Semana de Educação Especial celebra a diversidade humana
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo“É tempo de transformar conhecimento em ação”. Este é o tema da Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla de 2021, celebrada entre 21 e 28 de agosto. O período tem como objetivo o desenvolvimento de conteúdos para informar e conscientizar a sociedade sobre os direitos desta população e a necessidade de organização social e de políticas públicas para promover inclusão social e combater o preconceito e a discriminação. A data é prevista pela Lei nº 13.585 desde 2017, no entanto, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) realiza campanhas anuais desde a década de 1960.
A American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD) caracteriza a deficiência intelectual como “limitações no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo, que envolve habilidades conceituais, sociais e práticas”. Além disso, a associação aponta que “essa deficiência origina-se antes dos 18 anos de idade”.
De acordo com o Ministério da Saúde, deficiência múltipla “é a expressão adotada para designar pessoas que têm mais de uma deficiência. É uma condição heterogênea que identifica diferentes grupos de pessoas revelando associações diversas de deficiências que afetam, mais ou menos intensamente, o funcionamento individual e o relacionamento social”.
Segundo a professora Leomar Marchesini, psicóloga e coordenadora do Serviço de Inclusão e Atendimento aos Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (Sianee) da Uninter, hoje há um movimento para que se substitua o termo “deficiência” por “transtorno do desenvolvimento intelectual”.
A professora diz que isso se dá devido à relação da condição como algo estático durante a história, como se as pessoas não pudessem evoluir dentro dos quadros diagnosticados. “Sabemos hoje que não é isso, que este desenvolvimento é dinâmico e, portanto, continuamos a aprender e evoluir no decorrer de toda nossa existência”, afirma Leomar.
Um profissional que muito colaborou para esta visão é o psicólogo Howard Gardner, que desenvolveu a teoria das inteligências múltiplas. “É uma resposta para aqueles que viam a deficiência intelectual como um fim em si mesmo, onde não haveria desenvolvimento e que estava fechado dentro de um quadrado desenhado dentro de uma visão de normalização, o que é normal e o que não é, sendo baseado em uma média de comportamento, atuação e desenvolvimento de habilidade entre as pessoas”, diz Leomar.
Resgate histórico
Esta percepção evoluída sobre as pessoas com transtorno de desenvolvimento intelectual foi conquistada através de estudos mais aprofundados ao longo dos anos. De acordo com a professora, o que se via nos primórdios das civilizações em relação às pessoas com deficiência era uma verdadeira exclusão e condenação. “Eram atiradas nos abismos, jogadas no mar ou deixadas à deriva, em barcos, canoas, no meio do mar. Consideradas perigosas, havia muita superstição de que teriam poderes sobrenaturais”, conta.
Já na década de 1990, período considerado integracionista, Leomar atuou como chefe do departamento de educação especial da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, entre 1992 e 1994, e lembra que ainda se confundia as deficiências intelectual e mental. A profissional explica que na deficiência mental “as funções são comprometidas por fenômenos psíquicos”, diferente da deficiência intelectual, em que “há limitações nas funções para compreender e interagir com o meio ambiente, por funções cognitivas”.
Mesmo assim, naquela época todos os alunos da rede pública eram colocados em uma mesma sala especial. Um agravante, segundo Leomar, é que todos os estudantes que não tinham o comportamento desejado ou que ainda não possuíam um diagnóstico, também iam para este ambiente. “Era terrível, porque a gente via essas salas como a daqueles que não vão evoluir e vão ser sempre tratados como crianças, com infantilidade. Isso sabemos hoje que não é verdadeiro”, salienta.
Com o passar dos anos, estes casos passaram a ser estudados mais de perto, com trabalhos realizados nas escolas, mesmo que ainda existisse uma visão muito equivocada, em que as pessoas eram chamadas de “idiotas, retardados mentais, imbecis, mongoloides, loucos”, pois ainda não existia uma diferenciação clara entre as deficiências.
O teste de quociente de inteligência (QI), que teve a versão mais bem-sucedida criada pelos franceses Alfred Binet e Théodore Simon, passou a ser utilizado como parâmetro para diagnosticar uma pessoa com deficiência intelectual.
Hoje, esta avaliação é considerada ultrapassada. E nos casos em que é utilizada, não são aplicadas isoladamente, mas em conjunto com outros exames médicos, por meio de uma equipe multidisciplinar. “Felizmente, pois testes que deem resultados numéricos não mostram a capacidade, o talento da pessoa e suas potencialidades”.
Neste sentido, o psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky proporciona uma grande contribuição. O estudioso percebe que talento não se mede em números e que a diferença entre pessoas com e sem deficiência intelectual está em uma organização psíquica qualitativamente diferenciada. Vygotsky apresenta o conceito das diversidades, eliminando os pré-conceitos relacionados a padrões inferiores ou superiores.
“Vai depender da organização da personalidade, da estrutura orgânica e da personalidade propriamente dita. Com esses fatores, o indivíduo vai se desenvolver. Vygotsky vê que o ser humano não é um produto pronto da natureza, é um produto do seu conviver no espaço, no meio ambiente, em uma visão até ecológica. Sabemos hoje da importância que tem o espaço físico, geográfico, em que as pessoas estão. Muitas coisas têm que ser consideradas nesse aspecto altamente complexo e dinâmico”, afirma Leomar.
Diversidade na educação
Atualmente, as escolas do século 21 crescem com o desenvolvimento da tecnologia e com a necessidade de interação apresentadas por estudantes nos últimos anos. A área de educação especial, segundo a professora, “mostra uma coisa muito interessante, produtiva e eficaz”, que é o plano de ensino diferenciado.
Esse plano tem uma visão centrada no aluno, com as próprias particularidades e potencialidades. Além de um desenvolvimento integral da pessoa, em todos os âmbitos sociais, intelectuais, psicológicos, de relações humanas. Um termo muito importante e utilizado é a empatia.
“Tenho que pensar na apresentação dos conteúdos em uma forma que incentive o aluno a aprender, desperte curiosidade, que acho que é um grande segredo. Para isso, não preciso dar somente aquela aula tradicional, de falar na frente da classe, discorrer sobre um tema. Posso usar a dança, o teatro, o esporte, a música, um passeio, desenho, filmes. A educação usa de diversos recursos e essa educação para as pessoas que apresentam algumas dificuldades de aprendizagem são fundamentais”, salienta Leomar.
Muito se fala sobre o desenho universal no aspecto físico e arquitetônico de ambientes para pessoas com deficiência, como rampas, banheiros adaptados, plataformas para cadeiras de rodas, com o princípio de acessibilidade para todos. Agora, o termo ganha uma nova vertente, com o desenho universal para aprendizagem. Baseado na neurociência, trabalha com conteúdos que vêm das redes neurais.
A professora explica que, neste campo, se trabalha com um esquema que proporciona maior penetração no cérebro das pessoas, criando figuras que sejam favoráveis para todos. Colabora com todas as pessoas, com ou sem deficiência, mas ajuda especialmente aquelas com o transtorno de desenvolvimento intelectual, que possuem dificuldades.
De acordo com Leomar, hoje os profissionais da educação trabalham com o objetivo da autonomia, empoderamento e protagonismo dos estudantes em suas próprias vidas. Tendo em vista até mesmo uma preocupação das famílias de indivíduos que são filhos únicos, sem irmãos que possam ajudar nos cuidados, quando há um comprometimento maior das funções devido à deficiência, limitações, diversidades. “Pessoas que têm deficiência múltipla precisam da educação para garantirem uma terminalidade digna. E que possam decidir sobre suas vidas”, conclui.
Capacitismo
O capacitismo é um termo que tem levantado muitas discussões, principalmente neste período das Paralimpíadas, que iniciaram no último dia 24 de agosto e seguem até 5 de setembro. A expressão é relacionada com um pré-conceito estabelecido sobre capacidades que as pessoas com deficiência possuem ou não, e também está diretamente ligada com a ausência destes indivíduos em diversos espaços da sociedade, já que têm suas potencialidades previamente reduzidas.
Com os crescentes debates em torno do assunto, O Conselho Nacional de Saúde (CNS), realizou uma live sobre o tema Capacitismo e impactos na saúde de pessoas com deficiência, realizado dentro do ciclo de debates Corpos (R)Existentes, no dia 25 de agosto de 2021.
Segundo Leomar, o capacitismo segue um “entendimento de que uma pessoa sem deficiência vai ser sempre melhor do que uma pessoa com deficiência”. Isso pode ser observado em concorrências para vagas de emprego ou mesmo no esporte, com a visão de que alguém sem deficiência sempre será mais efetivo. A psicóloga afirma que, na verdade, tudo está relacionado com preparo e estudo para atividade, em nada tem a ver com a questão de a pessoa ter ou não uma deficiência.
“Já estamos no nível de entender que as deficiências são apenas diferenças. As pessoas são diferentes, os recursos têm que ser diferentes. Temos que ir pautados nas diferenças e não em limitações, conceitos de menos, que são marcados pela visão clínica. Em uma visão psicossocial, sabemos que são diferenças. Se está capacitada, treinada, motivada, tem muito mais chance de vitória nesta pessoa com deficiência do que na outra sem que não vai sair da zona de conforto e não está motivada em nada”, salienta.
A professora lembra que um dos atletas paralímpicos que está nos Jogos de Tóquio, no Japão, é egresso da Uninter. Maurício Tchopi Dumbo, graduado em Direito pelo centro universitário, é jogador da seleção brasileira de futebol de cinco (foto), uma adaptação do esporte para cegos. O atleta já possui uma medalha de ouro, conquistada na última edição dos jogos, realizada no Rio de Janeiro (RJ), em 2016. “Um cego fantástico e que já viajou várias vezes para o Japão, ensinando os cegos japoneses a jogar futebol de cinco”, conta a profissional.
Leomar apresentou estes e outros pontos sobre a temática Deficiência intelectual no Brasil: um regate histórico (assista neste link), na palestra de abertura da 1ª Semana de Educação Especial da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter. A abertura do evento foi realizada por Dinamara Machado, diretora da ESE, Gisele Cordeiro, coordenadora da área de Educação, e os professores Bruno Simão e Karyn Lemos, que mediaram os bate-papos.
A coordenadora do Sianee também apresenta o programa Inclusão em Rede, toda sexta-feira, às 16h30, transmitido pela Rádio Uninter, por meio da página do Facebook, canal do Youtube e agora também disponíveis no Spotify. Dentro da programação, a psicóloga entrevista pessoas com deficiência e profissionais que atuam na área e mostram um resultado positivo.
Nesta semana, dia 27 de agosto, Leomar conversa com Manoel Negraes, pós-graduado em tradução audiovisual acessível. “Um rapaz com baixa visão, especialista em audiodescrição. Vai ser bastante interessante”, afirma.
Semana de Educação Especial
Os debates realizados no na 1ª Semana de Educação Especial da ESE aconteceu entre os dias 24 e 25 de agosto. A Integração sensorial e integração com o mundo também foi tema de uma palestra da primeira noite, realizada pela terapeuta ocupacional Lilian Santos, que possui certificação em integração sensorial. A conversa, mediada pelo professor Bruno, tem duração de uma hora e está disponível para livre acesso.
No segundo dia de apresentações, participaram mais duas profissionais especialistas. O bate-papo inicial sobre Programa de enriquecimento instrumental de Reuven Feuerstein: pedagogia e mediação, foi exposto pela psicóloga Camile Schmidt, especialista em análise do comportamento, e mediado pela professora Karyn. A transmissão pode ser acessada por meio deste link.
Para finalizar, a professora e terapeuta ocupacional Larissa Ribeiro expôs a temática sobre Materiais adaptativos e estruturados para TEA (transtorno do espectro autista). A profissional pôde sanar diversas dúvidas daqueles que acompanhavam a transmissão ao vivo, mediada por Bruno. O conteúdo também segue disponível neste link.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Comitê Paralímpico Brasileiro