Popularização de procedimentos estéticos reforça discussão sobre segurança

Autor: Rafael Lemos - Assistente de Comunicação Acadêmica

Que atire a primeira pedra quem nunca quis fazer um procedimento estético, por menor que seja. Em tempos de redes sociais digitais, telas de resolução de 4K e até 8K e um mundo sem fim do mercado da beleza, a aparência pessoal ocupa um nível de importância cada vez maior na sociedade. Não que ela não fosse relevante há 20, 30 ou 50 anos. A diferença é que, atualmente, o avanço tecnológico e o acesso às técnicas da perfeição são maiores e mais baratos.

E falando de mercado da beleza, de acordo com dados da pesquisa McKinsey Global Institute, no mundo, o setor tende a crescer 6% ao ano até 2027, o que representa cerca de 580 bilhões de dólares. No Brasil, um levantamento realizado pela Mordor Intelligence destaca que o segmento nacional deve atingir 41,6 bilhões de reais até 2028. Cabe ressaltar que, no país, a área de estética é responsável por 4% do PIB brasileiro, sendo uma das maiores do planeta.

E uma parcela desse mercado é o procedimento estético. O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de realizações de intervenções estéticas, cirúrgicas e não cirúrgicas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos da América, conforme dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. Outro dado importante é que, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), somente nos últimos dez anos, houve um aumento de 141% no número de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos.

Sobre esses números expressivos, o coordenador dos cursos de graduação em Tecnologia em Estética e CosméticaTecnologia em Podologia, da Uninter, Diogo Siqueira da Silva, ressalta que o mercado de estética está superaquecido no Brasil, corroborando que o país está entre os maiores consumidores de procedimentos estéticos no mundo. “As pessoas estão cada vez mais preocupadas com o bem-estar, autoestima e saúde da pele, então a busca por tratamentos estéticos cresceu muito nos últimos anos”, afirma Diogo.

Biomédico e Esteticista e Cosmetólogo, com pós-graduação em Biomedicina Estética e mestrando em Engenharia Biomédica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Diogo destaca que entre os procedimentos mais comuns está a aplicação do botox (toxina botulínica) para suavizar rugas, preenchimento com ácido hialurônico para dar volume e contorno, além de peeling e microagulhamento para melhorar a textura da pele.

“Também estão em alta os bioestimuladores de colágeno, que ajudam a firmar a pele de forma natural, estimulando o corpo a produzir mais colágeno. Além disso, a depilação a laser, a harmonização facial e a remoção de manchas continuam sendo super populares”, complementa Diogo.

Com tanta variedade de procedimentos, os benefícios também são inúmeros, e vão muito além da aparência: “Muitos procedimentos ajudam com a saúde da pele, prevenindo o envelhecimento, melhorando a hidratação e até tratando condições como acne e cicatrizes. Em resumo, o impacto positivo pode ser tanto emocional quanto físico!”, reforça o professor.

Para a professora da Uninter Juliane Cristine Harter os impactos dos procedimentos na  saúde mental e o bem-estar das pessoas são significativos. “Quando nos sentimos bem com a nossa aparência, a nossa confiança aumenta e isso se reflete em todas as áreas da vida, tanto pessoal quanto profissional. […] A insatisfação com a aparência pode afetar a saúde mental, levando à ansiedade, depressão e baixa autoestima. Procedimentos estéticos podem ajudar a melhorar a autoimagem e, consequentemente, a saúde mental”, afirma.

Beleza traz riscos

Nem tudo é o que parece. Submeter-se a procedimentos estéticos pode não apresentar os resultados desejados e isso implica consequências para as quais muita gente não está preparada. Para a professora do curso de Psicanálise da Uninter e doutora em Biotecnologia, Giseli Cipriano Rodacoski, a busca por intervenções que envolvam a beleza gera uma satisfação parcial, pois há frequentes queixas de “vazio interior”, relata.

Quando o perfil estético desejado não é alcançado, algumas complicações mentais podem surgir. “As pessoas podem não ter clareza sobre realidade – fantasia. O profissional deve perguntar claramente qual é a expectativa e falar honestamente sobre a possibilidade real de obter tal resultado. A imaginação é sempre uma ideia, algo disperso e, por isso, difícil de ser confirmada. Um exemplo, ‘você vai rejuvenescer’, pode gerar uma imagem mental para o paciente e outra para o profissional”, afirma.

Além disso, os procedimentos devem ser feitos por profissionais preparados e qualificados academicamente, com ética acima do lucro: “A intenção de venda não deve ser afastada do compromisso de cuidado e da garantia de direitos humanos. É indispensável que o procedimento seja livre e esclarecido. Há um comportamento bastante antiético quando acontece a sobre prescrição de procedimentos apenas por vantagem econômica do profissional, ou a conduta intencional de criar ilusões de perfeição”.

A escolha de profissionais competentes e éticos precisa se sobrepor ao quesito preço. Não custa lembrar que o “barato pode sair caro”. É preciso refletir que até a vida corre riscos em procedimentos malfeitos, como foi o caso de Henrique Chagas após uma aplicação de peeling de fenol e de Aline Maria Ferreira da Silva com aplicação de um produto para aumentar glúteos.

A morte do empresário Henrique chagas foi causada por uma parada cardiorrespiratória em decorrência da inalação de fenol, usado no tratamento estético. O laudo do IML constatou que ele teve queimaduras de primeiro e segundo graus no rosto e lesões na epiglote, laringe, cordas vocais e pulmões. Henrique fez o peeling de fenol na clínica da influencer Natália Freitas que se dizia ser esteticista, mesmo sem ter registro profissional.

Já com a influenciadora e modelo fotográfica, Aline Maria Ferreira da Silva, o procedimento foi a aplicação de polimetilmetacrilato (PMMA), um tipo de plástico líquido, nos glúteos, em uma clínica de estética. Após a intervenção, dias depois, ela teve complicações e veio a óbito, deixando marido e dois filhos. Além de perigoso, a Anvisa não aprova o uso de PMMA para fins estéticos em glúteos.

Influência da mídia

Por fim, é imprescindível levar em consideração que as mídias ajudam a reforçar os padrões e estereótipos impostos pela indústria da beleza. A vida perfeita e bela em que todos estão felizes e livres de problemas é o que mais gera engajamento inclusive nas redes sociais digitais. E, de acordo com a professora Giseli Cipriano Rodacoski, a perseguição pela juventude é o combustível dessas mídias.

“Os filmes e propagandas tendem a valorizar a juventude. É comum a valorização de imagens de idosos, que parecem jovens, acompanhadas de valorização social. A representação social da velhice ainda é algo relacionado com fragilidade e perda de poder. A jovialidade é altamente veiculada na mídia como fator de autonomia, potência e admiração”.

Dentro desse olhar, a doutoranda em Administração e professora da Uninter Edilaine Cegan publicou um artigo na revista Organização Sistêmica sobre “A propagação de fórmulas milagrosas para fins estéticos: como o uso das mídias sociais pode ser nocivo à saúde”. A discussão do artigo é baseada no filme nacional “Linda de Morrer”, em que a protagonista se sujeita ao perigo de morte na busca pela beleza inalcançável.

Assim, cabe a reflexão sobre os limites entre a busca pela felicidade, bem-estar e autoestima com intervenções estéticas sem que haja comprometimento da saúde física e mental de quem se submete a elas e todo o processo ético envolvido. E, cabe o questionamento de até que ponto a busca por uma beleza inatingível é apenas um sintoma de uma sociedade refém de um padrão estético, imposto por uma indústria que visa o lucro, em detrimento da satisfação pessoal.

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Autor: Rafael Lemos - Assistente de Comunicação Acadêmica
Edição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Pexels


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