Tempo de chuva e o perigo da Leptospirose
Autor: Paulo Felipe Izique Goiozo (*)A leptospirose é uma doença negligenciada por muitos governos e um sério problema de saúde pública. A enfermidade possui distribuição mundial e cada região apresenta sorotipos característicos determinados por sua ecologia. Comumente, a doença tem alta prevalência em regiões tropicais, com chuvas torrenciais e solo com pH variando de neutro a alcalino. Em áreas urbanas, os surtos ocorrem nas regiões periféricas, propícias a inundações.
A zoonose tem origem bacteriana causada por espiroquetas do gênero Leptospira, sendo as patogênicas pertencentes à espécie L. interrogans. Apresenta um ciclo sinantrópico (que se adapta a viver junto com o ser humano) de transmissão, tendo como fontes de infecção animais como roedores, cães, bovinos e suínos que, após um quadro de letospirúria, contaminam o solo ou a água com espiroquetas. Posteriormente, tanto o homem quanto animais suscetíveis, em contato direto com a água ou solo, são infectados pelo patógeno que penetra no organismo através da pele e mucosas oral ou nasal.
Nos seres humanos, a ocorrência da leptospirose se dá esporadicamente ou de formas epidêmicas com prevalência em áreas urbanas, tendo correlação com a intensidade do volume de chuva, pois os surtos são causados pela exposição de águas contaminadas por urina de animais infectados, principalmente, os roedores. A doença apresenta nos humanos uma mortalidade média em torno de 15%, entretanto, quando há acometimento pulmonar, esse índice se elava para 60% a 70% de possibilidade de morte. Os sintomas dependem da apresentação clínica, podendo ser assintomática, leve, moderada ou grave, com duas formas distintas: anictérica e ictérica.
Quanto aos animais, teoricamente, qualquer sorovar (variante sorológica) de L. interrogans pode infectar qualquer espécie de animal, afetando roedores, animais silvestres, pets ou animais de produção. Os surtos da doença têm relação direta com períodos de inundações, porém, em animais de produção, também há uma alta incidência com a presença de roedores em depósitos de rações, galpões de confinamento e baias. A leptospirose em animais pode se dar de forma aguda com início repentino de agalactia, icterícia, hemoglobinúria e meningite, ou crônica com aborto, fetos natimortos ou nascimento de animais fracos e subdesenvolvidos, infertilidade e, especialmente em equinos, distúrbios oftálmicos.
Independentemente da espécie, o diagnóstico da leptospirose envolve a anamnese minuciosa, sinais clínicos, exames laboratoriais e a confirmação se dá pela detecção do patógeno, tanto pela identificação ou por técnicas de imunodiagnóstico.
Tratamento da leptospirose
Em seres humanos, o tratamento terá a abordagem terapêutica conforme a apresentação clínica. Para casos leves, a terapia sintomática é instituída, visando à hidratação. Em casos graves, há a hospitalização do paciente, com terapia de suporte para manutenção da hidratação e equilíbrio hidroeletrolítico.
Em animais, o tratamento faz-se necessário de acordo com o nível de hidratação do enfermo. No entanto, o uso de antibióticos é recomendado. No caso dos equinos, que manifestam alterações oftálmicas, se utiliza colírios a base de corticoides associado com atropina com quatro a oito aplicações diárias.
Cuidados e prevenção
Quanto às medidas profiláticas, o cuidado com o meio ambiente é primordial, visando eliminar fontes de infecção e meios para transmissão da doença. Em áreas urbanas, medidas para evitar inundações e controle estratégico da população de roedores diminui, significativamente, os riscos de surtos da leptospirose para humanos, cães e gatos principalmente.
Quanto à imunização, a vacinação de cães, bovinos e suínos têm demonstrado resultados satisfatórios, porém, mesmo vacinados os animais podem desenvolver a doença em virtude da grande variedade de sorovares. Nos humanos, devido a variedade de espécie de bactéria, a produção de vacina é inviabilizada por não ter sua eficácia comprovada, não havendo vacinas comerciais disponíveis.
É evidente a importância da leptospirose dentro do contexto da saúde única, principalmente porque, em seu ciclo natural, envolve o trinômio: homem-animal-ambiente. Com os períodos chuvosos, não somente o poder público deve agir para eliminar os riscos da doença, mas também a participação ativa de profissionais da saúde na conscientização da população e a própria população dando destino adequado ao lixo, por exemplo.
A atuação em conjunto do poder público, profissionais da saúde, comunidade científica e da população são fundamentais para o controle e erradicação, não só da leptospirose, mas também de outras doenças com alta incidência nos períodos chuvosos, como a dengue, zika vírus e chikungunya.
*Paulo Felipe Izique Goiozo é médico veterinário, mestre em Patologia Veterinária, doutor em Fisiopatologia e Saúde Animal e professor da Escola Superior de Saúde Única da Uninter
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