O ciclo da pandemia, da infecção ao desenvolvimento de vacinas e tratamentos
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoA pandemia pode ser uma situação nova para as gerações das últimas décadas, mas o planeta tem um longo histórico de pandemias. No século 14, por exemplo, a peste bubônica arrasou a Europa e estima-se que levou à morte de 200 milhões de pessoas. Assim como a varíola, que contabiliza cerca de 56 milhões de mortes pelo mundo todo, e a gripe espanhola (foto), que causou algo entre 40 e 50 milhões de mortes. Mais recentemente, tivemos a SARS, a MERS e o Ebola.
Com a explosão da Covid-19 pelo mundo, surgiram vários questionamentos sobre a segurança de uma população mundial que nunca havia passado por um fenômeno como este. Hábitos e rotinas foram modificados, com novas orientações a cada dia sobre como as pessoas deveriam se comportar para sua própria segurança e a de pessoas próximas. A expectativa sobre a busca por tratamentos e vacinas para o combate do novo coronavírus só aumenta com os meses de isolamento e distanciamento social.
Com isso, as pessoas começam a entender a importância da ciência, que tem recebido maior valorização neste período. A professora e cientista Larissa Vuitika, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), abordou os principais pontos e maiores dúvidas da população neste momento acerca da pandemia durante o programa Geociências: Conjuntura e Debate, transmitido na página do curso no Facebook, com o tema A ciência na busca da vacina contra a Covid-19: dilemas e avanços.
Por que e como surgem as pandemias?
De acordo com Larissa, a grande causadora das pandemias é a globalização, com as explorações dos seres humanos, desde as rotas marítimas nos séculos passados. Com as idas e vindas entre os continentes, agentes infecciosos que existem apenas em uma localidade são levados e espalhados pelo mundo todo através de movimentações de comércio, política, turismo.
“Um dos problemas mundiais é a falta de saneamento básico, a gente não precisa ir muito longe. Aqui no Brasil nós temos um problema muito grande por falta de saneamento, não temos o tratamento de esgoto suficiente, água tratada potável e limpa para consumo. Isso faz com que os agentes infecciosos, como bactérias, fungos e vírus circulem por uma falta de tratamento, e as pessoas que residem próximas dessas localidades são mais suscetíveis a adquirir esse tipo de doença”, afirma.
Com a superpopulação do planeta, que chegou a 7,8 bilhões em julho de 2020, surge também a questão da alimentação. O avanço da agropecuária e das monoculturas começa a invadir ambientes silvestres para criação de pastos e plantações. Nestes espaços, existe um microambiente de bactérias, fungos e vírus. Devido a isto, os animais silvestres acabam invadindo áreas urbanas e, quando infectados, transmitem doenças para as pessoas. Assim como o gado criado nessas áreas pode também ser infectado e transmitir doenças no consumo de sua carne.
“Nós somos animais exploradores, nosso comportamento tem esse preço, que a gente fica mais exposto e mais suscetível a novos patógenos”, ressalta Larissa.
Variedades de coronavírus
O coronavírus é chamado de novo porque outras variações deste vírus já surgiram antes. O primeiro, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), apareceu na China em 2002, mas foi rapidamente contido, somando 700 mortes pelo mundo. Já a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) surgiu em 2012, e causou 850 vítimas fatais.
O SARS-Cov-2 é o novo coronavírus, nomeado como Covid-19. Ele surgiu na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, e se espalhou rapidamente pelo mundo todo. Até o dia 28.ago.2020, quase 24,5 milhões de pessoas já haviam sido infectadas, contabilizando mais de 800 mil mortes. São cerca de 4 milhões de infecções no Brasil, deixando quase 120 mil vítimas em território brasileiro até então.
“Esses três vírus têm muitas similaridades morfológicas e modos de infecção muito parecidos, mas as diferenças genéticas e moleculares fizeram com que o SARS-Cov-2 se adaptasse muito melhor no ambiente humano e fosse muito mais violento para as pessoas”, explica Larissa.
Estes tipos de vírus infectam primeiro os morcegos e, de alguma forma, “pulam” para outros animais e vão para os seres humanos. A primeira SARS-Cov começou com a infecção de um animal chamado civet cat, já a MERS através dos camelos, muito utilizados no Oriente Médio como transporte. A teoria para o Covid-19 é que ele tenha sido transmitido para o ser humano pelo pangolin, um mamífero escamado que vive em ambientes silvestres.
“Não só na China. Aqui no Brasil, como em qualquer lugar, tem os mercadões populares que vendem carnes silvestres, carnes de caça. Desse tipo de comportamento de alimentação, o SARS-cov-2 pulou para o ser humano”, explica a pesquisadora.
O desenvolvimento e as estratégias utilizadas nas vacinas
A cientista conta que para produzir uma vacina eficiente e segura, desde a descoberta do antígeno e realização de todos os testes, normalmente leva-se de 10 a 15 anos. Quase seis meses depois da Organização Mundial da Saúde (OMS) ter declarado a pandemia, algumas vacinas já se encontram na fase três, o que geralmente levariam cerca de 10 anos, com mais ou menos três anos para cada fase.
“É perigoso, mas eu vou falar uma coisa para vocês: eu nunca vi o mundo tão mobilizado, todos os cientistas de todas as áreas, por essa pandemia. Tem muita gente envolvida, muita discussão, a OMS está muito em cima desses dados para que passem para as outras fases”, salienta Larissa.
O coronavírus foi visualizado pela primeira vez por June Almeida, uma cientista escocesa, nos anos 1960. A partícula circular é formada por algumas proteínas e uma delas, a spike, é o principal alvo das vacinas. Até o início de agosto, mais de 160 estavam sendo desenvolvidas pelo mundo. Destas, cinco nas fases III e IV e duas delas passando por testes no Brasil.
A de Oxford, na Inglaterra, está sendo coordenada pelo doutor Pedro Follegati na Escola Paulista de Medicina, na USP. Para esta, é utilizada a estratégia de um vetor adenoviral inativado. Os cientistas pegam uma parte do genoma do SARS-Cov-2, introduzem em um vírus inativado, que não faz mal para o ser humano, constroem o adenovírus e injetam em seres humanos.
“Eu gosto muito de falar, porque o Pedro Follegati é um brasileiro, ele é o primeiro autor do paper, e eu sempre acreditei que grandes contribuições da ciência brasileira seriam muito importantes nesse momento que a gente está vivendo. A gente não sabe se é a vacina que vai chegar lá na frente, que vai ganhar a corrida, mas estou muito feliz de ter um brasileiro participando, sendo um chefe de uma pesquisa de vacina”, ressalta Larissa.
A vacina desenvolvida na China é a atenuada. Eles isolam o vírus, o expandem em laboratório e o inativam, testando em camundongos, células, primatas não humanos. “Depois, passam para as fases dois e três em humanos, o que já está acontecendo aqui no Brasil e sendo chefiado pelo Instituto Butantã. Os resultados de fase um e fase dois ainda não foram publicados, então a gente está aguardando”.
Larissa também faz parte da equipe que está desenvolvendo uma vacina no ICB. Nesta, eles utilizam uma técnica chamada VLP, já utilizada em outras vacinas conhecidas, como a hepatite B.
“O Gustavo [Cabral de Miranda], que é o meu supervisor, está chefiando aqui no Brasil essa estratégia. É uma partícula muito parecida com o vírus, mortificada, muito fácil de produzir em laboratório. Eu consigo modificar quimicamente essa vacina e decorar essa partícula com a proteína spike. A vantagem é que essa partícula vai mimetizar o vírus, eu não vou precisar utilizar adjuvantes, ou seja, outros compostos químicos que podem causar uma reação adversa. Quanto mais eu estudo essa estratégia mais eu tenho esperança na vacina que nós estamos desenvolvendo aqui. Na literatura ela não é tóxica, ela tem uma resposta imune muito elevada, é de um custo baixo, eu consigo aqui no laboratório produzir em altas quantidades”, explica.
A cientista acredita que a vacina mais avançada até este momento é a de Oxford, que já está na fase três e tem dados científicos publicados em revistas científicas. Apesar da declaração da Rússia de que tem a primeira vacina pronta para uso, Larissa acredita ainda não ser confiável.
“A gente tem que ter muito cuidado. Eu torço para que seja a mais avançada mesmo e que funcione, mas eu como cientista só vou acreditar quando tiver o acesso a esses gráficos, aos números e às estatísticas.”
Um possível tratamento alternativo
Uma pesquisa tem sido realizada sobre o uso de soroterapia para o tratamento de combate a Covid-19. Neste caso, o vírus foi injetado em cavalos, retirando um plasma com anticorpos, que os pesquisadores observaram ser eficaz no processo de neutralizar o coronavírus. Segundo Larissa, tem alta resposta e alta especificidade com o SARS-Cov-2.
“Isso é fantástico. Esse tipo de tratamento, que nós chamamos de soroterapia, já está sendo feito, por exemplo, para o Ebola. Muito pacientes estão sendo tratados com soroterapia e é um tratamento bastante promissor”, diz.
Fake news e meios confiáveis de informação sobre a pandemia
Junto com as incertezas e a necessidade de respostas rápidas veio a disseminação de notícias falsas. Entre elas, curas milagrosas com receitas caseiras e até mesmo a teoria da conspiração de que o vírus da Covid teria sido fabricado em laboratório. Hipótese essa imediatamente descartada por cientistas.
“Dentro de um laboratório de pesquisa, com todas as nossas técnicas moleculares, a gente consegue identificar as cicatrizes moleculares, se um tipo de microrganismo foi criado geneticamente, artificialmente. Todas as evidências científicas descartam que ele foi criado em laboratório. Ele é um vírus natural presente em morcegos, presente ali naquela microbiota, naquele ambiente silvestre. Os artigos demonstram que ele não foi criado em laboratório por métodos de sequenciamento, por métodos de comparação molecular”, garante a cientista.
Além do desafio que a própria doença traz, ainda é necessário lutar contra o compartilhamento destas informações que só causam ainda mais insegurança e desinformação para a população. Larissa cita o site da Fio Cruz como uma ótima fonte, que tem todas as informações e avanços sobre a pandemia. Assim como o site e as redes sociais da Revista FAPESP, instituição que fomenta a pesquisa em São Paulo.
Para aqueles que gostam de assistir a documentários, a cientista aconselha os títulos Pandemia, Flu e Explicando o Coronavírus, todos disponíveis na plataforma de streaming Netflix. Já quem gosta de ouvir as novidades enquanto realiza outras atividades, existem os podcasts A Terra é Redonda, da Revista Piauí, e o Plantão Coronavírus, da Folha de S. Paulo, que podem ser acessados pelo Spotify.
O bate-papo completo foi mediado pela professora Renata Garbossa, coordenadora da área de Geociências da Uninter, que afirma que “sem ciência nós não conseguiremos prosseguir. Nós temos hoje no Brasil mais de 1,3 mil equipes pesquisando nas universidades sobre essa pandemia”.
Larissa também destacou a importância do trabalho de pesquisa no Brasil. “Acredito que o Brasil tem que ter a sua hegemonia na sua produção de imunobiológicos, a gente tem que ser autossuficiente e – por que não? – exportar. A importação desses insumos custa dinheiro e a gente tem que investir em nós mesmos, nos nossos brasileiros, então a gente tem que ser autossuficiente na nossa vacina, com certeza”, Larissa.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Fars News Agency e Otis Historical Archives, National Museum of Health and Medicine