O que há por trás da crise das democracias liberais?

Autor: Leonardo Tulio Rodrigues - estagiário de jornalismo

“Até há pouco tempo, a democracia liberal reinava absoluta. A despeito de todas as suas deficiências, a maioria dos cidadãos parecia profundamente comprometida com sua forma de governo. A economia estava em crescimento. Os partidos radicais eram insignificantes”.

O trecho acima faz parte da introdução de “O povo contra a democracia”. Recentemente adicionado à biblioteca virtual da Uninter, a obra do cientista político americano Yascha Mounk aborda a crise que assola esse modelo de governo atualmente.

Triunfante no final do século 20, após a queda da URSS, o modelo democrático liberal se apresentou como única alternativa consistente para grande parte das nações, como explica a Doutora em Ciência Política e professora da Uninter Karoline Roeder.

Grande parte dessa aceitação se deve ao fato de o regime se posicionar como detentor de valores embasados no pensamento iluminista e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Além disso, as teocracias islâmicas tinham pouco apoio fora do oriente médio e do sistema chines de capitalismo estatal, sob a bandeira do partido comunista, seria muito difícil de ser compartilhado com países que não contam com história similar ao dos chineses.

Em tese, o funcionamento das democracias liberais possui mecanismos de controle para impedir o acúmulo de poder nas mãos de um único partido e garantir direitos políticos e sociais para toda a população.

No entanto, ao longo das décadas, foram sendo identificados pressupostos equivocados quanto ao funcionamento real do modelo, tais pressupostos são apresentados por Yascha Mounk em sua obra.

O norte americano aborda a opinião majoritária da comunidade de estudos políticos na década de 80 de que a consolidação do modelo democrático liberal representaria o fim das ideologias. Na prática, isso não aconteceu.

Outra projeção era a de que a democracia e o liberalismo comporiam um todo coeso, em que a nação seria ditada pela junção da vontade popular e da seguridade do estado de direito. Se imaginava que o sistema político traduziria a opinião popular em políticas públicas de maneira eficiente. Essa projeção também não se consolidou.

Na opinião do coordenador do bacharelado em Ciência Política da Uninter Lucas Massimo, uma sacada fenomenal do autor foi separar democracia e liberalismo em seu raciocínio.

“Os termos não necessariamente devem estar unidos como propagado por intelectuais após a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética”, explica.

A ineficiência do modelo em diversos campos fez com que ocorresse a desvirtuação da democracia liberal. Na opinião do mestre em Ciência Política e professor da Uninter Luiz Domingos Costa, as causas dessa crise estão difundidas no seio da sociedade.

“Se as democracias estão passando por crises em que elas eram fortes, como era o caso dos EUA, Inglaterra, quem dirá dos países que não têm a democracia consolidada, como no caso do Brasil”, diz.

O Brasil, por exemplo, é o quarto país que mais se afastou da democracia em 2020 em um ranking de 202 países analisados, segundo o relatório Variações da Democracia (V-Dem), do instituto de mesmo nome ligado à Universidade de Gotemburgo, na Suécia.

O período conturbado abre margem não só para um liberalismo antidemocrático, composto por direitos sem democracia, mas também para democracias iliberais, que se caracterizam por terem democracia sem direitos civis.

Lucas Massimo aponta que isso muito se deve à desconfiança por parte da população na representação política, a precarização do trabalho com a destituição de direitos trabalhistas e o aumento da concentração de renda na mão de poucos

Um sistema responsivo, que busca atender às perspectivas do cidadão não pode ser puramente representativo. Muitas vezes, ocorre o afastamento do parlamentar em relação às suas bases, o que reduz a identificação e a representatividade política”, ressalta.

Populismo

Em meio a crises políticas e econômicas como as que vivemos em 1929 e a que se iniciou em meados de 2009 e permanece até este momento, o capitalismo abre margem para que um fenômeno conhecido como populismo tome conta do debate público e das iniciativas populares.

Com a premissa de “dar voz do povo”, líderes que difundem políticas autoritárias e até mesmo totalitárias ganham espaço no debate público. Se estabelece a noção de haver um “salvador da pátria”, seja ele de caráter conservador, reformista ou revolucionário

Na história dos governos autoritários subsequentes a regimes liberais, qualquer compromisso com minorias é visto como forma de corrupção e soluções simples são vistas como as melhores saídas para a crise que assola a sociedade.

Como detalhada por Yascha Mounk em “O povo contra a democracia”, governos populistas tendem a tomar decisões para garantir controle sobre o estado. Entres elas, ele cita o aparelhamento ou até mesmo a exclusão de instituições como o legislativo e o judiciário.

Tais filosofias de pensamento têm como objetivo angariar pessoas que compartilham de um mesmo problema e partilham de um mesmo ideário ou convicção política para combater um grupo interno ou externo que pode ser visto como inimigo e ter seus direitos negligenciados ou caçados.

Dois grandes exemplos de governos populistas mais recentes são destacados pelos professores da Uninter: Hugo Chaves na Venezuela e Viktor Orbán na Hungria.

Líder da Revolução Bolivariana, Chaves governou a Venezuela por 14 anos, de 1999 até sua morte em 2013. Em seus governos, o líder de esquerda utilizou de mudanças no supremo tribunal venezuelano para obter maior controle, além de se perpetuar no poder através de um contragolpe de estado, em 2002.

No caso de Orbán, que governa a Hungria de maneira ininterrupta e é conhecido por suas políticas xenófobas, o populismo é sustentado pelo medo bastante atual difundido pelo mundo, os imigrantes.

As recentes ondas migratórias em todo o continente europeu fizeram com que a narrativa do atual presidente Húngaro fizesse de refugiados de guerra o principal inimigo da nação.

De acordo com o autor Yascha Mounk, a possibilidade de um populista causar um estrago duradouro à democracia de um país pode ser considerada quatro vezes maior do que em relação a outros tipos de governantes eleitos.

Ele destaca que quase metade dos líderes populistas conseguiram alterar a constituição para expandir seus poderes. Nesses regimes, houve a restrição de liberdade política e o aumento da corrupção, assim como a consolidação de uma luta entre um “povo real” e seus “inimigos”.

A crise que afeta o sistema democrático liberal foi tema da “Live Observatório de Conjuntura: o que são democracias iliberais?”, transmitida em 28 de novembro pela Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança da Uninter.

Durante o evento, os professores do curso de Ciência Política da Uninter Lucas Massimo, Luiz Domingos e Karolina Roeder debateram o assunto com base na obra “O povo contra a democracia”, de Yascha Mounk.

Assista à live completa pelo canal de Youtube da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança da Uninter.

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Autor: Leonardo Tulio Rodrigues - estagiário de jornalismo
Edição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Wikimedia/Pixabay/ Elekes Andor/reprodução Youtube


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