Que cérebro é esse que vai à escola?

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

As novas gerações que chegam hoje à escola demonstram demandas diferentes e exigem dos profissionais uma reinvenção das práticas realizadas. Os educadores estão atentos à forma como as estruturas cerebrais se apresentam, para que possam saber a melhor forma de trabalhar e desenvolver um trabalho de ensino-aprendizagem efetivo. As abordagens pedagógicas que já existem não são deixadas de lado, mas é preciso complementar o conhecimento com novos embasamentos, já que existem diversos objetivos com várias propostas de melhoria.

A professora-doutora Raquel Tonioli, pós-doutoranda em educação especial, aponta que o que se tem de fundamentação teórica atualmente está ligado com a abordagem neurocientífica. Os conhecimentos da neurociência e do comportamento servem como subsídio para a atuação prática dos docentes. Através desse campo, é possível entender as fases do desenvolvimento e o que é esperado nas áreas emocional, cognitiva, psicológica, social e física dos estudantes. A educação está no centro de diversas outras questões que precisam ser trabalhadas em um sistema transdisciplinar.

Tonioli conta que as maiores queixas dos profissionais nos últimos anos, principalmente a partir do início da pandemia e o ensino remoto, é que os alunos não aprendem. De acordo com a especialista em direito educacional, é preciso ter muito cuidado com rótulos, pois muitos professores começam a apontar alguns aspectos como sendo transtornos, problemas e doenças.

Algumas afirmações são perigosas, pois além de não terem licença médica para diagnosticar, podem ainda criar expectativas negativas na família. Para ela, é importante “relevar esse momento”, os encaminhamentos terão que ser feitos de forma cuidadosa para que não se crie uma situação “antes de ter esses alunos corretamente estimulados em sala”.

“Independente do diagnóstico, do momento familiar, das situações adversas, todos os alunos com estímulo adequado podem aprender. E é nosso papel enquanto profissional da educação, sentir, investigar, apurar, refletir sobre exatamente esse momento que os nossos alunos estão vivendo. Justamente por toda essa adversidade, identificar onde ele parou e aí dar continuidade nisso. Esse nosso olhar detalhado, sensível, reflexivo, faz toda diferença no processo de desenvolvimento dos nossos alunos”, afirma.

A educadora lembra do conceito recente de neuroplasticidade. Antes se aprendia que o ser humano nascia com uma certa quantidade de neurônios, que morriam com o passar dos anos. Mas hoje já se sabe que existe uma capacidade do cérebro de se remodelar de acordo com as experiências vivida. Isso possibilita a reformulação de conexões, conforme necessidades e fatores do meio onde vive. Isso significa que, mesmo já na fase idosa, as pessoas podem aprender um novo instrumento, uma nova profissão, pois a mente não para e é capaz de evoluir.

Tudo isso, é claro, pode variar de pessoa para pessoa, já que nem todos têm as mesmas condições ou plasticidade. Algumas questões que podem influenciar são as atividades físicas, alimentação, fatores sociais, composição orgânica, estresse e os estímulos recebidos. Mas no ensino-aprendizado, a importância do desenvolvimento é a mesma, independente da faixa etária e nível de escolarização que o indivíduo se encontra. Desde a educação infantil até as pós-graduações, os profissionais devem se manter atentos para identificar as demandas e refletir sobre os aspectos observados, para trabalhar de acordo com o que o estudante precisa.

“É a gente que se remodela, não é a criança que se remodela de acordo com a gente. É a gente que precisa perceber qual é a necessidade, porque o cérebro está ali pronto para aprender. Mas qual é o estímulo que vou dar start, que vai fazer aquela criança criar o vínculo comigo? A essência da aprendizagem é a afetividade, se eu não criar um vínculo, um olho no olho, entender a necessidade e ela saber que pode contar comigo, pode ter a melhor metodologia, ela não vai aprender. Porque você não tem o óleo que faz as engrenagens cognitivas funcionarem”, salienta.

Tonioli apresenta outros dois conceitos fundamentais para as fases de desenvolvimento. O primeiro é a psicomotricidade, que colabora com a coordenação de várias regiões do cérebro. A docente diz que a construção começa no útero, a maioria dos transtornos do neurodesenvolvimento acometem o feto já na sexta semana de gestação. Portanto, essa ciência trabalha com conceitos de uma rede contínua de conexões, como o planejamento motor, comando motor, trato e sensibilidade, inteligência espacial, controle de escrita, controle motor fino, reconhecimento de objetos, processamento auditivo e visual, ciclo de sono e vigília, compreensão de palavras e direcionamento da atenção.

“Às vezes, erroneamente, tratamos a educação infantil como um depósito de crianças. Sabe um jardim da infância? Um parquinho. Só que não é. O cérebro precisa ser modelado seriamente, muito estimulado, da forma correta, porque se eu não fizer isso até os cinco, seis anos, não alfabetiza da forma correta e ele vai carregar essa demanda para o resto da vida. Por isso que eu fiz questão de trazer a psicomotricidade, porque ela é a base. Se eu tenho uma boa base, eu desenvolvo as outras coisas.”

A mielinização também faz parte do processo de desenvolvimento cerebral. A mielina é uma camada lipoprotéica que envolve e protege a condução nervosa dos axônios dos neurônios, tornando mais rápida e eficaz. Em um neurônio não mielinizado, a transmissão de informação neuronal é mais lenta, não possibilitando alcançar a porção terminal do axônio. No axônio mielinizado a transmissão é veloz.

“Tem crianças que se beneficiam de repetição, recursos visuais, recursos auditivos. Preciso identificar qual é essa capacidade, o melhor estímulo, que faz com que ele aprenda para que eu mielinize esses axônios e retome essa aprendizagem com mais facilidade. Tem pessoas que sofrem o processo de desmielinização. A mielina, por mais que eu estimule, vai secando, desaparecendo. Consequentemente, o meu acesso ao conhecimento fica muito mais prejudicado, eu não consigo lembrar. É o que acontece quando eu tenho muita toxina no cérebro, fico cansada e a informação não vem”, explica Tonioli.

Com todas essas questões, a docente conclui que o cérebro que chega hoje à escola aprende continuamente e depende de um mediador. Exige uma demanda transdisciplinar e precisa ser desafiado o tempo todo, pois com a quantidade de tecnologia, recebe tanta informação ao mesmo tempo que talvez não assimile nada, tendo a memorização comprometida. É também afetivo, emocional, criativo, e precisa de espaços e atividades diversificadas, porque aprende realmente a todo momento, precisa de movimentação.

A professora Dinamara Machado, diretora da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter, acredita que “o cérebro precisa experenciar e não só vislumbrar. Uma criança, como nós todos, precisa experenciar, até para futuramente o cérebro lembrar disso e tomar novas atitudes”.

Tonioli ressalta que ainda que a criança passe por dificuldades durante as primeiras fases de desenvolvimento, “o cérebro dá conta de recuperar”. Mas passa a ser um processo atípico, porque passou do momento em que se espera as habilidades. “Vai se remodelar, mas com mais dificuldade, mais demanda, mais estímulo, mais tempo do que se nós fizéssemos dentro daquilo que é esperado”.

A especialista falou sobre o tema Que cérebro é esse que vai à escola? no evento “Pra vida ser mais”, onde pôde esclarecer mais sobre essas e outras questões. O bate-papo foi mediado por Dinamara e Gisele Cordeiro, coordenadora da área de Educação da ESE. A transmissão, que aconteceu ao vivo no dia 20.abr.2021 e soma quase 4,5 mil visualizações, segue disponível para acesso, na página e canal do Grupo Uninter.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: H. B./Pixabay e reprodução


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