Silvano desmitifica impostos e os leva para o ensino básico

Autor: Nayara Rosolen – Jornalista

Arte: Paulo Henrique Amado, auxiliar administrativo da área de Assuntos Comunitários e de Extensão

“Quando eu for presidente da República ou pelo menos ministro da Educação, vou levar o estudo do Direito Tributário para as bases estudantis.” A brincadeira feita pelo doutor em Direito Silvano Alves Alcantara, entre amigos e colegas de profissão, tomou rumos diferentes, mas conseguiu alcançar estudantes do ensino fundamental privado em Curitiba (PR).

Professor de pós-graduação na Uninter desde 2007, naquela época ainda IBPEX, o docente hoje coordena especializações da área do Direito. Aos 65 anos, pensou que a caminhada acadêmica estava descendente. Ledo engano, já que entende que os profissionais que atuam na docência “não podem e nem devem” parar de estudar, visto a importância das atualizações constantes na formação continuada.

No 6º andar do edifício Garcez, o posto de Silvano fica ao lado do também professor Alceli Ribeiro Alves. Além de atuar nos cursos de pós-graduação, Alceli é professor do Programa de Pós-graduação em Educação e Novas Tecnologias (PPGENT) do centro universitário. Por incentivo dele e do pró-reitor em Pós-graduação, Pesquisa e Extensão, Nelson Castanheira, Silvano decidiu encarar o mestrado.

“Isso aqui dá uma excelente docência orientada para a educação”, escutou ao mostrar o pré-projeto para Alceli, que se tornou seu orientador no PPGENT. As conversas que surgiram a partir dali resultaram na aplicação de uma oficina de educação fiscal para 28 estudantes do 4º ano do ensino fundamental, na Escola Adventista Vista Alegre (EAVA).

Para a elaboração de um produto educacional que possa ser oferecido à sociedade, quesito obrigatório do programa, foi criado um roteiro de estudos que tem como base levar o ensino do Direito Tributário para as séries iniciais da educação básica. A fase prática foi aplicada em quatro encontros na EAVA.

“De certa forma, aquela vontade minha, aquele sonho e querer que eu falava em tom de brincadeira, foi alcançada, pelo menos nesse primeiro momento. Mas tenho certeza de que esse roteiro, que não é engessado e deve ser revisitado sempre acompanhando as realidades da escola, dos alunos e da legislação, vai ser aplicado, sim, em outras séries do ensino fundamental”, afirma.

De acordo com o orientador da pesquisa, há dois pontos fortes principais: o planejamento muito bem estruturado e a integração com outras instituições para além da Uninter, neste caso com a EAVA. Dessa forma, Alceli destaca três dimensões que tornam o projeto do professor Silvano um dos mais significativos.

Primeiro, no âmbito da Cátedra Unesco: A cidade que educa e transforma, porque demonstra o quanto os profissionais, enquanto representantes da Uninter, estão relacionados com a perspectiva de universidade que se conecta com a cidade e extrapola as paredes da instituição. Segundo, com o impacto social, na medida que envolveu não só os estudantes e a comunidade escolar, mas também suas famílias. E por último, mas não menos importante, a mudança que gera para as futuras gerações, de educar ao longo da vida e não cessar na educação básica.

“Esse impacto social que envolve as cidades, envolve muito seriamente o compromisso que se tem com a educação, com a formação dos futuros cidadãos, em termo de mais gestão democrática. Começamos a tentar a difundir essa cultura da gestão a partir do núcleo mais próximo dos estudantes, que é a escola. Esses três pontos deixam o projeto do professor Silvano muito forte, significativo. Eu diria que, no âmbito de toda a instituição, são pouquíssimos que conseguem esse impacto”, salienta o orientador.

A percepção foi consolidada na defesa do trabalho, que aconteceu em 18 de março de 2024. A banca avaliadora foi composta pelo doutor em Educação Luis Fernando Lopes, que também atua no PPGENT, e a doutora em Educação Científica e Tecnológica Luci Bernardi, da Universidade Regional Integrada Do Alto Uruguai e das Missões (URI).

Para o professor Silvano, foi “um prazer” ver que os profissionais haviam dado a atenção e se dedicado na leitura e avaliação, trazendo trechos escritos e sugerindo o que mais poderia ser incluído. “Foi muito rica a participação e enriqueceu demais o trabalho. A professa Luci disse o meu trabalho está redondo, então eu fiquei muito satisfeito. A banca foi excelente”, declara.

“Você falar do que você gosta, sabe e conhece, é bem mais tranquilo […]. A sala [virtual] estava cheia de amigos, familiares, professores e colegas. Para algumas pessoas isso é mais difícil, mas eu sou o contrário. A minha tranquilidade maior foi no sentido de falar de uma coisa que eu fiz, conheço e gostei. Para a minha vida pessoal foi uma etapa encerrada com uma realização daquele sonho de levar o direito tributário para as bases estudantis”, conclui o mais novo mestre em Educação e Novas Tecnologias.

Com a expertise e experiência do professor Silvano, Alceli garante que o processo de orientação foi facilitado, mas apesar da tranquilidade no trato da relação pessoal entre orientador e orientando, trouxe também muita bagagem e senso de responsabilidade de que o projeto precisa ter uma continuidade. “Sou grato por ter o professor como orientando”, salienta.

Os tributos na prática

Com uma vasta legislação tributária, devido ao tempo de pesquisa e espaço disponível para aplicação na escola, Silvano precisou optar por apenas um tributo para trabalhar. Decidiu então pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é de competência estadual e está mais presente no dia a dia dos alunos.

Em um primeiro momento, apresentou o projeto para a coordenação pedagógica da escola, que gostou e aceitou de imediato. Na oportunidade, enviaram um aviso para os pais sobre o que seria realizado e pediram apoio dos responsáveis com a temática. “[Pedimos] Se possível, para levarem os filhos à feira, ao supermercado e que demonstrassem pegando um determinado produto para saberem de onde é e que houve essa movimentação que chamamos de circulação de mercadoria e a tributação ICMS”, explica o docente. Os profissionais também fizeram um encarte de produtos para compartilhar com os estudantes e as famílias, que deveriam escolher o que gostariam de “comprar” na simulação e já entrarem na dinâmica.

Antes de partir para a prática, Silvano abriu as primeiras conversas sobre alguns conceitos, como cidadania, o tributo e o que é ser cidadão. “A receptividade foi excelente desde o primeiro momento, uma turma integradora”, garante o docente. Depois a turma foi dividida e os alunos realizaram as simulações em dois encontros. Todos os estudantes participaram de alguma forma, seja como consumidor, como caixa de supermercado, governador, prefeito, auditor fiscal, gerente de banco, entre outros. Com um cronograma e roteiro para se basearem, os estudantes ficaram livres para criar as próprias situações e, de acordo com Silvano, “foi perfeito”.

No último dia, o profissional se reuniu com a turma para a fase de feedback e rodadas de perguntas e respostas. “Deixamos a palavra em aberto para falarem se gostaram ou não. Disseram que foi perfeito, mas temos autocrítica, sempre podemos e devemos melhorar. Foi excelente tanto por parte dos alunos que eram o público-alvo quanto das professoras que nos ajudaram e da coordenação da escola que nos deu liberdade para fazer o que precisávamos”, conta.

Silvano salienta que, quanto antes tiverem o contato com esse entendimento, melhor irão lidar com a relação tributária, que é “sempre tumultuada”. Embora não acredite que um dia irá ver essas relações de uma forma tranquila, afirma que enquanto puder ajudar, terá isso como objetivo.

Outras possibilidades de implementação e ampliação são avistadas pelo orientador Alceli. Entre elas, o aprendizado para estudantes do ensino médio, a capacitação de professores durante a formação para replicar em suas aulas e até mesmo o ensino para idosos. No entanto, o profissional percebe que no ensino fundamental já se pode ver um impacto muito grande e considera a possibilidade de levar para escolas públicas carentes da cidade.

“É um outro impacto, muito diferente, onde as crianças, em tese, têm outra realidade. As questões sociais, o contexto… Vemos que tem muito espaço para adentrar nessas questões e o impacto seria ainda maior”, explica.

Embora acredite que os obstáculos e dificuldades encontrados sejam outros e maiores, o professor Silvano também pensa ser uma ótima oportunidade para quem gosta de desafio.

A legislação tributária no Brasil

Complexa desde a chegada dos portugueses em solo brasileiro, a legislação tributária continua sendo de difícil entendimento, mesmo com alterações ao longo do tempo. Por isso, segundo Silvano, existe a importância de os conhecimentos serem transmitidos desde a infância, já que os tributos seguem os cidadãos por toda a vida.

O docente dá o exemplo do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), “cobrados pelos estados caso o indivíduo receba bens ou direitos como herança ou como uma doação”, conforme exposto no portal da Secretaria de Estado da Fazenda do Paraná. “Vou ‘chutar’ baixo que mais de 80% da nossa população não conhece”, diz Silvano.

“Parece que a legislação não vem querendo facilitar o entendimento, vem querendo facilitar a arrecadação, que é o que interessa para o Estado brasileiro e governos. Mas penso que, quanto mais você souber daquela legislação, e nesse caso especial da legislação tributária, menos vai se incomodar”, complementa.

Mesmo assim, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não menciona o estudo do tema em nenhuma das séries. Para Silvano, isso é uma questão de política pública. “Parece que quem entra ali não está interessado no todo, mas em fazer com que seu pensamento seja aprovado e seja aplicado durante um certo tempo”, pontua.

Apesar de mudanças recentes na legislação, como a Emenda Constitucional 132/2023, que na teoria surge para facilitar o entendimento, Silvano acredita que vem para “facilitar o modo de arrecadar do Estado” e continua sendo tão complexa que “vai levar pelo menos cinco anos para entrar totalmente em vigor”.

Para preparar os estudantes para estas questões, o professor afirma que é possível se utilizar de fendas que possibilitam este ensino por meio da interdisciplinaridade. Com o ICMS, por exemplo, é possível tratar de cálculos com a matemática e verificar a saída de um produto de um território para outro com a geografia. Com o direto tributário desde a chegada dos portugueses, também é possível trazer o assunto por meio da história. “Mas repito: isso tem que ser revisitado sempre, porque, a cada nível escolar, pode se modificar e agregar outras disciplinas”, acrescenta Silvano.

Embora não visualize essas questões dentro da BNCC tão cedo, afirma que “gostaria muito” e se coloca à disposição para aplicar a oficina quantas vezes forem necessárias. “Enquanto eu tiver voz para isso, vou falar sobre. É o meu grande objetivo dentro do Direito Tributário e nas minhas aulas, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Eu deixo isso bastante claro. Na pós-graduação, por exemplo, eu trabalho com profissionais, advogados e contadores, mas mesmo para eles, com uma linguagem mais informal e acessível, para que fique mais claro. Não adianta eu trazer uma linguagem rebuscada, acaba ninguém entendendo”, conclui.

Incentivado pelo orientador Alceli, Silvano agora pensa na possibilidade de dar continuidade e ampliação do projeto no doutorado em Educação e Novas Tecnologias.

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Autor: Nayara Rosolen – Jornalista
Edição: Arthur Salles – Assistente de Comunicação Acadêmica


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