O homem dos números infinitos conquista a imortalidade das letras

Autor: Arthur Salles – Assistente de Comunicação Acadêmica

O Brasil passava por um período de arrefecimento da Covid-19 em agosto de 2021. No início daquele ano, um aumento repentino de internações e mortes pela doença causava terror e comoção. O país vinha, desde então, aplicando doses de vacinas de modo exponencial a fim de controlar os elevados números, que resultou em 412 mil brasileiros mortos pela doença só naquele ano.

Imunizado com duas doses da vacina, o professor Nelson Castanheira sentia-se bem e protegido. Seguia todos os protocolos de prevenção, com máscara no rosto e álcool em gel nas mãos. Estava tudo certo para passar mais um Dia dos Pais ao lado do filho mais novo no domingo, mas na sexta-feira apresentou sintomas. Mesmo sem comorbidades, os 68 anos eram fator de risco suficiente para passar por avaliação médica.

Neliva Tessaro, esposa do professor desde 2014 e colega de trabalho na Uninter, o levou no domingo ao Hospital das Nações para um rápido check-up. Os planos tiveram de ser mudados, pois Castanheira já estava com 35% de um dos pulmões comprometidos. Seria intubado na Unidade de Terapia Intensiva do hospital naquela mesma noite.

Estatístico, o professor calculou as probabilidades e imaginou as consequências de uma possível noite sem fim. Passou para Neliva instruções do que fazer caso o pior viesse a acontecer, avisou a família com o restante de esperança que tinha e permitiu a intubação.

Mesmo com domínio da matemática, Castanheira não chegou a imaginar que passaria os próximos 35 dias sem o controle de si. Ficaria preso numa cela sem grades e num corpo sem contato com o mundo exterior, à deriva dos pensamentos e da própria história.

O pró-reitor

Nelson Pereira Castanheira tem 71 anos. Nasceu em 20 de outubro de 1952, no famoso bairro de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro. Saiu de casa aos 18 anos rumo a São Paulo, onde iniciaria uma prolífica carreira de 53 anos dedicada à educação, parando em Curitiba (PR). Ele é doutor em Engenharia de Produção.

O sexto andar do icônico Edifício Garcez, principal campus da Uninter, abriga o núcleo acadêmico da instituição. Quatro das seis escolas superiores do centro universitário estão reunidas no pavimento, além de outro importantíssimo setor: o de pós-graduação.

Ao longo de meia dúzia de fileiras de mesas contíguas, estão 25 coordenadores dos cursos de pós-graduação da Uninter e outros colaboradores do departamento. O caminho que acompanha o enfileiramento dos professores não poderia levar a outro lugar senão ao posto de comando deste batalhão de educadores.

Das oito da manhã às seis da tarde, de segunda a sexta, lá está o pró-reitor de pós-graduação. “Casta”, como é chamado pelos professores, ou “Castanha”, pelos amigos, passa os dias e as tardes em sua sala. De cabeça raspada e feição aquilina, costuma usar camisas bege e calças marrom, quase como uma extensão das cores do próprio escritório. Ele é o encarregado direto de 59 funcionários que fazem o setor acontecer, não hesitando em procurar o professor sempre que necessário.

“Desde que não esteja em reunião, a porta da sala dele sempre está aberta para atender qualquer pessoa que precisar”, conta Alex Rocha, coordenador de pós-graduação e amigo de Castanheira há cerca de 15 anos.

Castanheira é definido por quem o conhece como uma pessoa bem-humorada e metódica, de invejável organização. Do guarda-roupas de casa à mesa de trabalho, tudo é montado a fim de otimizar processos e maximizar eficiência. Até mesmo na fala, que evidencia a origem carioca com “S” chiado e “R” cortante, a articulação de ideias e o ritmo parecem calculados de antemão. É como opera a mente de um matemático por formação e gestor por experiência.

O pró-reitor é responsável por 400 cursos de pós-graduação, 400 de extensão e 18 grupos de pesquisa desde que assumiu a Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da Uninter, em 2016. A sua história na instituição, porém, já datava do início dos anos 2000, ainda no Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX). O convite para trabalhar na instituição resultou na criação e coordenação de cursos da área de negócios.

Em 2007, migrou para a antiga Faculdade de Tecnologia de Internacional de Curitiba (Fatec), que no futuro daria origem ao Centro Universitário Internacional Uninter. “Sempre tive uma percepção bem nítida de que ele [Castanheira] era muito organizado com os prazos e com tudo que fazia. Ele sempre se dedicou muito nesse processo de ter tudo organizado e estruturado”, ressalta o então diretor acadêmico da Fatec e hoje reitor da Uninter, Benhur Gaio.

Antes de assumir a coordenação de pós-graduações, Castanheira ficou responsável pela coordenação-geral de graduações na fusão das áreas de educação a distância da Fatec e da Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter).

“Ele era a pessoa mais organizada e estruturada, tinha o domínio de todo o processo. Dessa forma, decidimos mantê-lo com essa área importante e onde tínhamos o maior número de alunos. Os melhores resultados da empresa estavam ali. Precisava ser alguém de confiança que fizesse as coisas acontecerem”, aponta Benhur.

Com uma nova fusão das duas instituições e o nascimento da Uninter em 2012, Castanheira assumiu o cargo de pró-reitor dos cursos de graduação. Em 2016, uma nova missão: assumir a pró-reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão.

Àquele momento, o setor contabilizava 87 cursos em 10 grandes áreas. Hoje, a pós-graduação soma 400 cursos em 18 grandes áreas, com 72 mil alunos. Outros 400 cursos compõem o montante de extensão, que só em 2023 captou 177 mil inscrições de alunos da instituição e da comunidade externa. A pesquisa, outro importante pilar da educação, hoje reúne 282 professores, 612 alunos e 95 projetos.

O professor que sempre teve apetite por se qualificar e redescobrir habilidades, encontrou a área perfeita na pró-reitoria dedicada à especialização. “O grande lance é você nunca parar de estudar. Em qualquer ramo do conhecimento, as evoluções tecnológicas às quais estamos sujeitos acontecem numa velocidade muito maior do que nosso raciocínio acompanha”, Castanheira faz questão de salientar.

Pequeno grande professor

O pensamento visionário já se manifestava na infância. Nelson optou por estudar matemática e conseguir o melhor dela ao ouvir que a área era de grande dificuldade. “Vou ver se isso é difícil mesmo. Se é difícil para todo mundo e para mim não vier a ser difícil, tenho na minha frente um grande campo a ser explorado. Vou ter pouca concorrência no mercado de trabalho”, pensou.

“Costumo falar para o meu pessoal que não devemos ter sonhos, pois poucos se realizam e alguns viram pesadelo. Se você deseja algo, você precisa ter projetos”, diz ele.

Nelson é o primeiro de três filhos do casal Rui e Nilza. Do pai alfaiate e já falecido, herdou a precisão com formas e medidas, a identificação de problemas e a oferta de resoluções a eles. Da mãe de 92 anos recém-completados, a autonomia e poder de decisão coincidem. Pelo menos duas vezes na semana ele e Nilza se encontram para almoçar, e não há vez que Castanheira não fique impressionado com o vigor da mãe.

Outra forte influência na formação de Nelson foi o avô materno, Adão. Familiares apontam o afinco pelos estudos, a disciplina e a organização como traços similares entre os dois e que despontaria em sua futura vida acadêmica.

O adulto apaixonado por aprender também fora um jovem entusiasmado por educar. Ainda adolescente, Nelson morava em um apartamento no bairro Vila Isabel, lar de sambistas como Noel Rosa e Martinho da Vila. Com quatro andares e num trecho de declive calçado da Rua Conselheiro Paranaguá, o modesto Edifício Paranaguá tinha o avô de Nelson como síndico. Era ele o responsável por cuidar da parte administrativa do condomínio, incluindo a emissão dos recibos de pagamento do porteiro.

O zelador Sebastião já estava na meia-idade e tinha um hábito que deixava Nelson curioso: quando recebia o ordenado, apertava o polegar direito sobre uma almofada de carimbo para preencher o campo de assinatura do recibo. O jovem ficava surpreso toda vez que presenciava o ato e decidiu que, não importasse o tempo e os contratempos, ajudaria Sebastião a se alfabetizar.

Como ainda estava na escola, Nelson tinha as manhãs e as noites dedicadas aos cursos técnicos. Não via problema, pois ainda teria as tardes e os fins de semana para educar o porteiro.

“Consegui alfabetizá-lo. Ensinei ele a ler e escrever, e ele passou a assinar os recibos do seu salário. Levei uns três ou quatro anos para conseguir”, conta com orgulho. Essa era a primeira de milhares de vidas que Nelson viria a transformar por meio da educação e mais um dos projetos que viria a traçar para o futuro.

Um matemático no front

Durante a Segunda Guerra Mundial, os alemães dominavam as frentes de combate nos céus, na terra e nos mares. O Eixo se utilizava de códigos criptografados pelas máquinas Enigma, usadas pela Alemanha desde a década de 1920. Com o aparelho, qualquer tipo de comunicação entre as tropas alemãs e do Eixo era realizado em códigos criptografados, indecifráveis em caso de interceptação dos Aliados.

O matemático britânico Alan Turing, no entanto, foi o responsável por “quebrar” a codificação dos nazistas. Considerado o pai da computação, Turing desenvolveu a “bomba”, mecanismo capaz de desvendar a comunicação dos inimigos. O aparelho levou quatro anos de estudos e aprimoramentos, sendo criado com base em uma réplica da Enigma capturada por espiões poloneses a fim de reproduzir diferentes combinações em busca de soluções para os códigos e prever as investidas alemãs. Atribui-se a ela a antecipação do fim da guerra em, pelo menos, dois anos.

Já não era possível pensar em segurança nacional sem pensar também na importância das telecomunicações. Com o golpe militar de 1964, o governo brasileiro se articulou para estatizar a Companha Telefônica Brasileira e incorporar operadoras estrangeiras que operavam no Brasil à Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel, criada em 1965) e à Telecomunicações Brasileiras (Telebras, de 1972).

“Apenas imaginemos. Em uma situação de guerra, comunicação é tudo, e ela estaria na mão do inimigo”, exemplifica Castanheira. Agora com o comando das telecomunicações do país e operadoras estatais em cada uma das unidades federativas, o governo precisava de capacitação para tamanha demanda de mão de obra. Surgia uma nova missão para outro matemático.

Após poucos meses de atuação na IBM Brasil, Castanheira foi convidado a atuar no treinamento de técnicos e engenheiros da Telecomunicações do Paraná (Telepar). Da instalação de equipamentos até sua manutenção, a formação toda passava pelos saberes do professor, então no início dos 20 anos. A ampla formação enquanto jovem, de cursos técnicos em Eletrônica e Telecomunicações, o capacitava para tanto.

O sucesso das turmas formadas gerou um novo convite: a criação de um curso técnico em telecomunicações a ser ofertado na Escola Técnica Federal do Paraná (hoje Instituto Federal do Paraná). O curso de nível médio iniciou em março de 1972, tendo Castanheira como idealizador e coordenador por cinco anos.

Mesmo jovem e com projetos bem-sucedidos, Castanheira percebeu que a formação técnica não bastava. Em contrassenso à maioria da população (menos de meio milhão de brasileiros cursavam o ensino superior à época, ou menos de 5% dos 8 milhões que estudam hoje), ele dedicou-se com vontade à formação superior. Foram nada menos do que quatro cursos concluídos entre 1973 e 1976, aproveitando dispensas de disciplinas e cursando-os ao mesmo tempo. O profissional técnico viria a ser matemático, físico, desenhista geométrico e professor pleno de eletrônica durante o período.

A meta de Castanheira era sempre aprender mais para ensinar mais, o que o levou a uma especialização em Análise de Sistemas – Processamento de Dados, no fim da década. “Depois de 5, 6 anos à frente da coordenação do curso de Telecomunicações da Escola Técnica Federal do Paraná, percebi uma coisa interessante. Eu era muito novo e já estava recebendo o teto salarial da área pública naquele momento. Como fazer para crescer mais? Eu não poderia ter um segundo emprego, então a opção foi migrar para a iniciativa privada”, conta o professor.

Lá e de volta outra vez

Os 35 dias na UTI são um grande vazio na memória de Castanheira. Sem ter consciência do que acontecia à sua volta, todos os sentidos eram reféns de sua mente. As alucinações eram constantes, em sua maioria terríveis, uma prisão de angústias e medos dantescos.

“Teve um momento em que eu estava fora da Terra, olhando o planeta como se fosse uma laranja partida ao meio e presa apenas numa das pontas. E essa laranja funcionava como se fosse um funil. Na parte de cima, caíam incessantemente plantas, animais e pessoas que tinham morrido. Na parte de baixo, a boca do funil, pingavam novos corpos, novas plantas, novas pessoas que renasciam”, relata.

Antes que testemunhasse o mundo em alucinações, Castanheira teve a chance de percorrê-lo em seu estado real. A busca por uma posição melhor no mercado de trabalho o levou a atuar como coordenador de cursos na gigante alemã de telecomunicações Siemens, que dispunha de fábricas na Cidade Industrial de Curitiba. Os clientes da empresa eram justamente as operadoras de telecomunicações dos estados, levando Castanheira a ministrar cursos em cada uma das 26 capitais do Brasil e no Distrito Federal.

Foi nesse período, ficando dois meses em cada cidade a trabalho, que o espírito quase nômade passou a se manifestar no professor. “Uma coisa que eu sempre projetei é conhecer novos lugares”, diz Castanheira.

Ele menciona a casa de veraneio que teve em Guarapari (ES), na Praia de Peracanga, como exemplo a não ser seguido pelos inquietos. “Durante mais de 20 anos, eu não fui lá 20 vezes. Por quê? Porque quem tem uma casa de praia e vai sempre nela, só conhece aquela praia. Eu preferi conhecer as praias que existem no mundo, melhores ou piores que as do Brasil”, afirma. O interesse por desbravar novos locais é verdadeiro, mas os filhos revelam uma curiosidade: Castanheira tem pavor de entrar na água.

Além de todas as capitais e uma porção de cidades brasileiras, Castanheira já viajou a outros tantos países. A trabalho, estudos ou lazer, tenta sempre buscar novos destinos, o que já o levou à Argentina, Chile, Emirados Árabes, Espanha (onde cursou o mestrado na Universidad de Extremadura, em Badajoz), França, Itália, Peru, Portugal, Turquia, Uruguai e outros que fogem à rápida lembrança quando perguntado.

Quase religiosamente, dedica pelo menos um período do ano a viajar com a família ou amigos. O desejo pelo desconhecido é superior à comodidade do habitual, não impedindo uma rigorosa preparação antes do embarque.

“É tudo programadinho. Da hora que você levanta, tem um cronograma até a hora que se deita. Já sai do Brasil com tudo programadinho. Cronograma: tal hora vai ser isso, outra hora vai ser aquilo, a gente vai jantar em tal lugar”, revela a cunhada Mirta.

Nos roteiros de viagem, museus, parques e locais históricos de todo tipo são sempre prioridade. “Você precisa visitar museus, com certeza, mas com um guia local que conte a história, o que é aquela peça naquele museu, o que ela significa, como chegou lá”, diz Castanheira.

Com os dedos apontados para a mesa de sua sala, Castanheira desenha linhas imaginárias na bancada. “Se você faz um cruzeiro aqui dentro do Brasil, saindo, por exemplo, de Santos em direção ao Nordeste, ou saindo de Itajaí em direção ao Sul, Paraná, depois Santa Catarina, Rio Grande do Sul, você vai até a Buenos Aires, na Argentina, e até Montevidéu, no Uruguai, em uma viagem de oito dias”, conta com o entusiasmo de quem preza pela transmissão de conhecimento ao outro.

O apreço pela história de outras culturas e curiosidades que as rodeiam está presente em todo tipo de atividade. Pesquisador como é, dedica até mesmo o lazer do dia a dia para aprender mais. Conta, por exemplo, que finalizou um seriado turco de 448 episódios de 45 minutos cada, “O Grande Guerreiro Otomano”, que acompanha o nascimento do Império Otomano durante o século 13.

“Se puser no papel como eu fiz, só esse seriado já deu mil horas de filme. Ou seja, mesmo assistindo apenas a um capítulo toda noite, já são dois anos. E é uma história muito interessante e culturalmente muito importante”, explica, sem deixar de lado o hábito estatístico.

O jeito tranquilo e conciliador encontra no domínio das ciências um tipo curioso. Em uma das viagens com Neliva, o avião estava prestes a pousar numa pista de Gênova, ao noroeste da Itália. Entres os Alpes e o mar, os fortes ventos causaram uma turbulência na aeronave. Neliva entrou em desespero com a condição aérea e recebeu sábias palavras tranquilas do companheiro.

“Tem muito vento soprando do mar em direção à terra. O vento bate naquelas montanhas e volta, e o avião está se aproximando para descer. Quando o vento vem, o avião inclina para direita; o vento volta, ele inclina para esquerda. Não só o vento faz isso, mas também o próprio piloto”, explicou com serenidade e acalmando os ânimos acima das nuvens. “Tudo o que nos envolve tem matemática”, costuma dizer.

Ainda atravessando o mundo, adquiriu o gosto por vinhos, característica citada por 11 a cada dez pessoas próximas de Castanheira. Ele e a esposa costumam tomar uma garrafa por noite. Sua adega particular reserva em torno de 400 vinhos, parcialmente reabastecida a cada três meses. O favorito? Destaca o argentino Jorge Alberto Rubio, blend das uvas Malbec e Merlot, que costuma presentear aos amigos.

Eterno professor

Em 1984, durante a aplicação de um curso na Bahia, Castanheira conheceu o futuro ministro das Comunicações e ex-governador do estado, Antônio Carlos Magalhães. A impressão do ministro com o trabalho e a pessoa de Castanheira oportunizaram o convite para trabalhar na Telebras, mas em uma função diferente do habitual: no marketing da companhia.

“Toninho, sem chance!”

“É uma oportunidade de você conhecer a área. Vai para Brasília e fica lá o tempo que for necessário até entender como funciona o marketing”, retrucou ACM a Castanheira quando disse não conhecer a função.

Com a então esposa e os dois filhos, trocou o frio curitibano pelo calor de Itabuna, lotado na Telecomunicações da Bahia. Viveu lá por dois anos, mas mais em Brasília devido aos compromissos oficiais do que propriamente em casa. A saudade dos amigos e da família que a esposa sentia motivou Castanheira a pedir transferência para a Telepar, em Curitiba. O retorno ao lar o colocou como responsável no centro de treinamentos da empresa, mais uma vez na rota da educação.

“Eu jamais parei de dar aula. Eu fui, como disse, trabalhar numa multinacional durante o dia, mas dando aula à noite. E nas próprias empresas onde trabalhei, sempre foi com treinamento, mas também dando aula à noite em duas universidades aqui em Curitiba”, resume a própria carreira antes de ingressar no IBPEX.

No início de 2000, teve a oportunidade de conhecer as duas figuras que deram origem à Uninter: o professor Wilson Picler, fundador e chanceler do grupo, e seu pai, Gabriel José Picler. A relação com a educação a distância ganhou forma em 2002, quando foi convidado a escrever dois livros pela Editora IBPEX, hoje Editora Intersaberes.

Das duas produções, a obra Noções básicas de matemática comercial e financeira era voltada ao curso de Secretariado, remoto. Castanheira foi então convidado a lecionar a primeira aula a distância da instituição do primeiro curso da modalidade.

As transmissões aconteciam no Centro Brasileiro de Educação a Distância (CBED), num prédio de dois andares no bairro Água Verde. Diferente do que hoje conhecemos com a internet, as aulas eram transmitidas por antenas parabólicas e o conteúdo da aula era armazenado em um disquete de 3 ½ polegadas. Mesmo lá, os alunos eram incentivados a participar, mas via ligação telefônica pelo 0800.

A primeira aula, há mais de duas décadas, resultaria no modelo de negócios da principal instituição de ensino superior a distância do país. Hoje, com mais de 800 polos no Brasil e 16 unidades internacionais, a Uninter chega a produzir mais de 10 mil horas de aulas gravadas por ano.

Para dimensionar a magnitude do número, Hollywood, a meca do cinema mundial, produziu 449 filmes em 2022; considerando uma média de 100 minutos para cada produção, o resultado é 13 vezes inferior ao volume produzido pela Uninter em um ano. “Estava iniciada a EAD no que viria a ser posteriormente a Uninter”, sintetiza o professor sobre o episódio.

Mesmo antes das salas de aula, físicas e virtuais, ou da portaria improvisada em uma, Nelson demonstrava amor às letras e aos números. O auxílio na educação prestado pelo avô fez do garoto um ávido leitor de Monteiro Lobato e alfabetizado aos 5 anos.

O enveredar pela matemática na idade adulta não o impediu de explorar temáticas diferentes ao longo de suas obras. “Como sempre fui da área de exatas, os nossos amigos pensam que só escrevo livro de exatas, principalmente na área de matemática, estatística e financeira. Mas isso não é verdade. Escrevo também coisas de outras áreas. Já escrevi capítulos de livros sobre a água, educação a distância, evidentemente sobre ferramentas para educação a distância. Enfim, temas diversos”, relata o professor polímata.

Nessas cinco décadas de ensino, publicou 40 livros, além de 49 artigos em revistas científicas e em anais de congressos nacionais e internacionais. A extensa carreira literária foi apreciada com a indicação à cadeira 35 da Academia de Letras José de Alencar, cujo patrono é outro imortal que dedicou sua vida à educação: o curitibano Lysimaco Ferreira da Costa.

A associação atua em Curitiba desde 1939. Com o objetivo de resguardar a língua portuguesa e suas complexidades, a academia reúne profissionais de diversas áreas que prezam pela difusão cultural brasileira e sua contribuição à sociedade. São 40 cadeiras patronímicas e outras dezenas de membros efetivos.

“Sempre me preocupei com os textos escritos, inclusive dos livros de estatística. Se o português não for claro, o entendimento do leitor não o será”, relata Castanheira, que há dois anos participa de encontros mensais com os demais membros da academia e agora conquista a “imortalidade”.

“A imortalidade não é do ser humano. A imortalidade é daquilo que ele deixa para a posteridade. O imortal está no fato de ele escrever obras que serão acessadas pelas gerações futuras, que toda vez que forem lidas estarão fazendo renascer a pessoa que as escreveu”, define.

Os esforços em prol da educação também são reconhecidos com outras honrarias. Pela Câmara de Curitiba, Castanheira foi homenageado com o Prêmio João Crisóstomo Arns em 2016. Já pela Assembleia Legislativa do Paraná, foi condecorado pela contribuição ao ensino superior e à pesquisa em 2013, seguido por menções honrosas em 2018 e 2023 pela contribuição à educação do estado.

“Ele é uma pessoa que sempre está privilegiando as pessoas porque tem muito conhecimento. Ele quer privilegiar as pessoas passando isso para elas”, diz a cunhada Mirta.

As maiores façanhas

Mesmo com tantas conquistas profissionais e acadêmicas, Castanheira reserva o maior orgulho a uma realização comum na vida dos homens: a paternidade. Em 31 de dezembro de 1978, nascia a primeira grande fonte de alegria, o primogênito Marcel.

Pouco tempo depois, em 18 de fevereiro de 1981, nascia a segunda: Marcella. Os dois filhos do primeiro casamento, hoje com suas respectivas famílias, relembram com carinho a dedicação do pai, desde a infância até o contato com os netos.

O curto período na Bahia foi marcante para ambos, próximos ao litoral e à praia de Porto Seguro. Era quando Castanheira se arriscava a quicar algumas bolas de beach tennis ou futebol. Quando passava os fins de sábado descascando amendoim e simplesmente conversando sobre a vida com os filhos. Até mesmo a “renegada” casa de praia em Guarapari é relembrada com carinho, em viagens que duravam um dia todo de Curitiba ao Espírito Santo a bordo de um Passat.

Sendo professor com bons anos de experiência, Castanheira participou ativamente do processo de educação dos filhos. Poderia perder fins de semana montando maquetes ou ajudando nos deveres de casa. Os ensinamentos eram tão claros que motivaram Marcel a seguir o caminho das exatas, especificamente o de engenharia mecânica, ramo em que atua hoje na Vale, no Espírito Santo.

O filho mais velho era o fiel escudeiro do pai na manutenção da casa. Fosse para auxiliar na ligação de cabos de energia ou no reparo de eletrodomésticos, Marcel estava lá para aplicar os conhecimentos passados pelo pai.

“Ele é o cara mais inteligente que eu conheço”, cita Marcel a respeito do pai. Fora de casa, o ensinamento se replicou na Facinter, onde Castanheira foi professor de algumas disciplinas na especialização de Marcel em Gerenciamento de Projetos. “A aula dele é muito detalhada, muito embasada em metodologias. A aula dele sempre foi muito boa. O transmitir da informação dele em casa e na sala de aula é fenomenal”.

Já Marcella é formada em Turismo, mas atua no ramo dos negócios. É proprietária de uma loja de roupas e, junto do marido e das filhas, toca um restaurante e um bar em Curitiba. “O que sou hoje, muito é dele. Herdei o caráter, o respeito ao ser humano e a obstinação”, declara sobre a influência do pai.

Com o filho caçula do segundo casamento, Kendric, Castanheira mantém um forte vínculo. Mesmo com 22 anos, finalizando a segunda graduação e dono do próprio negócio, o filho mais novo faz questão de estar perto do pai sempre que possível. Para jogar sinuca, ir a shows de rock ‘n roll ou simplesmente almoçar em um bom restaurante, o jovem é companheiro de toda hora do pai.

Castanheira saca de uma das pontas da mesa do trabalho uma agenda de encadernação preta. Folheia um tanto, localiza um breve texto no canto inferior de uma das páginas e exibe a escrita, com um pequeno sorriso ao fundo. “19 de novembro. Domingo. 3h00. GP de Las Vegas.” Não importa o dia ou o horário, ele e Kendric estarão juntos para acompanhar os grandes prêmios de Fórmula 1, sempre na torcida pela Ferrari.

Kendric é formado em Administração e, em dezembro de 2023, concluirá o curso de Engenharia da Computação, ambos pela Uninter. Como ocorreu com os irmãos mais velhos, Castanheira foi um professor dentro de casa para o filho mais novo, tornando-o mais um apaixonado pelo universo dos cálculos. “Se eu tinha qualquer dúvida, rapidinho ele me explicava, até melhor do que na escola”, recorda-se Kendric.

Além de pai, Castanheira é avô dos pequenos Raul e Alex (filhos de Marcel) e das jovens adultas Giovana e Luisa (filhas de Marcella). Muito antes disso, quando ainda mais Nelson que Castanheira, ele já exercia um tipo de figura paterna. “Ele é um segundo pai para mim. Até pela distância que temos de idade [12 anos], ele nunca deixou de me dar atenção”, conta o irmão caçula, Eduardo.

Hoje com 59 anos, Eduardo sempre viu no irmão mais velho uma figura inspiradora e com quem poderia contar. Ele vive até hoje no Rio de Janeiro, no mesmo Edifício Paranaguá, onde ele e os irmão cresceram.

Apesar da vinda a Curitiba quando jovem, Castanheira mantinha o contato com a família por cartas e telefonemas. Quando regressava ao Rio para visitá-la, fazia a alegria da casa, especialmente de Eduardo, que recebia toda vez uma caixa de brinquedos. O que o pai não podia comprar por falta de dinheiro era levado por Castanheira em longas viagens de ônibus, adquirido com esforço para o irmão mais novo. Foi assim, por exemplo, com um “totó” (pebolim) e um autorama que Eduardo guarda vividamente na memória.

“É uma das lembranças que realmente não sai da minha cabeça, sempre o carinho que ele teve comigo e com a família”, conta Eduardo quase sem respirar. Ele costuma vir a Curitiba uma vez por ano para visitar o irmão e a mãe. Segundo ele, uma coisa sempre se manteve ao longo de todos esses anos: os brilhos nos profundos olhos de Castanheira quando o vê.

Dos filhos, dos netos ou dos irmãos, Castanheira leva muitos minutos para descrever suas principais qualidades. Relata com notável elevação na voz o que cada um dos filhos faz nas respectivas profissões. Insinua alguns planos que tem para o futuro deles e guarda outros consigo. Mas não titubeia em revelar o que todos têm em comum.

“O que mais me orgulha é aonde chegaram, estão e estarão… Os meus filhos”, a fala entrecortada por dois segundos de silêncio.

Do milagre nasce um novo projeto

Católico, Castanheira sempre deu grande valor à religião. As reuniões das manhãs de segunda-feira da alta cúpula acadêmica da Uninter só são iniciadas após uma breve oração proferida por ele, por exemplo. A demonstração de fé foi ressignificada para ele e a quem o acompanha nos últimos anos.

No 35º dia de intubação, os médicos pouco tinham a fazer por ele. Os pulmões comprometidos não reagiam ao tratamento, que somente prolongava a silenciosa agonia de Castanheira e o desespero dos familiares. Foi decidido pelo grupo médico que era hora de Neliva visitar o marido para uma possível despedida.

O convite surgiu sob o pretexto de levar materiais de higiene para tratamento do paciente. Dois dias antes, Marcella já havia deixado uma boa quantidade para os cuidados do pai. Meio que sem entender, Neliva atendeu prontamente ao chamado e dirigiu-se ao hospital acompanhada de uma vizinha. Chegando lá, mais uma surpresa: a enfermeira responsável por Castanheira permitiu que Neliva e a amiga o visitassem na UTI.

As duas permaneceram ao lado de Castanheira por alguns minutos, testemunhando o estado crítico em que se encontrava. Trocando palavras em baixo tom para não perturbar o ambiente, a amiga sugeriu: “Vamos fazer uma oração para ele”.

Agora em voz alta, Neliva e a amiga começaram a rezar. Uma das médicas observou a cena pelo vidro da porta da UTI, decidindo não interromper o momento pois sabia da fragilidade de Castanheira. Em fim de expediente, continuou andando pelo corredor até deixar o hospital. Não pôde acompanhar o milagre que aconteceria a seguir.

A pressão arterial de Castanheira estava baixa, porém estável, desde o início da intubação. Durante a reza, a pressão disparou. A linha nos monitores se debatia nos parâmetros. O alarme soava tão alto quanto o som da oração. Castanheira dava os primeiros sinais de que acordaria daquele pesadelo.

O último dos cinco sentidos a fenecer é a audição. Castanheira acredita firmemente que, embora em coma induzido, teve a chance de ouvir o clamor das duas e despertar. Ou, como costuma dizer Wilson Picler sobre o episódio, “ressuscitar”.

No dia seguinte, Castanheira já estava no quarto. Havia perdido muito peso e muita massa muscular, não conseguindo andar. Passava a recobrar a consciência, a tentar entender tudo o que tinha passado durante mais de um mês desacordado. O mundo parecia outro.

Insistindo para voltar para casa, Castanheira deixou o hospital pela porta dos fundos poucos dias depois de desperto. Passaria a se tratar no conforto do lar, tomando remédios e com visitas ao médico. Na semana seguinte, foi ao consultório.

“Você é católico?”, o indagou o doutor.

“Sim. Por quê?”

“Pois então agradeça a Deus por estar vivo. Nós da medicina não tínhamos mais nada para fazer. Não sabemos como você sobreviveu.”

O que era para ser o último dia da vida de Castanheira se tornou o primeiro do restante dela. “A gente começa a olhar para a vida com mais carinho. Você passa a dar mais atenção para o seu entorno, para as pessoas”, diz ele. Castanheira, desde então, traçou seu maior projeto para o restante dos dias: viver ao máximo.

“A qualquer momento, você pode não estar mais aqui, e tem que aproveitar ao máximo esses momentos em que se está vivo e com saúde para poder contribuir com o dia a dia das pessoas e de sua organização. Não estamos aqui por acaso. Se estamos aqui, deve ter um propósito”, finaliza.

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Autor: Arthur Salles – Assistente de Comunicação Acadêmica
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: CNU e acervo pessoal


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