Rússia e Ucrânia – Aonde isso vai parar?

Autor: Angela Cristina Kochinski Tripoli*

As planícies ucranianas, situadas no centro do país, têm um solo negro (chernozem), com terras de grande riqueza produtiva, caracterizado pela cor escura, rico em matéria orgânica, húmus, bem espesso e com alto teor de cálcio. Esse solo fértil, que cobre quase 65% do país, tornou a Ucrânia um grande produtor de trigo, cevada, milho, centeio, girassol, aveia, algodão, batata, entre outras culturas agrícolas. As maiores culturas industriais são as de beterraba e de semente de girassol. Com isso, a Ucrânia é historicamente conhecida como o “celeiro da Europa”.

A atividade agrícola sustenta diversas comunidades rurais e, além de abastecer o comércio local, é largamente exportada. Depois da Rússia, a Ucrânia era (antes da guerra) a segunda maior economia da antiga União Soviética e seu PIB era quatro vezes superior à da terceira colocada.

A Ucrânia sempre foi uma das principais potenciais agrícolas mundiais e, em 2018, produziu aproximadamente 36 milhões de toneladas de milho, 25 milhões de toneladas de trigo, 22 milhões de toneladas de batata e 14 milhões de semente de girassol, primeiro maior produtor mundial.

Somente considerando a produção de grãos antes da guerra, o agronegócio na Ucrânia é tão importante que representa 40% das receitas em moeda estrangeira do país.

Em 2050, a população mundial deverá atingir 9,1 bilhões, e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) prevê que, nesse ponto, o mundo precisaria produzir mais 70% de alimento do que hoje para alimentar todas essas pessoas. Esse prazo de 2050 é geralmente citado por cientistas e organizações como a FAO e a Oxfam como o ano em que o mundo ficará sem comida suficiente.

Quando a agressão se concretizou, o mundo já estava mergulhado numa espiral inflacionaria por causa da pandemia e razões climáticas. Com a guerra, a escassez provocada pela ausência dos grãos provenientes da Ucrânia e o aumento do custo dos fertilizantes de origem russa agravaram a situação alimentar global.

Apesar das justificativas russas para a invasão, como a expansão da Otan pelo Leste Europeu, enfraquecendo suas fronteiras, o desejo de Putin de voltar à antiga URSS e a questão de um suposto genocídio contra ucranianos de origem russa, no meu entender, as verdadeiras razões estão ligadas diretamente à ordem econômica mundial.

No status quo ante bellum  (expressão latina que significa “antes da guerra”), o mundo estava seduzido pelo fenômeno da globalização. Era fato que havia uma integração econômica, social e cultural do espaço geográfico em escala mundial caracterizada pelo fluxo intenso de capitais, mercadoria, pessoas e informações que foi proporcionada pelo avanço técnico das comunicações e nos transportes. Era fato também a liderança hegemônica dos Estados Unidos dentro desse fenômeno.

O que um líder global que desejasse modificar, frear, alterar as posições do global player dentro desse fenômeno deveria fazer? Provocar uma guerra? Qual atitude de um líder inescrupuloso que deseje alterar de forma imediata tal status quo? Em vez de tais conjecturas, o que vemos e temos condições de analisar são os fatos ocorridos e suas consequências.

Com a atitude de Putin, a tentativa de retorno a uma normalidade econômica mundial pós-isolamento social esfumaçou-se. As consequências diretas da invasão russa na Ucrânia foram colapsar a débil retomada da estrutura econômica global.

As consequências humanitárias de uma guerra são inimagináveis. A invasão de um país não somente expurga um espaço territorial, arrasa e aniquila cidades, bairros, vilas, comunidades, famílias e pessoas. O mais degradante ainda que promover uma guerra é instigar a rapinagem, como o navio russo Zebek Zulli, detido na Turquia com toneladas de grãos ucranianos.

Alguns poderiam encontrar altruísmo na busca por alterar ou modificar o modelo capitalista de integração que consistia na mundialização do espaço geográfico por meio da interligação econômica, política, social e cultural em âmbito planetário, mas ninguém poderá discordar da baixeza humanitária de um país que deliberadamente afronta a soberania de outra nação por meio da força física.

O uso espúrio da utilização dos grãos para alimentar os países da África, como Putin vem argumentando em suas tratativas com presidentes africanos, parece-me uma falácia.  Resta-nos agora aguardar o desenrolar dos fatos e, enquanto sociedade civil, cobrar posições contundentes de nossos líderes políticos para a mais rápida resolução do conflito, além, é claro, das devidas responsabilizações.

* Angela Cristina Kochinski Tripoli, doutora em Administração e coordenadora dos cursos de Comércio Exterior e de Gestão Global Trading: Negócios, Logística e Finanças Globais da Uninter.

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Autor: Angela Cristina Kochinski Tripoli*
Créditos do Fotógrafo: Albrecht Fietz/Pixabay


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