Startup cria aplicativo que guia os cegos pelo caminho da inclusão
Autor: Juce Lopes - Estagiária de JornalismoCursar o ensino superior costuma ser um grande desafio para grande parte dos brasileiros. No caso dos estudantes com algum tipo de deficiência, as dificuldades são ainda maiores, e se apresentam ao longo de todo o processo educacional. A falta de preparo para recebê-los, pouca acessibilidade e professores sem capacitação são alguns dos problemas que dificultam a vida dos estudantes com deficiência, e muitas vezes os desmotivam a permanecer na escola.
De acordo com o senso nacional de 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24% da população têm algum tipo de deficiência no Brasil, algo em torno de 45 milhões de pessoas. Apesar desse número expressivo, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) apenas 1,6 milhões dessas pessoas estão em sala de aula.
O professor Amaury Dudcoschi Júnior é um dos profissionais que se dedica a promover a inclusão desses alunos. Seu propósito é ajudar pessoas com deficiência a se sentirem incluídas de fato em nossa sociedade. Amaury é analista de sistemas, mestre em design e já trabalhou como consultor da UNESCO.
Foi estudando as possibilidades de inclusão do aluno com deficiência que Amaury idealizou a startup LookforMe. O objetivo da empresa é, através de um aplicativo para celular, ajudar alunos do ensino fundamental e médio a terem mais autonomia no seu dia a dia escolar.
“Essa minha ideia foi amadurecendo no instituto IBGPEX, onde eu atuo como voluntário, através dos cursos que a professora Adenir estabelece”, conta. Ele também foi o responsável por implantar o projeto “Ser Capaz”, que visa promover a acessibilidade de pessoas cegas no ambiente de trabalho, no Instituto Brasileiro de Graduação, Pós-graduação e Extensão da Uninter (IBGPEX), onde é consultor voluntário desde 2018.
“O Projeto Ser Capaz faz a capacitação das pessoas com deficiência e a sua inclusão no mercado de trabalho. As empresas empregam poucas pessoas com deficiência visual por desconhecerem as novas possibilidades que as tecnologias podem oferecer, e o professor Amaury faz essa ponte entre o que há de problema na acessibilidade e as possibilidades”, explica a gerente de projetos do instituto, Adenir Fonseca dos Santos.
Amaury acreditou na viabilidade de seu projeto, criou uma equipe e inscreveu sua startup no programa “Garagem BNDES 2019”, no qual foi classificado. O programa tem como foco desenvolver e fomentar o empreendedorismo no Brasil, através do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES).
Para se ter uma ideia, hoje, os alunos com algum tipo de deficiência visual não conseguem resolver seus exercícios matemáticos em sala de aula junto com a turma. É necessário que o exercício seja copiado em seu caderno para que, posteriormente, em casa ou no contraturno escolar, alguém traduza para braile. Só então o estudante poderá resolver o exercício.
Mesmo sendo um processo rudimentar que priva o aluno da chance de sanar dúvidas na hora da aula, esse método ainda é utilizado não só nas escolas brasileiras, mas também na maior parte das escolas espalhadas pelo mundo.
“A nossa ideia é aproveitar a tecnologia disponível em favor da qualidade de ensino para os alunos cegos. O aplicativo ajudará também outras pessoas, como por exemplo: pessoas com atrofiamento nas mãos, ou que não consigam escrever, pessoas com síndrome de Down e com deficiência auditiva”, explica Amaury.
Outro colaborador do IBGPEX que está participando dessa iniciativa é o professor e instrutor Rui Kelson Lopes Fonseca. Rui também é cego e foi no IBGPEX, há 3 anos, que ele encontrou seu primeiro emprego. Muitas empresas não contratam pessoas cegas, pois encontram dificuldades em adaptar o ambiente de trabalho para recebê-las. Foi na hora de fazer a sua adaptação no instituto que Rui e Amaury se conheceram.
“Estou muito feliz. Era uma ideia que o professor Amaury já tinha há muito tempo e quando ele me deu a notícia que realmente tinha inscrito o projeto, fiquei muito contente. De lá para cá, foi uma alegria atrás da outra, desde a primeira fase do concurso até agora. Estou muito feliz por fazer parte disso”, conta Rui, cuja função na startup é testar o aplicativo e verificar a sua acessibilidade.
Rui conta que também passou por um processo parecido de educação e dependia sempre de uma terceira pessoa para fazer suas atividades escolares. “A maior dificuldade ocorria nas aulas de ciências exatas porque nenhum professor conseguia me explicar o que estava no quadro e, consequentemente, eu não sabia como aprender aquilo. Então, eu tinha que escrever os exercícios em braile, que eram ditados por uma pessoa, levar isso para alguém que soubesse transcrever para tinta, para enfim eu levar os exercícios para o professor. O que era feito em sala por outros alunos, eu tinha que levar para casa”.
Como funciona o Look For Me
A pessoa com deficiência faz um cadastro no aplicativo. Nele, ela encontrará um menu acessível onde informará sua deficiência (que poderá ser mais de uma) e adequará as funções do app conforme sua necessidade: áudio aumentado para pessoa surda; lupa para quem tem baixa visão; contraste para quem é daltônico; áudio diminuído para quem tem deficiência mental; entre outras facilidades que o software permite.
No aplicativo também ficarão registradas as informações sobre o estado, cidade, escola, série, disciplina e as principais dificuldades que o aluno encontra nas disciplinas.
Com o app, o celular consegue registrar todo texto em letra cursiva que seja escrito no quadro, basta que o aluno ou alguém que o auxilie fotografe. Assim, o que foi capturado vai para um caderno virtual, para que o aluno possa resolver as questões passo a passo. Além do estudante poder acompanhar a aula em tempo real, pode tirar suas dúvidas na hora com o professor.
“Quando fiz minha pesquisa para mestrado, desenvolvi jogos para cegos, que são baseados em sons e vibrações. Apliquei essa tecnologia no aplicativo também, pois muitas vezes o aluno cego não consegue entender o que é uma expressão geométrica, um triângulo. O app irá transportar esse triângulo para o celular, em um plano cartesiano, a pessoa cega passará o dedo no celular em cima da forma geométrica e ao mesmo tempo irá produzir um barulho contínuo. Se o aluno sair para fora da linha o aparelho irá vibrar, assim ele saberá se é um triângulo, ou um círculo, para aí poder conseguir resolver, como todos resolvem, uma expressão geométrica”, explica Amaury.
Dentro do app há um fórum e os seus usuários podem compartilhar experiências e dicas no uso do aplicativo, criando assim uma rede de discussões entre eles.
Outra proposta é a de um site web em que o professor cadastra a sua aula, fazendo com que o aluno possa estudar a matéria previamente, como no conceito de aula invertida. Isto gera economia de tempo, bem-estar e autonomia a essas pessoas.
“Hoje em dia o que a gente vê é o aluno com deficiência entrar numa sala e ser recebido por um professor que não sabe trabalhar com ele. Consequentemente, o aluno desiste por não ter condição de aprender o que está sendo passado e o app vem para quebrar essas barreiras”, afirma Rui.
Garagem BNDES
De 5 mil mil projetos inscritos de diversos estados, 79 foram classificados, sendo apenas 5 da área de educação. Amaury e os outros responsáveis pela startup estão agora em um coworking – espaço de trabalho compartilhado – no Rio de Janeiro (RJ). Lá, eles ficarão por 3 meses com as despesas pagas pelo BNDES.
O objetivo é acelerar as startups classificadas com o suporte das equipes financeiras, de marketing, jurídica e tecnológica disponibilizadas pelo BNDES, que participará diretamente na sua evolução.
Além disso, vários fundos de investimentos irão conhecer os produtos que foram elaborados nesse período. Caso os investidores se interessem, os produtos poderão receber aportes para serem lançados no mercado.
Autor: Juce Lopes - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Juce Lopes - Estagiária de Jornalismo