Mãe solteira, não! Mãe solo
Autor: Crisbelli Djamilli Domingos*Acordar, vestir, alimentar, instruir, cuidar, educar, amar… uma lista interminável de ações pode ser atribuída àquela mãe que, mesmo depois de um dia exausto de trabalho, carrega sozinha o seu filho no colo enquanto leva nos mesmos braços as sacolas de compras feitas no mercado, no caminho para casa. Essa e outras realidades, algumas ainda muito mais difíceis e complexas, fazem parte da vida e da rotina da mãe solo, termo designado à mulher que é inteiramente responsável pela criação de seus filhos.
Desafortunadamente, circula no senso comum – inclusive entre as próprias mulheres – o conceito de “mãe solteira”, como se a missão de ter um filho fosse condicionada à obrigatoriedade de ter um companheiro. Um dos grandes desafios de criar um filho sozinha é, certamente, ser o alvo dessa visão reducionista padronizada e conservadora das relações humanas, que estabelece que o “normal” é uma mulher casar para, então, ter filhos.
A fuga do padrão dessa representação massificada que circula por aí, acentuada na expressão “família de bem”, oportuniza críticas socialmente infundadas e que favorecem julgamentos explícitos, desde os constrangedores aos mais humilhantes, tanto para a mãe, “Por que você não arruma um pai pra essa criança?”, “Melhor você arrumar um marido pra te ajudar”, como para a criança, “Por que você não pede para a mamãe arrumar um papai pra você?”, “Tem que pedir pra mamãe casar pra você ter irmãozinhos”.
O problema é que o alvo dessa visão socialmente degradante é extenso e fácil de acertar. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, até o ano de 2015, existiam mais de 11,5 milhões de mães solo no Brasil. Dos lares sustentados por mulheres, 63% estão abaixo da linha da pobreza, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais desse mesmo Instituto.
Em 2020, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) adverte que o gênero feminino foi o mais prejudicado pelo impacto econômico da covid-19, sendo, no Brasil, 8,5 milhões de mulheres afastadas do mercado de trabalho. Além do cenário de desemprego e omissão da participação efetiva e afetiva dos genitores masculinos, as mães solo ainda precisam lidar com esse ataque de farpas discursivas que, cuidadosamente afiadas, são diariamente disparadas em sua direção.
Apesar da promessa de um avanço social nesse sentido, feita pelo Senado no Projeto de Lei 3717/2021 aprovado em março deste ano de 2022, em que são previstas políticas públicas de assistência social, educação infantil, habitação e mobilidade em apoio à família monoparental, a realidade que se segue permanece sendo a contrária. No entanto, esses graves percalços parecem não mais assustar a mãe solo brasileira. Na verdade, o que assusta, quebra as expectativas, sobretudo as afetivas, é a falta de evolução do comportamento humano, que deveria ser traduzido no respeito, no acolhimento, na receptividade e, por que não, no reconhecimento pela bravura com que mães solo desempenham as multitarefas cotidianas.
Fica aqui o meu desejo de que todas as 11 milhões de mães solo brasileiras possam olhar com admiração para si, para suas histórias, memórias e narrativas. Um olhar merecidamente generoso para a trajetória da maternidade a partir de seu poder de independência, empoderamento, força, coragem, resiliência e persistência invocados, diariamente e a cada minuto, à superfície da sua própria vida e da vida de seus filhos. Que em nossa sociedade a maternidade deixe de ser reconhecida pelo estado civil de “mãe solteira”, mas pelo brilhantismo da mãe solo, que coleciona vitórias únicas e diárias conquistadas pela competência, habilidade, amor, afeto e autoconfiança.
*Crisbelli Domingo é professora da área de Linguagens e Sociedade: Letras e História da Escola Superior de Educação da Uninter.
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