O Halloween é uma imposição cultural?
Autor: Renan da Cruz Padilha Soares*Não podemos aceitar a arbitrariedade de uma festividade que vem de fora e se impõe ignorando nossa cultura e tradição. Precisamos banir o Natal. Pareceu-lhe absurda esta frase? E é absurda mesmo, mas a provocação é válida. Muitos dos argumentos contrários ao aumento crescente da importância que as pessoas dão ao Halloween no Brasil apelam para uma teórica invasão cultural. Outro argumento presente é o apelo à nossa tradição cristã. Pois bem, as relações sociais e culturais são bem mais complexas do que os debates de redes sociais fazem parecer.
Eu não sou uma pessoa religiosa, mas cresci em uma família de tradição cristã e amo o Natal. Para mim, o feriado específico é um lugar de conforto, uma memória afetiva. Não quero, com isso, negar a característica religiosa da data, mas afirmar que esta e outras datas religiosas foram incorporadas em nossa cultura ganhando símbolos e significados que vão além dos pressupostos religiosos. Façamos a reflexão: o Natal não era celebrado pelos povos indígenas que ocupavam, há milênios, nosso território, na ocasião da chegada dos primeiros cristãos. O fato é que o Cristianismo foi imposto pelos povos conquistadores aos habitantes originais desta terra.
Podemos descrever o Halloween como algo vindo de fora, que adentra e altera a cultura tradicional de nosso país? É uma descrição possível, sim. Inclusive, não podemos esquecer que, guardada as devidas ressalvas para se evitar anacronismos, o Halloween chega nas terras brasileiras devido à força do imperialismo estadunidense, que espalha e impõe padrões culturais e de consumo como parte da estratégia de dominação econômica. Porém, hoje nas ciências humanas como um todo e na história em particular, entendemos que os processos de dominação não apagam a ação dos povos de territórios dominados.
O Cristianismo imposto aos diversos povos indígenas e africanos escravizados sofreu (e sofre) transformações significativas no contato com as diferentes e diversas culturas dos povos dominados. Através do sincretismo foram incorporados elementos únicos, muitos deles servindo como resistência à própria dominação. Hoje, o Halloween não chega em nossas terras sem sofrer mudanças e ser abrasileirado. Simplificar este processo com análises rasas que levem à simples rejeição ou adesão, em nada contribui.
Não existe cultura pura e imutável. A cultura de um povo se forma através do contato com o meio e com os outros povos. O meio muda, os povos mudam, e a cultura está em constante transformação. Estas transformações não são, necessariamente, horizontais e pacíficas. Trocas culturais também são fruto de violências físicas e simbólicas. Mas a resistência sempre estará presente. Mesmo quando ela incorpora e ressignifica traços culturais de um povo dominador.
*Renan da Cruz Padilha Soares é doutorando em Educação e professor dos cursos de História, da Área de Língua e Sociedade, do Centro Universitário Internacional Uninter.
Autor: Renan da Cruz Padilha Soares*