Qual a próxima grande aventura da Geografia?
Autor: Otacílio Lopes de Souza da Paz*Quadros, livros, filmes e séries têm um poder singular de nos fazer refletir sobre uma época passada, em que os contextos sociológicos e tecnológicos eram outros. As obras de Júlio Verne (1825-1905), por exemplo, permitem-nos apreciar um retrato do pensamento da Belle Époque, cuja fé na ciência levaria o ser humano a incríveis aventuras, envolvendo de submarinos a máquinas voadoras (ambas tecnologias em desenvolvimento na época), percorrendo do centro da Terra até os confins da Lua.
O pensamento de Verne, assim como de outros intelectuais da época, estava centrado na franca expansão do conceito de mundo. Os antigos “mundos” (africano, árabe, indiano, chinês e muitos outros) estavam agora cada vez mais conectados pelas novas redes propiciadas pelo emergente capitalismo financeiro, formando aos poucos nossa aldeia global. Os mundos desconhecidos, pouco a pouco, ficaram conhecidos. Grandes e lendárias expedições geográficas foram conduzidas pelo interesse das potências europeias, fornecendo mapeamentos cada mais amplos e detalhados.
Lendários naturalistas e pais de grandes áreas da ciência, como Charles Darwin e Alexander von Humboldt, conduziram suas campanhas de campo nesse momento de expansão das fronteiras do mundo conhecido. Essa fase da história humana empolga pesquisadores das Geociências, em especial, o geógrafo e cientista do espaço. Expedições geográficas como a realizada por Richard Francis Burton e John Hanning Speke, em busca das nascentes do Rio Nilo, já foram relatadas em livro e filme.
O fato de nos sentirmos fascinados com essas aventuras e as procurarmos nas mídias vem de uma verdade difícil de aceitar: não existem mais lugares não mapeados no nosso planeta. Aquela premissa de um filme, em que se descobre um mapa de lugar secreto, não é possível mais. A coleção de imagens do acervo Google Earth prova isso. Mesmo em países de regimes autocráticos, onde a informação, incluindo a aeroespacial, é amplamente controlada pelo Estado, a constelação de sensores em órbita é capaz de registrar imagens de altíssima resolução, e disponibilizá-las gratuitamente à população.
Assim, nosso mundo encontra-se totalmente mapeado. Não há porções de terra emersa em nosso planeta que não constem nos mapas. Seria esse fim do sonho geográfico? Não haveria mais aventuras pelo desconhecido? Poderia o coração geográfico voltar a bater mais forte escrevendo uma aventura?
A resposta para essa inquietação pode ser encontrada na mídia. Na série dos anos 60, Star Trek, a frase introdutória dos episódios era “Espaço: a fronteira final”. A premissa pautava-se na ideia de que as fronteiras da Terra estavam em sua expansão máxima, cabendo então a exploração espacial desvendar a fronteira final da espécie humana – o espaço sideral. Apesar de essa ficção científica estar embebida pelo contexto da Guerra Fria, a ideia da exploração de novos lugares, novas paisagens, novos territórios estava presente.
Apesar de termos nascido muito depois das grandes navegações e muito antes das grandes explorações espaciais, já podemos ver exemplos de como o conhecimento geográfico está sendo aplicado aos estudos dos novos mundos a serem explorados. Essa é a próxima grande aventura geográfica que nos aguarda.
* Otacílio Lopes de Souza da Paz é geógrafo e doutor em Geografia. Professor da área de Geociências da Uninter.