Professores debatem os impactos do conflito Rússia-Ucrânia
Autor: Sandy Lylia da Silva – Estagiária de JornalismoA invasão da Ucrânia por tropas russas, que já dura um mês, tem sido o tema dominante no noticiário internacional neste período. Para falar sobre as implicações do conflito no cenário internacional, os professores da Uninter dos cursos de Relações Internacionais, Administração Pública, Ciência Política e Gestão Pública realizaram duas lives especiais neste mês.
A primeira delas contou com André Frota, Natali Hoff, Caroline Cordeiro e Rafael Pons, docentes do curso de Relações Internacionais, que receberam Michelle Stumm como convidada especial. “O ano começou muito intenso, vivenciamos 24 horas de notícias relacionadas a Relações Internacionais, de uma guerra muito complexa, uma catástrofe humanitária”, afirmou Caroline na abertura do evento.
Frota contextualizou cronologicamente os fatos que antecederam o confronto, a partir do dia 21 de fevereiro, quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, reconheceu a independência de duas regiões separatistas da Ucrânia, as províncias de Luhansk e Donetsk, que fazem parte da região leste, conhecida como bacia de Donbass.
Já em 24 de fevereiro, Putin iniciou a intervenção militar em território ucraniano, com três frontes de avanço de suas tropas: a primeira na região leste, em direção às províncias separatistas; a segunda ao sul, pela região da Crimeia, em direção ao porto de Mariupol; e outra ao norte, em direção à capital Kiev, cidade ucraniana mais populosa, que vem sendo palco de intensos conflitos. O dia seguinte foi marcado pela recusa do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao pedido de que saísse do país. Em 26 de fevereiro, a população da Ucrânia foi conclamada por Zelensky a lutar por sua nação.
Frota lembra também que em um segundo momento, no dia 28, iniciam as primeiras tratativas para uma negociação de paz, que até agora não obtiveram sucesso. O terceiro momento, segundo o professor, teve como foco o papel do conselho de segurança para o estabelecimento dos corredores humanitários, zonas de trégua do conflito, livres de bombardeios, que permitam a saída segura dos civis.
Natali explica que não é possível ter controle do que se passa na mente dos governantes, ainda mais no desenrolar de uma guerra. “Nunca vamos ter 100% de compreensão do que ocorre, nem todas as informações necessárias. É um cenário de incertezas, o que podemos fazer para dar sentido é entender os processos pelo quais as percepções de segurança são construídas, dentro de um contexto político, e os desdobramentos das construções das ameaças”, explica.
Para ela, a política internacional analisa o comportamento dos atores e o desenrolar dos processos históricos e políticos, como eles se dão. “O avanço da OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, fere um elemento fundamental da segurança russa, sua preocupação com a fronteira ocidental. Putin se utiliza deste conceito para buscar seu objetivo político, e a garantia de uma certa neutralidade da Ucrânia, deixando claro para as potências ocidentais que estão dispostos a empregar todos os meios necessários para defender seus interesses. A guerra é um instrumento político e vem sendo utilizada ao longo da história, dentro dos próprios Estados, para a garantia de suas ambições, mesmo que não seja justificável a nível humanitário”, completa a professora.
Michelle apresentou um panorama da economia mundial impactada pelo conflito. Economista e doutora em Ciência Política pela UFPR, ela apontou que os países envolvidos nesta batalha compartilham um perfil econômico semelhante, de quadro recessivo, enfrentando crescimento negativo, inflação alta e desemprego, frutos ainda da conjuntura econômica que a pandemia trouxe para o mundo. “A Rússia declarou guerra mesmo ciente das duras sanções comerciais que se estabeleceriam, possuindo pouca diversidade produtiva, e ainda sendo dependente de atividades de outros países como Europa e Ásia.
Uma questão que está em jogo são as exportações, no caso da Rússia, do petróleo, gás natural e trigo, interferindo assim nos preços globais. A Ucrânia, apesar de ser um país relativamente pequeno em população, tem uma fatia muito expressiva na exportação de cereais, principalmente de milho, trigo e semente de girassol. As características em relação aos produtos exportados vêm ganhando atenção da mídia, e os analistas tentam traçar vários cenários de como o mundo vai se comportar perante a escassez destes produtos em contexto de guerra”, ressaltou a convidada.
Segundo Michelle, este conflito é multidimensional, não restrito a uma questão militar, e vem ganhando contornos de uma guerra econômica e ideológica por disputa de poder.
Pons expôs sua análise sobre a postura do Brasil no contexto da guerra. A posição de neutralidade do presidente Jair Bolsonaro, que evita criticar a Rússia, pode trazer diversos efeitos negativos a médio e longo prazo, como a deterioração das relações internacionais com os EUA.
“O posicionamento político do nosso presidente pode trazer complicações econômicas para futuros acordos comerciais de interesse brasileiro, no Mercosul e União Europeia, por exemplo. O que está salvando a pele do Brasil é a atitude do Itamaraty, do embaixador brasileiro, em defender uma postura mais severa contra Rússia”, salientou.
Do ponto de vista das importações, o agronegócio brasileiro sofrerá com a falta de potássio, produto utilizado como fertilizante. Ao menos 80% do consumo brasileiro deste químico é proveniente da Rússia, e não poderá ser importado enquanto durar a guerra.
Planejamento público e economia
A segunda live, mediada pelo professor André Ziegmann, discutiu as dificuldades impostas pelo conflito internacional para o planejamento público brasileiro, como o aumento do preço dos combustíveis e das commodities em geral. A discussão contou com as presenças da professora Caroline Cordeiro e de Rafael Pereira de Menezes, do curso de Administração Pública.
Caroline convidou os internautas a fazerem uma reflexão crítica sobre as informações veiculadas na mídia, para desmitificar a personificação de vilões e mocinhos em processos de conflito. Segundo ela, a geopolítica é muito mais complexa do que pensamos. “Na história das guerras mundiais, todos são vilões, com raríssimos mocinhos”, declara.
Rafael Pereira abordou o conflito sob o ponto de vista da economia. “O gás natural russo abastece cerca de 50% da demanda de alguns países da Europa, que necessitam deste combustível para prover o aquecimento dos seus ambientes, que ficam expostos a temperaturas abaixo de zero no inverno. No caso do petróleo, a Rússia é um dos maiores produtores mundiais, possuindo 20% deste mercado. Quando falamos do banimento de um país que detém esse potencial exportador, devemos compreender o impacto direto na alta dos preços, pois o aumento nos combustíveis é projetado e diluído no valor de venda de qualquer produto”, relata o professor.
Rafael mencionou possíveis medidas que o governo federal brasileiro poderia aplicar para mitigar o reajuste dos preços dos combustíveis. Citou a PEC do petróleo (PEC dos combustíveis), que defende zerar tributos federais sobre combustíveis, a política de bandas de preço, que estipula um limite máximo para as variações dos preços do petróleo no varejo, evitando aumentos repentinos. Além disso, indicou as políticas de fortalecimento cambial e também a adoção de subsídios dos combustíveis, como já ocorreu em 2018. “A União assumiria um valor por litro para tentar estabilizar os preços diretamente com recursos do tesouro”, diz o docente.
Para ele, todas as medidas apontadas possuem enorme impacto orçamentário e político. “Precisamos de uma política de longo prazo para mudança de matriz energética, gerando independência e autossuficiência nos processos de refinamento do petróleo, e não somente em sua extração. Nós não refinamos a gasolina e o diesel que consumimos no mercado interno, dependendo assim do mercado internacional. Temos também a questão cambial, e a nossa reforma tributaria, é muita lição de casa para fazer. Em economias globalizadas, outras crises se apresentam, e sempre afetarão o cenário econômico interno dos países. O que o Brasil tem a ver com a guerra da Ucrânia e da Rússia? Geopoliticamente, nada; mas o impacto disso na vida dos brasileiros é enorme”, conclui.
Caroline encerrou sua participação comentando que nosso país tem tradicionalmente se posicionado como um aliado dos países ocidentais, e que a posição de neutralidade manifestada pelo nosso líder do poder executivo não é favorável quando pensamos em política externa a longo prazo. “Para mim, neutro, só sabão”, completou a coordenadora.
Os debates foram transmitidos pelos canais do Facebook dos cursos de Relações Internacionais e Administração Pública da Uninter, nos dias 7 e 9 de março de 2022, respectivamente. É possível acompanhar as transmissões na íntegra também pelo canal no YouTube da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança neste link.
Autor: Sandy Lylia da Silva – Estagiária de JornalismoEdição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Wikimedia Commons/Reprodução Youtube