Por que o SUS é essencial para a eficiência da saúde pública no Brasil
Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de JornalismoVulnerabilidade social é comumente entendida como uma carência. Normalmente é relacionada a questões econômicas. Entretanto, a renda é apenas um aspecto do problema. Os determinantes sociais de saúde e vulnerabilidade social foram tema de palestra online via Facebook da Maratona de Sustentabilidade Uninter, na sexta-feira, 05.jun.2020.
A live, que você pode conferir na íntegra clicando aqui, foi apresentada pelo professor-doutor Cristiano Caveião, coordenador dos cursos da área de Saúde na Uninter e conduzida pela professora-doutora Ana Carolina Vidigal, que atua no curso de Serviço Social e também como assistente social na área hospitalar.
O evento, que aconteceu no Dia Mundial do Meio Ambiente, tinha como tema central “Terra, vamos cuidar da nossa casa”. Ana explicou que saúde e meio ambiente são assuntos que se complementam. “Falar de meio ambiente é falar sobre a população, de vulnerabilidade social, porque o contexto atual que vivemos é bem difícil na área da saúde. A pandemia trouxe com ela um aprofundamento de situações de vulnerabilidade da população”.
Ana começou com uma contextualização histórica acerca da política de saúde vigente no Brasil, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988. Antes dela, as políticas sanitárias eram menos eficientes que hoje, pois o entendimento geral era individualizado, ou seja, uma relação simplista de saúde, sintomas de cada paciente e doença.
No artigo 196 da Constituição, a saúde ganha um novo entendimento que contempla não só o atendimento no hospital, mas a observação dos fatores determinantes de saúde e vulnerabilidade social. O texto diz que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A partir daí, as políticas públicas começaram a observar o indivíduo compreendendo que ele tem outros fatores que interferem em sua saúde, como moradia, alimentação, relações familiares, quais serviços básicos existem na localidade em que ele reside, até o transporte. “Diferentemente do que eu acreditava quando me formei, que trabalharia com os pacientes dentro do hospital, eu, como assistente social, percebo que os determinantes sociais de saúde estão inclusos na minha atuação”, diz Ana.
Determinantes sociais
Outro passo importante na promoção de uma saúde pública universal no Brasil foi a lei 8080/90, que regulamentou as determinações da CF de 88. Toda essa mobilização no Congresso Nacional foi fruto de uma discussão que iniciava nas cúpulas internacionais da ONU e visava ampliar a abrangência da saúde pública no mundo. A lei foi vanguardista, pois apenas em 2003, mais de uma década depois, as discussões ganharam um espaço permanente e foi criada uma Comissão Global Sobre Determinantes Sociais na Saúde.
Mesmo com as leis brasileiras se colocando numa posição avançada no padrão mundial, a precarização do sistema ainda é uma dura realidade. Ana mostra que o conservadorismo de parte da classe médica insiste na culpabilização do paciente quando ele não atende ao tratamento.
“Médicos dizem: o paciente não foi na consulta porque não quis, mas muitas vezes o impeditivo dele não ir foi uma questão de transporte, renda, questões familiares. Residir numa área de difícil acesso. Alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, atividade física, lazer, acesso a bens e serviços essenciais facilitam ou dificultam o acesso a saúde”, explica.
E complementa. “Se a população não tem acesso a serviços essenciais de qualidade, isso vai impactar diretamente em sua saúde. Então, fortalecer o meio ambiente, fortalecer essa população para que ela tenha acesso a direitos e não sofra com as injustiças ambientais, fortalece a sustentabilidade e o sistema de saúde como um todo”.
A importância dos determinantes sociais é grande, pois em um país de proporções continentais como o Brasil, não existe apenas um tipo de brasileiro. Há parcelas como indígenas e quilombolas, entre outras populações tradicionais que se reconhecem diferentes da organização social majoritária. “Quando chega população indígena no atendimento, isso as vezes gera confusão, porque eles tem costumes, questões culturais e hábitos diferentes. Até alimentação. Tudo deve ser respeitado, isso é especificidade deles”, comenta a professora.
Em 2018, o IBGE apontou que havia mais de 10 milhões de pessoas analfabetas no Brasil acima dos 15 anos. Isso representa uma parcela considerável da população brasileira que também tem dificuldades para acessar a saúde. Mais uma vez, a política de saúde atual se faz necessária. “O paciente recebeu uma receita e era analfabeto. Ficou com vergonha de explicar para a médica que não tinha entendido a prescrição e por isso não tomou a medicação como deveria”, comenta a professora.
A solução para esse caso foi colocar adesivos com a posição do sol e da lua nos medicamentos para indicar o horário que ele deveria tomar. E a prescrição de dieta desse paciente foi feita com desenhos, colocando alimentos permitidos em verde e proibidos em vermelho. Se a política vigente ignorasse os determinantes sociais de acesso a saúde, este paciente não seria atendido.
A pandemia de Covid-19 também esteve na pauta da palestra. Para a professora Ana, o momento atual serviu para fazer a discussão pública se voltar a necessidade de preservação do SUS. “A situação de vulnerabilidade muitas vezes é tratada como sinônimo de pobreza e não é bem assim, todos nós estamos vulneráveis de alguma forma. O contexto da pandemia nos mostrou isso. Estamos tendo que nos reinventar em vários setores.” Ana explicou que saúde pública não é algo imutável. “Tem que estar em movimento, a vulnerabilidade é múltipla e exige reformulação, pois os fatores de vulnerabilidade mudam todo o tempo. O viés não é apenas econômico. Envolve políticas transversais, de habitação, meio ambiente, trabalho e previdência, educação”, explica.
Os últimos dez minutos da transmissão foram utilizados para responder as dúvidas dos participantes selecionadas pelo professor Cristiano. A participação contou com alunos de todo o Brasil que refletiram sobre o nosso cenário atual. Sobre a universalidade do atendimento na saúde, a professora Ana reforçou a importância da atuação em conjunto de diversos agentes: “Na saúde, foi onde aprendi a trabalhar em rede, porque precisamos entrar em contato com essas outras frentes que precisam conversar com a saúde para promover um atendimento mais eficaz e realmente universal”.
Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de JornalismoCréditos do Fotógrafo: Alvin Decena/Pexels
O Sus com todos os seus defeitos é o que garante para população um serviço de saude, e é importante que a gente tenha conhecimento sobre sua importância desde a criação até os dias atuais, ja que dentre os países com mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil é o único que garante de maneira gratuita e em tempos de pandemia precisamos repensar muito isso.