Mestrado traça os efeitos do trabalho escravo sobre o trabalho doméstico
Um dos momentos mais importantes para a história do Brasil foi quando a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel no ano de 1888, libertou mais de 700 mil escravos que ainda existiam no país, extinguindo a escravidão. Porém, chegar até a assinatura da lei não foi algo simples: o processo de abolicionismo demorou décadas, sendo o Brasil o último país da América Latina a abolir a escravidão.
Hoje, 130 anos se passaram desde esse acontecimento, mas a nossa sociedade ainda carrega as marcas do período escravocrata. Afinal, foram 300 longos anos de trabalho escravo no Brasil, com profundo impacto para a formação do país.
O assunto foi escolhido como tema de pesquisa por Thaís de Souza Lima Brodbeck, mestranda em Direito da Uninter, que defendeu no mês de fevereiro sua dissertação intitulada “A concepção jurídica do trabalho doméstico no contexto da transição da escravidão para o trabalho livre”. Como o título já indica, a pesquisa trata de como se formou a concepção jurídica do trabalho doméstico, dentro do recorte histórico desse período.
“Essa transição é bastante importante, pois ela coincide com o processo de urbanização, que é onde a gente vai ter, de forma efetiva, a presença do trabalho doméstico como a gente conhece”, afirma Thaís.
Segundo ela, o trabalho livre sempre existiu. “Não podemos pensar que só existia trabalho escravo no Brasil. Porém, de forma clara, o trabalho livre era muito menos expressivo, na medida em que a mão de obra escravizada era muito mais útil e consistente”. Conforme aponta a pesquisa de Thaís, a própria legislação referente ao trabalho doméstico no século XIX é influenciada por essa relação de proximidade com o trabalho escravo.
“Sendo tão presente e específico, esse modelo de trabalho vai condicionar a forma como se vê o trabalho livre, e, por via de consequência, o trabalho doméstico, que meio que independia de ser livre ou escravo”, explica a mestranda. Ela complementa que possuímos, ainda, um viés escravista no que diz respeito às relações de trabalho, que irá se desdobrar na legislação ao longo do século XX.
“Em alguma medida, ela [a legislação] ainda busca manter essa relação de dominação, essas situações de submissão que a gente observava no mundo escravizado. O tratamento do trabalho livre no século XIX é uma contra-atualização da relação escravista: eu não sou mais o dono do trabalhador, porém ainda quero manter uma relação semelhante, muito próximo à submissão”, explica a pesquisadora.
Além dessas observações, a pesquisa ainda permite fazer reflexões para a atualidade: na medida em que descrevemos o que é o trabalho doméstico nesse momento histórico específico, isso contribui para que possamos pensar em como a regulamentação será feita no momento seguinte, já na República, e em como ela progride até a atualidade. “É uma linha contínua. Nós temos uma relação de causa e efeito desses dois momentos, da transição e do momento atual”, afirma Thaís.
A banca do mestrado aconteceu no dia 8 de fevereiro, no campus Garcez da Uninter, em Curitiba (PR), e foi composta pelos seguintes avaliadores: Walter Guandalini Júnior (presidente), Thiago Freitas Hansen (membro externo, da Universidade Católica de Brasília), André Peixoto de Souza (membro interno) e Celso Luiz Ludwig (membro interno).
Perspectiva futura
Thaís não pretende parar e já faz planos para o doutorado. Ela planeja fazer uma comparação mais aprofundada entre a tramitação do projeto da PEC das domésticas e a tramitação dos projetos abolicionistas.
“Existem pontos de contato bem intensos entre as justificativas para a manutenção da regulação do trabalho doméstico, como era antes da PEC, e os fundamentos que existiam para a manutenção da escravidão. Então é um pouco dessa identidade que eu quero trazer. A dissertação é uma parte inicial para esse fundamento e para essa pesquisa, que já traz um aspecto contemporâneo”, conclui a nova mestre em Direito.
Autor: Valéria Alves – Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König / Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Valéria Alves - Estagiária de Jornalismo