Muito além de uma selfie na guerra
Casas e prédios destruídos, carros despedaçados famílias desfeitas pela morte: este é o cenário da Síria desde março de 2011. A guerra civil é responsável pela destruição da infraestrutura do país e por uma grave crise humanitária regional. Diante dessa situação, o único pensamento dos habitantes sírios é encontrar um lugar melhor, longe da guerra, onde possam reconstruir suas vidas e seguir adiante. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o conflito deixou mais de 11 milhões de cidadãos deslocados e, destes, mais de 4 milhões deixaram o país.
Em um artigo publicado na Revista Uninter de Comunicação (RUC), a professora Adriana Ferreira analisou a A selfie dos refugiados sírios como uma narrativa autobiográfica, demonstrando elementos sobre o modo de vida dessa população. A publicação girou em torno de um projeto chamado Je suis refugees, de 2015. A proposta é dos fotógrafos italianos Patrícia Franceschetti e Romano Cagnoni, que por meio de selfies de refugiados contam um pouco da história de cada indivíduo. Segundo a professora, o projeto tinha como objetivo reafirmar a existência, a identidade e a personalidade dos exilados sírios.
Adriana afirma que o deslocamento feito pelos emigrantes é longo e muitas vezes a pé, com muitas dificuldades sendo encontradas pelo caminho. Diante disso, chegar ao seu destino final é sempre motivo de comemoração. Avisar familiares, amigos e vizinhos que chegaram bem e estão vivos, utilizando aplicativos tecnológicos como WhatsApp e Instagram, concretiza-se então como uma forma de celebração. Com os autorretratos, os refugiados podem estabelecer o elo entre o presente e o passado através do armazenamento dos arquivos em seus celulares, preservando assim suas memórias e identidades.
Selfies são consideradas narrativas testemunhais e também autobiográficas, pois os sujeitos são atuantes como autores, personagens e narradores de sua própria história. Nesse sentido, se faz necessário a criação de um diálogo com o leitor, e isso se realiza através do pacto autobiográfico. De acordo com o artigo da professora, este pacto caracteriza-se quando o leitor percebe que os três elementos de uma obra – autor, personagem e narrador – são a mesma pessoa.
Adriana conta que existe uma necessidade de os refugiados expressarem sua história de alguma forma, o que acontece geralmente pela relação de “ponte”, ou seja, pelo desejo de produzir e compartilhar sua experiência com o outro. Dessa forma, é possível que grupos de sírios que vivenciam o deslocamento e a fuga contem suas histórias por meio de uma prática contemporânea atuante em diversos lugares, a selfie.
Os retratos normalmente mostram o refugiado à frente e com uma profundidade de campo em que se pode observar outros elementos, como rua de chão batido, escombros, barracas e, em alguns casos, companheiros de caminhada. Segundo Adriana, após a destruição do país a população síria não se sente mais parte da sociedade. Apesar de dividirem o mesmo espaço, a sensação de pertencimento ao lugar não existe mais.
O artigo conclui que a selfie representa para esse grupo social muito mais que um registro ou testemunho de sobrevivência. Após um deslocamento forçado causado pela guerra, os sujeitos sobreviventes criam suas narrativas através do autorretrato e pela necessidade de reafirmar suas identidades e preservar suas memórias.
Autor: Beatriz Vasconcelos - estagiária de JornalismoEdição: Mauri König / Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Reprodução Adriana Ferreira de Oliveira/http://news.com.au