Os novos tempos de vigilância do consumidor

Autor: Clóvis Teixeira Filho (*)

Em março, o Mês do Consumidor oferece descontos após férias, carnaval e despesas do início do ano. Uma tentativa ousada para capturar o que resta de dinheiro na economia doméstica. Mas o que assistimos, nos últimos anos, são sujeitos muito mais conscientes das possibilidades de exercício da cidadania através do consumo, bem como do poder de negociação com as marcas. Isso inclui o comportamento que intitulo como vigilância do consumidor, que é a busca por informações sobre as marcas, numa comparação dos seus discursos publicitários e com consequente contestação.

Já acompanhamos há anos a movimentação para a cobrança de direitos nas plataformas consumidor.gov ou Reclame Aqui. Apenas em 2023, segundo o boletim da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), foram mais de 1,3 milhão de reclamações atendidas no site oficial. Também não é novidade o esforço das marcas em dimensões que ultrapassam a barreira comercial, com as causas de sustentabilidade, diversidade ou saúde. A pesquisadora Gisela Taschner antecipou essas duas situações, ao verificar que no Brasil ainda tentamos dar conta de direitos básicos do consumidor, enquanto surgem demandas para o posicionamento de marcas em questões mais complexas.

Nos novos tempos de vigilância do consumidor não se aceitam comunicações sem fundamentos ou sem aderência à história das marcas. Alguns casos podem auxiliar nesse entendimento, como a empresa de cosméticos sendo questionada em sua publicidade sobre valorização da mulher, uma vez que sua diretoria era toda masculina. No comentário, o cliente ainda indica o link para o site de investidores da empresa. Em outra situação, um tênis é utilizado para homenagear o passinho carioca e a periferia, comunicação rapidamente questionada por um consumidor que comenta sobre o comercial ser na “comunidade”, mas o preço ser de burguesia. Também podemos citar torcedores questionando o patrocínio de jogadores acusados de estupro, marcando influenciadores e notícias de veículos de comunicação. Somam-se a esses episódios as incontáveis reclamações sobre entrega, utilizando as publicações das próprias marcas em mídias sociais para reivindicar soluções.

O uso de dados disponíveis na internet facilita a busca e o registro das informações por usuários. Surgiram ainda iniciativas institucionais nesse sentido, como é o caso do Sleeping Giants, com maior poder midiático, que expõe práticas contrárias aos discursos das marcas. Definitivamente, o ambiente digital facilitou a vigilância. Os consumidores se conectam por seus ideais e discutem nas comunidades de marcas em mídias sociais, mesmo sem nunca terem se conhecido. São íntimos pela carência de autenticidade ou pela falta de entrega daquilo que foi prometido, utilizando a informação e as competências da cibercultura para cobrar respostas das empresas.

A tecnologia digital, largamente utilizada pelas marcas para capturar e tratar dados dos compradores, agora é apropriada por seus públicos para cobrar coerência. Essa não é uma postura ingrata, mas reflexiva de quem está cansado de promessas sem resultados efetivos, sustentadas por gastos com produtos. Todo o processo de consumo também é uma extensão do sujeito, incluindo a cidadania, e expõe aspirações e desejos. Este é um excelente momento para as marcas incentivarem mudanças internas antes de promoverem comunicações, criando vínculos efetivos com seus públicos e evitando crises.

* Clóvis Teixeira Filho é Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e Coordenador dos cursos de pós-graduação na área de Comunicação no Centro Universitário Internacional Uninter.

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Autor: Clóvis Teixeira Filho (*)
Créditos do Fotógrafo: Lais Schulz


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