Mãe e filha unem forças para conquistar o diploma de pedagogia
Autor: Sandy Lylia da Silva - Estagiária de JornalismoUm resquício de Mata Atlântica que resiste de pé a 4 km do centro de Venâncio Aires (RS) foi o cenário do último capítulo de uma jornada que uniu mãe e filha nas adversidades para, enfim, chegarem juntas ao diploma do ensino superior. A cidade, no coração do Rio Grande do Sul, é a capital do chimarrão, mas também responde por uma das maiores produções nacionais de fumo. Ali começa essa história.
Cristine Hochscheidt Ruschel nasceu em 1974 no distrito Centro Linha Brasil. Ela e os cinco irmãos são filhos de agricultores e desde cedo aprenderam a conciliar os estudos com o trabalho nas lavouras de fumo, feijão e milho. Estudar era parte do estímulo familiar, então pela manhã os pequenos lavradores juntavam as enxadas para as atividades na roça e à tarde percorriam os dois quilômetros até a escola.
Nascia ali o sonho de Cristine de ser professora. Depois dos encantos das letras e dos livros na sala de aula, havia ainda uma tripla jornada ao retornar para casa. Antes de escurecer, ela e os irmãos tinham de juntar gravetos para o fogão à lenha que aqueceria a água do banho de toda a família. Na falta de chuveiro elétrico, a água quentinha compensava o esforço do dia.
Os fins de semana seguiam uma rotina sistemática. Sábado era dia de arrumar a casa. O regulamento doméstico era limpar a residência e o pátio externo, com o gramado roçado à foice. Como fiéis cristãos, as manhãs de domingo eram dedicadas à Igreja. “Domingo sem missa é segunda com preguiça”, diz Cristine ao relembrar um ensinamento dos pais.
As idas e vindas diárias à escola só fizeram crescer o sonho de ser professora. Enfim concluiu o ensino fundamental, mas para levar sua ambição adiante ela teve de sair da área rural em meados de 1989, aos 15 anos. Para dar continuidade aos estudos, precisou se deslocar para região central de Venâncio Aires, pois onde morava não havia colégio para fazer o ensino médio.
Com apoio dos pais, trabalhou em casas de família para ter um local de repouso ao retornar dos estudos. Tempos depois, deixou as atividades domésticas e conseguiu emprego em uma empresa de processamento de tabaco. Ali conheceu Luis Alberto Ruschel, o Beto, com quem se casaria mais tarde.
Em 1996, já com ensino médio concluído, migrou para o distrito natal de Beto, a Vila Palanque, região interiorana de Venâncio Aires. Dois anos depois eles se casaram e tiveram Larissa, a filha única. O projeto de ser educadora teve de esperar, pois agora a rotina era dividida entre os cuidados maternos e as novas atividades de cuidadora de idosos e de diarista nas casas próximas.
Sempre junto da filha, Cristine acompanhou toda rotina escolar de Larissa, da alfabetização ao terceiro ano na Escola Estadual de Ensino Médio Frida Reckziegel. O bom relacionamento com o corpo docente do colégio resultou em um convite para fazer parte da instituição. Em 2012, foi efetivada como agente educacional. O trabalho aflorou o sentimento guardado de ser uma profissional da educação.
Em 2017, Larissa analisava o curso superior que pretendia fazer e então incentivou a mãe a retomar os estudos. A primeira opção era medicina veterinária, mas pedagogia também era do seu agrado. Então Larissa decidiu apoiar a mãe e abriu mão da primeira opção para que ambas se matriculassem no curso de Pedagogia no polo da Uninter em Venâncio Aires.
Novos desafios se apresentariam. Mãe e filha teriam de se adaptar a uma nova forma de estudar, agora à distância. Essa modalidade de estudo nem sempre é fácil, por isso a gestora do polo, Maria Lúcia Costa, procura criar encontros para que os alunos tenham contato com a unidade, pois considera importante compreender as possíveis dificuldades dos estudantes. “Assim conseguimos criar uma referência entre os estudantes e o polo”, afirma Lucia.
Mas nem todos reconheciam o direito dela de retornar aos estudos. “Cruzes, como é que tu queres estudar, já estás velha, como é que vais querer fazer uma faculdade?”, Cristine ouviu de um vizinho. Porém, a família e os colegas do trabalho deram todo apoio ao sonho de uma formação universitária. “Com a ajuda da diretora, Ângela Maria Stertz, consegui conciliar meus horários de trabalho com os do estágio”, comenta.
Mãe e filha tinham convicção de que a educação é uma ferramenta para mudança de vida, Cristine tinha aprendido isso em casa. Segundo ela, não seria possível embarcar nesta viagem do ensino superior se a filha não estivesse ao seu lado para dar suporte emocional e pedagógico.
O sonho se concretizou em julho deste ano, quando mãe e filha se formaram; Cristine aos 46 anos, Larissa aos 23. São as primeiras da família com curso superior. Sem maiores festividades, em virtude das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, elas optaram por registrar a conquista com um ensaio fotográfico em meio à natureza, num reduto da Mata Atlântica gaúcha. O local escolhido foi o Balneário São João.
Foi uma comemoração petit comité. Apenas familiares próximos participaram da sessão de fotos, no dia 10 de julho. Estavam presentes o marido de Cristine, o pai dela, Arlindo Hochscheidt, e a mãe, Lisi Maria. Também compareceu o namorado de Larissa, o sargento do Exército Pablo Andrei Knecht, que é estudante de Química na Uninter.
Mesmo recém-formadas, elas já colhem os resultados do esforço. Larissa passou a trabalhar como professora na Escola de Educação Infantil Lar da Criança (CASVA) e Cristine recebeu uma nova oportunidade como monitora de alunos na escola em que atua, além de exercer a mesma função na Escola Miguel Macedo de Campos.
Amor e companheirismo contribuíram para o protagonismo desta história. A filha deixou suas prioridades de lado para estender a mão em retribuição à mãe. Juntas, elas construíram uma história singular a quatro mãos e agora já planejam iniciar uma pós-graduação.
Autor: Sandy Lylia da Silva - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König