personagens femininas da cidade para um trabalho, observou a ausência de mulheres nas artes. Entre todos os monumentos, apenas uma: Nilza Teresinha Fortes Dorneles, que faleceu em 2008, aos 61 anos. A professora da rede pública e privada era também escritora e teve vários poemas publicados e musicados. Já na calçada da fama, se destaca a professora Enadir Vielmo, escritora e integrante da Academia Santiaguense de Letras do Centro Cultural de Santiago.
Thaís contou a história da cidade e das escritoras em um vídeo de quase 5 minutos, intitulado Duas mulheres em um mar de homens e publicado em um canal do Youtube no dia 20.dez.2020, primeira produção desenvolvida para a graduação. Nele, a estudante deixa claro que não tem intenção de desmerecer o trabalho realizado pelos homens da cidade, mas reflete sobre a quantidade de mulheres que não tiveram o devido reconhecimento de suas artes ou mesmo oportunidade de expor seus saberes por falta de espaço na sociedade.
“Quantas de nossas bisavós, avós, mães e tias não poderiam ter sido cientistas, pintoras, escritoras, políticas, físicas, compositoras ou historiadoras? Elas tiveram as suas potencialidades desperdiçadas pela ausência de espaço para a mulher. Ou, ainda, pela excessiva cobrança feita a elas no cuidado aos seus familiares, no cuidado aos seus lares”.
Thaís enviou a apresentação apenas para pessoas próximas, por mensagens de WhatsApp, mas foi surpreendida com o compartilhamento, que chegou à Casa do Poeta de Santiago. Assim, o vídeo também foi publicado na página do Facebook da instituição e, com a repercussão, a gaúcha recebeu dois convites. Ela terá a produção veiculada em uma homenagem a Enadir Vielmo e também será mediadora do evento junto ao encarregado do departamento de cultura do município.
Além disso, foi convidada a compor o livro “Infinitamente Mulher”. A antologia, publicada anualmente, completa 10 anos em 2021 e contará com crônicas e poemas de 100 escritoras santiaguenses. A publicação é símbolo de um progresso da cidade, que atualmente busca valorizar e dar mais espaço e oportunidades às mulheres.
“Não são só as mulheres que têm a ganhar tendo o seu espaço garantido, mas sim toda a comunidade, pois quanto talento se perde quando se dá voz apenas a uma parte da população? Que não seja só assim, que as mulheres sejam igualmente valorizadas e que aquelas que venham depois de nós tenham muitas histórias com as quais se inspirar. E que não precisem mais garimpar para encontrar o nome de uma ou duas mulheres dentro de um mar de homens”, diz Thaís.
O livro, que seria publicado no dia 8.mar.2021, teve o lançamento adiado devido à pandemia. Para a obra, a estudante escreveu a crônica “Aquela mulher do espelho”, que fala sobre a relação de uma mulher com suas várias versões, até chegar à vida adulta. Apesar de sempre ter tido vontade de se aventurar na literatura, Thaís conta que essa é a primeira experiência, pois “acreditava que não seria capaz”.
“Falo sobre descobrir a sua real essência. O nosso verdadeiro ‘eu’, aquilo que o nosso interior nos grita e por vezes não escutamos. Falo em nos aceitar como somos, mesmo em relação aquelas coisas que menos gostamos em nós. A minha motivação em escrever sobre o assunto veio do momento que estou vivendo. Eu escrevi o que sentia em mim, e queria transformar em crônica para, quem sabe, motivar alguém a buscar conhecer a mulher que ela vê no espelho”, conta.
Thaís acredita que duas questões influenciam diretamente o reconhecimento e valorização das mulheres no cenário artístico. Primeiro, o fato de a sociedade buscar justificativas ao invés de aceitar que as mulheres não têm o mesmo espaço que os homens. Segundo, a realidade de que elas carregam muito mais responsabilidades do que eles. A estudante cita como o fenômeno da pandemia tornou isso mais evidente, já que precisam trabalhar, cuidar da casa, dos filhos, dos companheiros, além de muitas vezes ainda precisarem cuidar de algum familiar. Com todas essas funções, não sobra tempo para desenvolverem habilidades e potencialidades.
“Na minha cidade, nunca tivemos uma prefeita ou vice-prefeita mulher. Será que nenhuma mulher foi capacitada para tal função, ou não se dá voz às mulheres? Nós não temos o mesmo espaço, e a nossas palavras não têm a mesma força. Precisamos dar voz às meninas, e ensinar os meninos a dividir as tarefas. As meninas precisam saber que podem tanto quanto os homens, e os meninos precisam crescer sabendo que vivem em uma sociedade que os privilegia em diversos aspectos. Mas, para que entendamos tudo isso, precisamos conhecer o passado, saber o que nos trouxe até o ponto em que nós chegamos.”
A estudante ressalta que buscou material para a elaboração do trabalho com a cultura e as escritoras da cidade. “Pessoas que eu nem conhecia pessoalmente, e que gentilmente disponibilizaram poemas e músicas de personalidades locais. Destaco aqui a importância de a comunidade abraçar a ideia, ajudando na construção do saber”.
A graduação como forma de se reconectar com a própria história
Thaís é bacharel em administração há 11 anos e atuou na área com a realização de pesquisas para empresas, mas decidiu parar com o nascimento do primeiro filho, que hoje tem 6 anos. Ela conta que a primeira formação se deu para “agradar a família” e agora, com o curso de História, “é um sonho” que está sendo realizado. A estudante tem mais um filho, de 2 anos, e diz que os meninos “foram importantíssimos nesse processo”.
Os dois filhos de Thaís são autistas e contribuíram para uma mudança na maneira como ela vê a vida e a si mesma. Por causa deles, surgiu a vontade de saber o que a “moldou como pessoa” e o que levou a sociedade a ser como é hoje. “Conhecer o passado para entender o presente”, explica. E a escolha pela licenciatura se deu para a realização do “sonho de ser professora”.
“Pesquisei as universidades, as avaliações no MEC, as grades, os professores e os materiais disponibilizados. A Uninter foi a que mais se destacou, eu gostei assim que pesquisei. O curso ser EAD fez toda diferença, pois eu posso estudar nos horários vagos que eu tenho e que são pouquíssimos. Muitas vezes esse horário é pela madrugada, e isso é algo que um curso presencial não me permitiria”, afirma.
A estudante ressalta que a formação na instituição tem “aberto a visão de mundo” e aumentado “a fome do saber”. “A cada aula, a cada leitura, eu sinto que, enfim, encontrei o meu caminho. Os professores trazem informações riquíssimas, com uma didática maravilhosa. Saber que ao longo da minha caminhada eu poderei contar com a ajuda destes grandes profissionais, torna o caminhar mais leve, rico e estimulante”, garante.
Agora, Thaís pretende seguir os estudos, com mestrado e doutorado após a formação. “Quero ser professora-pesquisadora”, conclui.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Reprodução