O Brasil na TV: 70 anos de história

Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de Jornalismo

A televisão brasileira completou 70 anos no último dia 18 de setembro. A palavra ‘televisão’ carrega alguns significados. Pode ser entendida como indústria, plataforma ou objeto. Independentemente do significado que se dê, a televisão faz parte da vida dos brasileiros. Seja pela internet ou pelo formato tradicional, o país vive ligado nela, e contar sua história é também contar a história do Brasil.

O professor Guilherme Carvalho, coordenador do curso de Jornalismo da Uninter, explica como a televisão faz parte das nossas vidas. “Se olharmos atualmente, neste período de pandemia, o que vemos é uma televisão mais presente na vida dos brasileiros. As pessoas estão recorrendo mais à TV para buscar informação, um fenômeno decorrente também do isolamento social e da necessidade de se informar ou se entreter. Se pensarmos a TV como um suporte do audiovisual, ela está bem posicionada, porque além de canais de TV aberta ou por assinatura, também assistimos ao streaming pelos aparelhos de televisão”, explica o coordenador.

O jornalismo tem grande importância na história da televisão. Junto das transformações tecnológicas, surgem novos produtos informativos. “Para além dos produtos jornalísticos que se mantêm nos dias de hoje, temos também ‘novos’ produtos que ganham mais espaço nas novas plataformas, como é o caso dos documentários ou grandes reportagens produzidas para streaming. Outro exemplo é o sucesso das lives. Há várias possibilidades se abrindo. A questão, me parece, é qual será o limite que precisaremos estabelecer para dizer o que é o que não é jornalismo, o que é ético e o que não é”, pondera Guilherme.

As origens da TV no Brasil

Tudo começou oficialmente no dia 18 de setembro de 1950. Às 17 horas, na capital do estado de São Paulo, entrava no ar a TV Tupi. “Está no ar a TV no Brasil”, anunciava o apresentador Homero Silva, pouco antes da execução do Hino da TV, cantado por Lolita Rodrigues. “TV na Taba” foi o nome do primeiro programa de TV no Brasil, que contou com a participação de várias personalidades da mídia da época, como Lima Duarte, Hebe Camargo, Mazzaroppi, Yara Lins, entre outros.

Assis Chateubriand (foto) foi o grande entusiasta da empreitada televisiva brasileira. Importou tudo, desde os equipamentos para fazer televisão até as próprias televisões. Seu império midiático, os Diários Associados, propiciaram os investimentos para levar a TV para dentro das casas de milhões, criando um novo mercado.

O rádio era um sucesso e atingia a maioria do país. Quando a televisão chegou ao Brasil, ela não era para todos. Um aparelho custava três vezes mais caro que o rádio mais moderno e pouco menos do que um carro popular. Até o começo da década de 70, 75% dos aparelhos estavam no eixo Rio-São Paulo, conforme dados do Censo Demográfico Nacional.

Mas o que começou na cidade de São Paulo foi aos poucos se expandindo para outras partes do país. O Rio de Janeiro foi a segunda cidade a produzir televisão no Brasil. Na década de 60, Salvador e Curitiba receberam suas primeiras emissoras de TV, a TV Itapoan e a TV Paranaense, respectivamente. A TV Gaúcha também iniciou suas transmissões.

Programas jornalísticos foram produzidos em todas as emissoras. O primeiro telejornal do Brasil se chamava “Imagens do Dia”, transmitido pela TV Tupi e apresentado pelo jornalista Maurício Loureiro Gama, que como a maioria dos profissionais do novo mercado, veio do rádio. Outros telejornais de destaque foram o “Repórter Esso”, “Telenotícias Panair”, “Telejornal Bendix”, “Reportagem Ducal” e “Telejornal Pirelli”, transmitidos pelas emissoras TV Paulista, Excelsior e Tupi.

O “Jornal Nacional”, que foi chamado assim por ser patrocinado pelo já extinto Banco Nacional, estreou em setembro de 1969, apresentado por Heron Domingues, conhecido nacionalmente pelo “Repórter Esso”, e Léo Batista. No ano seguinte, o “Repórter Esso”, programa jornalístico tradicional na sociedade brasileira desde os tempos do rádio, deixa de ser transmitido – sua última emissora foi a TV Record.

As telenovelas aos poucos vão caindo no gosto do público e se tornam um produto midiático de sucesso. A primeira novela brasileira foi “Sua Vida Me Pertence”, estrelada por Walter Forster e Vida Alves, que protagonizaram o primeiro beijo da TV. A novela era transmitida ao vivo duas vezes por semana, em 1951. Glória Magadan, cubana radicada no Brasil, e Janete Clair, grande autora de radionovelas, se destacam como as primeiras autoras titulares em um mundo dominado por homens como Dias Gomes, Walter Negrão, Manoel Carlos, entre outros.

Com o passar dos anos e a chegada do videoteipe (equipamento que permitiu a gravação prévia de programas), as novelas ganham mais agilidade e contemporaneidade em suas histórias. A produção melhora, com mais cenas externas, trilha sonora desenvolvida para as personagens, diálogos coloquiais com gíria e merchandising. “Beto Rockfeller”, protagonizada por Luiz Gustavo, na Tupi, e “Véu de Noiva”, escrita por Janete Clair na Globo, são as primeiras tramas contemporâneas da TV, que antes transmitia enredos com temática épica e cuja dramaticidade se aproximava das novelas mexicanas.

Anteriormente, as novelas e shows eram escritos pelas agências de publicidade, que escreviam os roteiros e funcionavam como mediadoras entre as empresas de TV e os anunciantes. A Globo, inaugurada em 26 de abril de 1965 pelo empresário Roberto Marinho, dono do jornal O Globo, mudou essa relação e foi a primeira televisão a produzir inteiramente seus programas e contratar publicidade diretamente com os anunciantes, mudando o mercado para sempre.

O Estado Brasileiro e a televisão

Um acontecimento da história nacional foi determinante na produção de conteúdo e desenvolvimento das telecomunicações no Brasil. Trata-se da ditadura militar, instaurada por meio de um golpe de estado contra o presidente João Goulart em 1964, que durou até 1985, com a eleição indireta de José Sarney. O regime, após a instauração do AI-5 (ato institucional que fechou o congresso nacional e deu plenos poderes ao executivo), começou a investir pesado em propaganda política na mídia e censurou diversos conteúdos que considerava subversivos, utilizando a Lei de Segurança Nacional.

A AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas) era o órgão responsável pela censura e distribuição de verbas públicas para veículos de mídia. Existir midiaticamente no Brasil era impossível sem o suporte do regime. O jornalista Wladmir Herzog, que trabalhava na TV Cultura, foi morto pelos militares na década de 70. No entanto, o Estado brasileiro apenas reconheceu o fato em 1998, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Por mais que os anos passem, o telejornalismo brasileiro ainda carrega marcas da ditadura. “A história mostra que herdamos um jornalismo com restrição a certas liberdades. Nossa história é marcada por períodos de restrição ao acesso à informação, para garantir interesses particulares, políticos ou econômicos, de uma elite. Isso, obviamente, impacta a maneira como o público encara o jornalismo e sobre como os jornalistas o fazem. Isso marca, é claro, o telejornalismo também. Não significa que não tenhamos bom jornalismo sendo feito no Brasil. É claro que sim. Temos grandes telejornais no país. O Jornal Nacional, o Fantástico, o Jornal da Record, o Jornal da Cultura, entre outros, trazem grandes reportagens produzidas por grandes profissionais”, explica Guilherme.

O Estado foi o principal viabilizador da mídia no Brasil. Por meio de empresas como a Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações) e o CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações), o governo sistematizou a expansão do sistema de transmissão das TVs, com a instalação de retransmissores por todo o território nacional e a compra de espaços em satélites internacionais de comunicação, como o Intelsat (International Telecommunications Satellite Organization). Em 1976, o Brasil era o quarto maior usuário do Intelsat no mundo.

Década Perdida?

Na década de 80, há grandes mudanças no cenário das comunicações, além da censura já estar interferindo menos na produção de conteúdo das TVs, jornais e rádio. A TV Tupi sai do ar em 18 de julho de 1980, em meio à falta de pagamento de seus funcionários e dívidas enormes. Sucessivos incêndios em estúdios (algo comum nas TVs da época) inviabilizaram a continuidade da primeira emissora de TV do país. As concessões públicas da Tupi são vendidas para dois empresários, Silvio Santos, que fundaria o SBT (anteriormente chamado de TVS) em 1981, e Adolpho Bloch, que fundaria a Rede Manchete em 1983. Outra emissora que surgiu na época foi a TV OM, a primeira emissora com programação nacional sediada fora do eixo Rio-São Paulo. A cidade escolhida foi Curitiba.

A década de 1980 é muitas vezes chamada de “a década perdida” por causa das crises econômicas, mas para a TV ela foi um período de grandes conquistas. “Roque Santeiro”, novela censurada pelo governo militar em 1975, estreou dez anos depois na Globo e foi a novela brasileira de maior sucesso de todos os tempos, atingindo 90% de participação na audiência. Em 1986, a TV Cultura estreia o “Roda Viva”, programa de entrevistas que está no ar até os dias de hoje e se tornou um espaço tradicional no telejornalismo.

O SBT faz sucesso trazendo programas da televisão mexicana e estadunidense, destaque para as novelas “Os Ricos Também Choram” e “Chispita”, ao lado do humorístico “Chaves” e da série “Pássaros Feridos”. A Rede Manchete desponta na teledramaturgia com as novelas “Dona Beija” e “Kananga do Japão”, incomodando as rivais. No final da década, em 1989, estreia na Globo o programa “Domingão do Faustão”, apresentado por Fausto Silva até hoje, e as televisões transmitem ao vivo a queda do muro de Berlim.

Aprimoramento Constante

Os anos 1990 começam com uma nova constituição, promulgada em 1988, e a chegada do primeiro presidente eleito democraticamente, Fernando Collor. Sua política econômica, chamada Plano Brasil Novo, tinha como objetivo controlar a inflação e obrigou as empresas de TV a reduzirem seus quadros de funcionários. Cenário que se repetiu em diversos setores da economia brasileira.

A MTV Brasil (Music Television), filial da MTV estadunidense comandada pelo Grupo Abril, surge em São Paulo como o primeiro canal de conteúdo segmentado e com transmissão de programação ininterrupta. Na época, era comum as televisões saírem do ar durante a madrugada, coisa que hoje não acontece mais. A Rede Record, emissora de TV mais antiga em funcionamento até hoje, é adquirida pela Igreja Universal do Reino de Deus, comandada por Edir Macedo, que investe pesado na programação de esportes e jornalismo.

Durante essa década, a Globo, líder invicta de audiência desde os anos 70, teve seus primeiros momentos de vice-liderança com o sucesso da novela “Pantanal”, na Rede Manchete, e o programa dominical “Domingo Legal”, no SBT, apresentado por Gugu Liberato, que batia de frente com o “Domingão do Faustão”.

A TV a cabo chegou ao país com concessões distribuídas em 1990 para empresas como TVA e Globocabo (consórcio formado pelo Grupo Globo, NET e Multicanal). Começaram a operar em 1991. A tecnologia também incentivou as televisões a investirem em interatividade. Programas utilizaram a telefonia para colocar o telespectador no comando da atração. Em “Você Decide”, da Globo, era transmitida uma história cujo final era decidido pelas ligações dos telespectadores. O “Fantástico” pautava temas importantes da semana no quadro Pesquisa do Fantástico, e cabia aos telespectadores decidir se eram contra ou a favor da temática.

Nos anos 2000, formatos como reality shows fizeram sucesso com o público brasileiro. O primeiro reality show produzido no Brasil foi “No Limite”, apresentado por Zeca Camargo na Globo. O programa, versão brasileira do estadunidense Survivor, colocava 12 participantes em uma floresta com poucos recursos para viver, e a cada semana um deles era eliminado.

Mas o formato vai emplacar mesmo a partir dos realities de confinamento e com votação popular para eliminação de participantes. “Casa dos Artistas”, exibido pelo SBT em 2001, foi produzido às pressas para imitar o formato do “Big Brother”, que estava em pré-produção pela Globo e viria a estrear em 2002. O BBB foi um divisor de águas no entretenimento brasileiro, foi a primeira vez em que os setores de jornalismo e entretenimento da Globo se uniram para produção de conteúdo.

Nos anos 2010, chega a TV digital no Brasil, o que faz as emissoras investirem em equipamentos compatíveis com o formato HDTV (High Definition Television). O Brasil é o maior produtor de telenovelas do mundo e a Globo exporta seus enredos para mais de 180 países. A Rede Record consolida sua presença em Portugal e tira o SBT da vice-liderança na audiência brasileira.

O cenário que se estabelece hoje é a união da TV com a internet, não há mais como separar as duas mídias. Guilherme Carvalho explica que “a TV não vai morrer, porque a TV de hoje já não é mais a de antes da internet. Ela está incorporando as características de um meio convergente, que promove a relação entre o que entendemos como mídia tradicional e novas mídias. Hoje a TV precisa ser encarada como um suporte para o audiovisual. Se pensarmos dessa maneira, veremos que a TV continuará presente por muito tempo em nossas vidas”.

A história e as transformações da televisão nos mostram que o futuro já começou, como diz aquela famosa canção televisiva de final de ano.

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Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


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