O critério de distinção das 40g pelo STF entre usuário e traficante

Autor: *Paulo Silas Filho

Nos últimos dias, a sociedade brasileira tem comentado com maior ou menor ênfase, a questão que foi recentemente decidida pelo Supremo Tribunal Federal acerca da definição de um critério objetivo para distinguir o usuário do traficante de drogas. Se, por um lado, há o aspecto positivo desse fenômeno, em que a comunidade dialoga e debate acerca de uma decisão judicial que acarreta em implicações de ordem prática em todo o âmbito nacional, por outro, há o grande problema da disseminação de informações falsas, que resultam em incompreensões sobre aquilo que de fato foi decidido pelo STF no final de junho desse ano.  

No próprio meio jurídico, há aqueles que não compreenderam o que de fato se decidiu no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 635.659. Exige–se, assim, um estudo mais acurado da questão, evitando que discursos destoantes sobre o julgado sejam propagados indevidamente. A análise nesse sentido exige parcimônia, atenção e tempo, suspendendo-se juízos críticos prévios que atrapalhem a compreensão daquele que busca entender minimamente o que ficou decidido pelo STF sobre o tema.  

É importante apontar para algumas questões de base que precisam ser consideradas e resolvidas como um primeiro passo na busca pela compreensão daquilo que vem sendo anunciado como a decisão que descriminalizou o porte de drogas para consumo próprio. 

Em primeiro lugar, não houve legalização de qualquer droga. O tráfico permanece sendo um crime com sanção penal considerável (conforme prevê o artigo 33 da Lei n.º 11.343/06), assim como não houve qualquer tipo de liberação para o uso de drogas consideradas ilícitas. Portanto, não há que se falar em liberação.  

Em linhas gerais, o que o STF decidiu sobre a questão foi o afastamento da natureza penal da conduta de portar droga para consumo próprio. A ilicitude permanece sendo considerada enquanto tal, mas não no campo penal, o que significa dizer que aquele que tem consigo droga ilícita para consumo próprio não incorre em prática criminosa. No entanto, esse ato continua sendo um ilícito. 

Por mais que, há anos, já existisse uma controvérsia no meio jurídico sobre em que sentido se dava a infração do porte de drogas para consumo próprio, sempre prevaleceu o entendimento de que a natureza dessa infração era penal. Isso significa que, por mais que as penalidades previstas em lei para o usuário de drogas não acarretassem prisão, portar drogas para a própria pessoa consumir era considerado um crime com todas as consequências inerentes à prática de um ilícito penal. 

Dito isso, a decisão do STF acerca do tema implicou no sentido de continuar considerando o porte de droga para consumo próprio uma infração jurídica, mas não mais de caráter penal. A inconstitucionalidade (sem redução de texto) declarada pela Corte para com relação ao artigo 28 da Lei n.º 11.343/06 foi julgada para afastar qualquer efeito de natureza penal do dispositivo, mantendo, porém, as medidas previstas no texto legal até que o Congresso Nacional legisle especificamente sobre a matéria. 

Em segundo lugar, a decisão do STF trata especificamente da maconha (cannabis sativa) como droga ilícita a que o julgado se refere, sendo essa substância sobre a qual a decisão produz os seus efeitos. 

Em terceiro lugar, por permanecer sendo um ilícito jurídico, não passou a existir qualquer permissão expressa para portar maconha para consumo ou até mesmo consumi-la. A decisão foi bastante clara na tese firmada ao preceituar que a autoridade policial deve apreender a substância ilícita e notificar o usuário para comparecer em juízo, afastando-se apenas, como já pontuado, o efeito penal da reprimenda cabível. 

Por fim, mas longe de encerrar a discussão sobre o tema que merece uma abordagem muito mais ampla, o fator que talvez mais tenha chamado a atenção na decisão foi a adoção do critério das 40g para distinguir o traficante do usuário de drogas. O STF assim decidiu para estabelecer um critério objetivo para o enquadramento de pessoas abordadas portando maconha enquanto usuárias ou traficantes, o que não existia até então. É aqui que se teve a efetiva novidade, mas que ainda assim não resolve em definitivo a problemática que paira sobre a questão. 

Ao fixar o critério das 40g, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu uma presunção jurídica de que o porte de maconha dentro desse limite de peso é destinado para o consumo pessoal, de modo que a pessoa deverá ser considerada e enquadrada como usuária. Entretanto, a tese fixada pela Corte também declara que essa presunção é relativa.  

Mesmo abaixo dos 40g, a pessoa pode ser presa e considerada traficante se houver indícios de tráfico, conforme o artigo 33 da Lei n.º 11.343/06. A polícia pode avaliar as circunstâncias para determinar se a droga é para venda, afastando a presunção de consumo pessoal. 

Isso mostra que o STF não legalizou o porte de maconha para consumo próprio e é bem diferente do que está a se propagar erroneamente no senso comum. Há muito o que ainda se avançar, analisar detidamente e dialogar criticamente sobre a política de drogas no Brasil. O primeiro passo, porém, é se ver livre de incompreensões e interpretações equivocadas sobre o que se tem decidido atualmente sobre o tema pelo Poder Judiciário. Somente assim, o debate pode ser proveitoso e salutar.  

*Paulo Silas Filho é advogado, escritor e professor no Centro Universitário Internacional Uninter.  

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