Políticas públicas efetivas são a chave para a redução de vítimas no trânsito

Autor: Nayara Rosolen - Jornalista

A mobilidade urbana vai muito além do transporte e influencia diretamente a qualidade de vida das pessoas, assim como o acesso da população a toda a cidade, interferindo diretamente na forma como vivem.

Junto aos quatro modais de transporte clássicos, que são o rodoviário, o ferroviário, o aéreo e o dutoviário, aparece também o infoviário – também chamado por vezes de modal virtual, é aquele que se utiliza da insfraestrutura de telecomunicações, como fibra ótica e satélites. “A partir do momento que conseguimos ter resultados e a condução de uma série de atividades que podem ser desenvolvidas através da internet, temos a entrega de produtos através do infoviário também… Dá para considerá-lo nessa classificação”, explica a engenheira civil e mestra em Planejamento Urbano pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luziane Pavelski.

Até meados do século XX, os trens, por meio das ferrovias, eram o principal modal utilizado no Brasil, tanto para passageiros quanto para cargas. Isso até a chegada das indústrias automobilísticas. O poder econômico que as fábricas exerciam no país deu autonomia para que expandissem as questões rodoviárias.

“Acho uma pena a gente ter deixado de lado o transporte ferroviário, porque é extremamente econômico e as quantidades possíveis a serem carregadas, por exemplo na questão das cargas, é incrível. É um desperdício do ponto de vista da logística”, comenta a profissional.

Em 2012, foi decretada a Política Nacional de Mobilidade Urbana, lei nº 12.587, que tem como objetivo “a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria de acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do município”. As principais classificações entre os modos de transporte são os motorizados e não motorizados, que carregam elementos quanto ao objetivo (de passageiros ou de cargas); à característica (individual ou coletivo); e à natureza (público ou privado).

“O não motorizado acaba sendo muito mais abrangente, porque mesmo quando eu uso o meu transporte privado e motorizado, normalmente eu preciso do não motorizado para completar esse trajeto. E sem contar que é o meio de transporte mais inclusivo possível quando falamos do ponto de vista que não requer que coloque nenhum investimento financeiro para que possa fazer. Exige apenas que eu tenha infraestrutura adequada”, afirma a profissional.

No entanto, é justamente na infraestrutura e nas políticas públicas não fiscalizadas efetivamente que se encontram os perigos mais letais. A página Death on the roads, da Organização Mundial da Saúde (OMS), mostra o número de mortes no trânsito a nível mundial com base nas estimativas do relatório de segurança no trânsito de 2018. Até o dia 27 de outubro, mais de 1,1 milhão de vítimas são contabilizadas.

O Plano nacional de redução de mortes e lesões no trânsito (Pnatrans), divulgado em 2021, mostra que o índice de óbitos em acidentes de transporte terrestre no Brasil caiu de 43,7 mil para 31,9 mil entre 2014 e 2019. Ainda assim, a maior parte das vítimas (40,5%) são os motociclistas, seguido dos ocupantes de automóveis e caminhonetes (25,5%) e pedestres (21,6%).

“São dados que chamam atenção. Quando a gente começa a dar nomes a esses números… o Seu Zé, a Dona Maria, enfim… Quando é uma vítima da sua família, esses dados começam a ser mais concretizados. No Brasil, a gente chegou a mais de 40 mil mortes no ano. Hoje estamos conseguindo reduzir através de políticas públicas, de se trabalhar a educação para o trânsito”, explica o mestre em Trânsito e Mobilidade Urbana, Valdilson Lopes, professor do curso de Gestão do Trânsito e Mobilidade Urbana da Uninter.

Para Luziane, os índices estão muito atrelados com o poder de compra e os altos preços dos combustíveis, já que quando se analisa a porcentagem de gastos das famílias brasileiras “é de assustar a parcela do ganho que é consumido com o transporte em si”.

Diante desse cenário, a necessidade de um transporte mais barato e rápido faz com que as pessoas optem pela motocicleta. “É um ponto a ser tratado com muita atenção, que precisa ser repensado, porque essas pessoas estão escolhendo a moto não simplesmente pela emoção de pilotar uma moto. O que elas querem é um transporte eficiente, rápido e barato. Será que a única forma que eu tenho de oferecer isso para essa população é utilizando as motos ou eu poderia fazer mais alguma coisa? Essa escolha nem sempre é uma escolha automática, relacionada com as minhas preferências. Está relacionada com as condições que o ambiente me oferece”, salienta.

Dificuldades de acesso

A escolha pelo meio de transporte muito tem a ver também com a dificuldade da “combinação de modais” nas cidades, que “seria o ideal”, de acordo com o professor Guilherme Lemermeier Rodrigues, que atua na Escola Superior Politécnica (ESP) da Uninter.

Até mesmo em Curitiba (PR), famosa por seu sistema de transporte público, o boom das bicicletas e patinetes que podiam ser locados por meio de um aplicativo durou pouco. “Nem todas as cidades estão preparadas para receber uma demanda compartilhada, seja de veículos, de bicicletas, patinetes ou enfim. Não tínhamos locais adequados para que os usuários utilizassem”, aponta Valdilson.

Luziane diz que a chave para a questão está na facilidade de complementação dos diversos modais disponíveis e locais estratégicos onde possam acontecer as transições de um para o outro.

“Existem cidades na América do Sul, juntos aos transportes públicos, locais para que possa deixar sua bicicleta ou estacionamento para veículos para que possa chegar até determinado ponto com o automóvel privado e partir para o transporte público para evitar congestionamentos, por exemplo. A minha resposta está muito relacionada a criar condições físicas, locais, onde essas transições possam ser feitas, porque não temos isso”, diz a engenheira civil.

O professor Guilherme também alerta para “distinguir o que é uma mudança de cultura e o que é uma moda”. “Tenho muito medo de transformarem coisas que deveriam ser culturais em modismo, o caso do uso da bicicleta é um deles”.

Muitas pessoas acusam a dificuldade em utilizar meios não motorizados ao clima, que, em muitas cidades, como Curitiba, encontra-se sempre instável, com muito frio e chuvas. No entanto, o professor lembra que em cidades da Alemanha ou Holanda, por exemplo, a população costuma utilizar bicicletas mesmo nesses climas.

“Como especialista, entendo isso como uma desculpa. E, claro, como cultural também. Devemos desenvolver, estimular mais isso no Brasil. Como estimular? Criando, com políticas públicas, a oportunidade para que as pessoas possam se transportar com segurança. Com ciclofaixas, ciclorotas…”, afirma Valdilson.

Os profissionais debateram sobre os temas “Mobilidade e acessibilidade: qual modal posso usar?” e Bicicleta e outros transportes à propulsão humana: Solução de mobilidade?” nas edições do Programa F5, apresentado pelo professor Guilherme em uma parceria da ESP com a Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança (ESGPPJS) da Uninter.

Incorporar HTML não disponível.
Autor: Nayara Rosolen - Jornalista
Edição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Pexels e reprodução do Youtube


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *