Professoras debatem violência de gênero e o debutar da lei Maria da Penha

Autor: Sandy Lylia da Silva – Estagiária de Jornalismo

A luta contra casos de violência e de feminicídio estão entre as principais pautas no movimento por melhores condições de vida e trabalho pelas mulheres. Para falar sobre casos paradigmáticos de violência de gênero no Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos, a diretora da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança, Débora Veneral, a coordenadora do curso de Direito, Tiemi Saito, e a professora da Uninter Bruna Isabelle Simioni Silva convidaram a doutora em Direito Internacional, advogada e professora de Direito Internacional, Público e Direitos Humanos Priscila Caneparo dos Anjos para o encontro virtual intitulado Vozes Pelas Mulheres realizado em março, por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

“Temos que dar visibilidade, falar de violência de gênero, e nada melhor do que a academia para trazer um ponto de vista técnico em relação às várias falas de mulheres que atuam frente ao direito. Hoje, a igualdade é formal, e seguimos buscando a igualdade material. Não adianta termos uma legislação infraconstitucional que traga a proteção às mulheres se não tratarmos também do tema enquanto conscientização, e dos desafios em relação aos direitos das mulheres”, salienta Bruna.

Débora falou sobre a importância da lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Tive a honra de ser convidada a participar da publicação do livro comemorativo sobre os 15 anos da lei com o artigo O debutar da Lei da Maria da Penha em meio à pandemia de Covid-19: Avanços e Desafios. Nomeei desta forma porque penso que o debutar de uma jovem requer sempre reflexão, e com isso, o deputar da lei Maria da Penha, em meio à pandemia de Covid-19, traz além de avanços e desafios muita reflexão. Até quando a lei Maria da Penha vai precisar de análise e tempo para amadurecer, e realmente mostrar a que veio?”, comenta a diretora.

Maria da Penha, uma farmacêutica brasileira natural do Ceará, foi vítima de dupla tentantiva de feminicídio pelo marido, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveiros. Na madrugada de  29 de maio de 1983, enquanto dormia, foi atingida por um tiro em suas costas, que lhe deixou paraplégica. Para a polícia, Marco Antonio declarou que ocorrera uma tentativa de assalto, versão desmentida pela perícia mais tarde. A história só foi colocada à prova depois que Maria teve alta e pode depor. Após cirurgias e tratamentos médicos, ela retornou para casa, onde seu marido a manteve em cárcere privado por duas semanas, vindo a atentar contra sua vida novamente, tentando eletrocutá-la durante um banho.

“Maria da Penha, com suas diversas nuances, enfrentou desafios e lutou por todas nós mulheres brasileiras, para que pudéssemos ter uma trajetória com maior amparo legal, visando coibir e reduzir a violência contra a mulher nas suas mais diversas formas”, diz Débora. Segundo ela, é possível verificar que houve muitas mudanças quanto ao comportamento do homem em relação à mulher, acompanhadas da implementação de várias políticas públicas. Mas ainda há muito a progredir.

A pesquisa Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, realizada em 2019 pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher, aponta que 27% das mulheres já sofreram violência causada por um homem. Além disso, a pesquisa constatou que o número de agressões cometidas por ex-maridos e ex-namorados quase triplicou na última década.

“A violência doméstica sempre existiu, porém não era conceituada. Lembremos que a motivação para a elaboração deste projeto de lei foi justamente a constância da violência em tantos lares brasileiros. Ela emerge como uma resposta estatal à prática da violência degradante contra a mulher, tratando de forma específica o que há muito tempo aflige muitas famílias no território nacional. Embora já tenha adquirido uma certa maturidade nestes 15 anos de existência, a Lei Maria da Penha está longe de ser a solução para a violência doméstica no contexto brasileiro atual”, reitera Débora.

Priscila falou sobre a perspectiva dos casos que envolvem mulheres no Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos, que funciona como um sistema regional aplicável ao Estado brasileiro, composto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgãos de monitoramento da Organização dos Estados Americanos (OEA). O papel desta jurisdição internacional é justamente tentar reverter casos de violação que não tiveram respostas adequadas em ambiente estatal. “Não é uma quarta instância, pois esse sistema não sobrepassa a soberania do Estado, até porque existe uma responsabilidade primária do Estado em promover, proteger e efetivar direitos humanos internamente. Se o sistema judiciário nacional porventura não der uma resposta adequada, é permitido acessar a Corte ou a Comissão Interamericana. O caso Maria da Penha não teve resposta adequada no poder judiciário nacional, por isso chegou no Sistema Interamericano”, explica.

O caso Maria da Penha tornou-se o primeiro a ser aceito pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos por violência doméstica. Em 20 de agosto de 1998, Maria da Penha Maia Fernandes apresentou a denúncia. Mesmo sendo formuladas três solicitações para que o Brasil apresentasse respostas à Comissão, nada foi feito. Então, em 2001, o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. “Observo que o Sistema Interamericano caminha a passos de tartaruga na efetivação dos direitos das mulheres”, lamenta Priscila. “Os órgãos do sistema Interamericano são passíveis de receberem petições que estão atreladas à violência contra a mulher, só que isso demora, porque dependemos da vontade dos Estados. Esse delay ocorre pois o poder é masculino, a Corte ainda expressa medo em se posicionar nesses temas. Critico abertamente, pois o Sistema Interamericano tem falhas, ele é tímido na proteção do direito das mulheres e direitos sociais”, afirma.

Ela falou ainda sobre três outros casos de violência de gênero que chegaram ao tribunal. O caso “campos do algodoeiro” ocorreu na cidade de Juárez, México, onde desde 1993 registrava-se um aumento de feminicídios. Em novembro de 2001, foram encontrados em um campo do algodão oito corpos de mulheres, entre 15 e 20 anos. Foi o primeiro caso que a Corte Interamericana de Direitos Humanos analisou como “violência estrutural de gênero”.

Outro caso foi o da brasileira Márcia Barbosa de Souza, paraibana assassinada em 1998 pelo então deputado estadual Aércio Pereira de Lima. No exercício do quinto mandato, Aércio foi protegido pela lei de imunidade parlamentar. Mas foi condenado em 2007 graças ao entendimento da Corte Interamericana em reconhecer o grave atraso no processo.

Por fim, Priscila apresentou o caso de Jineth Bedoya, jornalista que foi vítima de sequestro, tortura e violência sexual praticadas por paramilitares na Colômbia, em 2000. O governo federal foi condenado 21 anos depois, quando a Corte Interamericana concluiu que as provas contra o Estado colombiano eram “sérias, precisas e consistentes”.

“A violência de gênero está presente em todas as classes sociais, tanto no âmbito nacional quanto internacional. A cultura e a excessiva valorização da masculinidade, aliadas às desigualdades sociais, são fatores que influenciam a prática dessa violência”, lembra Débora.

Encerrando o encontro, a diretora trouxe uma manifestação da ministra do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha: “Na verdade, a violência contra gênero é um flagelo de difícil erradicação. As Leis são decisivas para coibir condutas abusivas e restaurar dignidades violadas, porém, são insuficientes. É imperioso que a pedagogia do respeito à diferença e à alteridade prevaleça nas sociedades a fim de que processos históricos possam reconstruir representações e papéis sociais nas relações intersexo”.

A transmissão deste debate está disponível no Univirtus e pode ser acessada pelo ícone “Ao Vivo”, na aba “anteriores”.

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Autor: Sandy Lylia da Silva – Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


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