O luto de perder bens e as conquistas da vida
Autor: Juliana dos Santos*“Bens materiais se recupera, o importante é estar vivo”. É comum ouvir esse tipo de afirmação quando se sobrevive a uma catástrofe. De fato, é muito bom estar vivo, contudo, não dá para exigir de uma pessoa que perdeu tudo o que foi conquistado ao longo de uma vida, que seja grato. Ela precisa de um tempo de luto.
O luto não surge apenas quando uma pessoa amada morre, mas também quando se perde bens, como casa, carro, objetos e coisa que contam histórias de uma vida, ou até mesmo, uma posição social. A perda é um sentimento que os seres humanos experimentam em diversas fases da vida. Para ser adolescente se perde a infância; para ser adulto, se perde a adolescência; na fase adulta, se perde a ilusão dos ideais de sucesso e felicidade plena. Essas perdas nos ajudam a montar um repertório para os futuros enfrentamentos de lutos.
Fatidicamente, há perdas que o sujeito não consegue evitar, como é o caso das tragédias naturais, onde cidades são devastadas e o sujeito se vê obrigado a assistir em tempo real seus bens conquistados com tanto esforço serem varridos há um só golpe.
O processo de elaboração de uma perda ocorre pela elaboração do luto. A teoria psicanalítica explica que o luto é um sofrimento humano e faz parte do processo mental, ou seja, não se trata de uma patologia, pelo contrário, enlutar-se é um processo intrapsíquico que visa a recuperação das funções psíquicas e, na maioria dos casos tende a ser saudável, sem precisar de tratamentos profissionais.
O psicanalista Sigmund Freud entende que “jamais nos ocorre ver o luto como um estado patológico e indicar tratamento médico para ele […] confiamos que [o luto] será superado após certo tempo, e achamos que perturbá-lo é inapropriado, até mesmo prejudicial”. É através do trabalho de luto que uma pessoa poderá se descolar do objeto que foi perdido e que não retornará. A cada lembrança, a realidade mostrará que ele não está mais lá, levando o sujeito a se reorganizar à sua nova realidade. Nesse sentido, o trabalho de luto pode até ser adiado, mas o sujeito jamais se sentirá capaz de reinvestir em um novo objeto, enquanto não fizer o luto do objeto perdido.
Frases motivacionais como, por exemplo, “segue em frente”, “seja forte”, “levante a cabeça”, ou “a vida continua, não sofra por isso”, podem ser uma agressão psicológica, como se ordenasse alguém a correr sem ter pernas. É preciso suportar o processo de luto de uma pessoa e considerar a dor de quem sente falta de algo. É fundamental que a pessoa que está no processo de luto se sinta autorizada a sofrer, ao invés de se sentir constrangida pelo seu sofrimento.
O processo do luto pela perda de seus objetos investidos de afeto (pessoas, coisas, lugares, entre outros) tende a seguir algumas fases. A primeira é a negação na qual a pessoa acha que vai acordar de um pesadelo. A segunda é a raiva em que há uma revolta contra a situação e início de culpa ao outro e a si mesmo. A terceira é barganha, uma tentativa desesperada de reverter a situação. A quarta é a depressão, período introspectivo caracterizado pela tristeza, solidão e choro. Por último a aceitação, momento em que a realidade confronta a pessoa e ela se dá conta de que não há volta no tempo para mudar o passado.
Por mais que se acompanhe notícias e que entendamos que viver é estar à mercê das contingências, em nosso psiquismo a falta como expressão do negativo, nunca se inscreve. Portanto, jamais estaremos preparados para lidar com a perda, seja ela da ordem que for. Entretanto, existe uma tendência psíquica que visa restabelecer a ordem do seu funcionamento, só que é preciso reconhecer que nem sempre quem está passando por um processo de luto conseguirá restabelecer essa ordem sozinho. O apoio da família e amigos sempre será fundamental e a ajuda de profissionais especialistas pode ser importante para que as feridas psíquicas se fechem e o sujeito se reconecte com a vida.
*Juliana dos Santos é psicóloga, psicanalista e professora da Uninter.
Autor: Juliana dos Santos*Créditos do Fotógrafo: Gustavo Mansur/Palácio Piratini