Solidariedade é a chave para o trabalho no sistema prisional e de socioeducação

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

Quando se fala em direitos humanos nos sistemas prisional e de socioeducação, a sociedade ainda olha com preconceito para as pessoas envolvidas. Tanto os presos quanto as crianças e adolescentes em conflito com a lei ou situação de risco, assim como os servidores públicos que trabalham com eles, são vistos como pessoas marginalizadas.

A professora Marilza Hack, que atua há 12 anos no sistema prisional do Paraná e há 7 anos especificamente na formação de profissionais, acredita que essa é a principal barreira a ser quebrada. A primeira etapa para isso é o trabalho desenvolvido com os servidores.

“Para mim, o direito humano parte dos profissionais. Eles precisam se sentir protegidos em relação aos direitos humanos para daí protegerem o direito humano do público-alvo. O profissional bem formado, bem orientado, vai refletir diretamente no nosso público, que hoje chega a 23, 24 mil pessoas dentro do sistema prisional do Paraná entre todos os regimes”, explica.

Marilza conta que esse trabalho é desenvolvido por dois principais vieses dentro da formação. O primeiro com disciplinas que abordam os direitos humanos e a cidadania, tratando todo o histórico do sistema de punição e como ele foi avançando ao longo das décadas. Em um segundo momento, ao entrar em choque com a realidade prisional, eles adentram as disciplinas de aperfeiçoamento, e aprendem sobre o atendimento de públicos específicos.

Os servidores precisam ter conhecimento sobre a legislação para dar o devido tratamento a determinados grupos. Eles têm que ter conhecimento sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao receber visitas de crianças, por exemplo. E também saber os limites de direitos e deveres no tratamento a idosos, pessoas com deficiência, estrangeiros, entre outros.

A profissional ressalta que, ao contrário do que as pessoas pensam, a maioria dos agentes penitenciários não se limitam ao nível do ensino médio para desenvolver suas funções, sendo que quase 70% deles têm alguma especialização, e há inclusive mestres e doutores dentro do sistema. “Isso para a gente é um reconhecimento, porque eles estão levando para dentro das universidades esses debates, tem uma visibilidade daquilo que é o real”, diz.

Ela acrescenta que os servidores estiveram envolvidos em praticamente todos os eixos do plano de educação e direitos humanos do Paraná e foram eles quem ajudaram a construí-lo. Agora, conquistam o avanço em que a escola que trabalha a formação desses profissionais também será responsável por desenvolver um programa de saúde do servidor, pensando nele integralmente, como as relações familiares, questões financeiras, saúde mental e muitas vezes até de dependência química.

Márcia Mocelin, pesquisadora e professora da área de música no sistema de socioeducação, trabalha com crianças e adolescentes de até 17 anos e acredita ser necessário dar visibilidade para que todo mundo conheça as políticas públicas aplicadas nestes ambientes. Além de ser necessária uma conscientização dos profissionais que decidem trabalhar na área.

“É impossível você ser um profissional dessa área se você não acredita minimamente nos direitos humanos e na recuperação constante do ser humano”, afirma.

A servidora destaca que, não muito tempo atrás, as crianças e os adolescentes eram considerados pessoas sem direitos, tratados como adultos, não só em comportamento, mas também no modo de se vestir e trabalhar. A primeira assistência que surge pensando na infância e adolescência é o Código Mello Mattos, em 1927. Desde então, a legislação vem passando por reformulações, chegando até o ECA, em 1990, que segue sendo aperfeiçoado.

“O Estatuto da Criança e do Adolescente hoje é o documento mais completo, mais complexo e mais bem escrito, é espelho para outros países. O Paraná hoje está muito bem representado na socioeducação e nós geralmente recebemos visitas de secretarias de segurança de outros Estados, de outras localidades do Brasil e também de fora, para ver de perto como funciona nosso sistema socioeducativo”, salienta.

Márcia destaca que são o sentimento coletivo e a solidariedade os dois princípios que precisam estar presentes para trilhar a carreira nesta área. “Eu penso que você tem que acreditar que tudo é possível e que todos podem se recuperar, que todos podem ter uma segunda chance. Se desses todos eu tiver 1% ou 99%, está dentro do trabalho de acreditar na possibilidade. A socioeducação caminha para um momento diferenciado. Não tem mais aquela questão da punição como primeiro plano, mas sim da reconstrução, da ajuda, da solidariedade de tentar reconstruir as peculiaridades desse ser humano através da educação, da saúde, do atendimento socioeducativo, psicossocial”.

Marilza diz que o mais desafiador da profissão foi escolher o sistema prisional para trabalhar. “Se você odeia é muito mais difícil, você vai adoecer. Ou você ama e é muito recompensador ver de cada ação um resultado”. Ela acredita que o futuro é dar mais transparência, mostrar toda a inovação que vem sendo aplicada dentro das unidades, realizando processos de trabalho a partir da justiça restaurativa. Ela afirma que hoje o sistema é muito diferente do que já existiu e precisa ser visto.

“Por favor, pesquisem sobre os fatores protetivos, sobre aquilo que dá certo. O que não funciona a gente já sabe. Pesquisem por que algumas políticas dão certo, a condição do desencarceramento. Será que é uma realidade que o Brasil, que o Paraná pode passar? Acho que isso é despertar o olhar do outro lado da mesa”, finaliza.

Marilza e Márcia foram as convidadas da edição do programa Educa Brasil que falou sobre Socioeducação e formação profissional, apresentado pela professora Dinamara Machado, diretora da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter. O bate-papo se deu através de uma transmissão ao vivo, via Facebook e canal do Youtube da ESE.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Flickr e reprodução Facebook


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