Literatura de cordel, uma tradição medieval que se tornou brasileira
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoA literatura de cordel tem origem na Idade Média, mas ganhou destaque em terras brasileiras com a vinda da corte portuguesa, no século 18. O gênero textual é uma arte popular que combina a oralidade com a escrita, a música, a história e a técnica de xilogravura. Ela vem de uma época em que poucas pessoas sabiam ler, de forma que o acesso ao conhecimento se dava pela comunicação oral. Por isso, também é conhecida como jornal falado.
“A literatura de cordel faz parte do universo da cultura oral. O cordel remonta à tradição do trovadorismo e dos cantores itinerantes que, dentre outros temas, falavam das questões sociais, históricas, das realidades deles”, conta o professor Cleber Cabral, do curso de Letras da Uninter.
Apesar de carregar referências do imaginário medieval, o gênero recebe uma recriação ao chegar à Bahia e se espalhar pelo Nordeste brasileiro, com a mistura de diversas culturas, se mesclando às matrizes indígena e africana. Hoje a literatura de cordel é reconhecida como patrimônio cultural imaterial brasileiro.
“Eu acho que o cordel ainda está se difundindo hoje em todos os cantos do Brasil, pra fora do Brasil também é uma referência. É um patrimônio imaterial brasileiro, mas vem dessa produção que se inicia no Nordeste e está presente nas ruas, nas feiras, nas cidades. No mundo rural e urbano, a gente vai encontrar essa presença até hoje de uma forma muito forte. É algo que permeia toda a vivência daquela sociedade”, explica Mariana Trevisan, professora do curso de História da Uninter.
Cleber ressalta que muito se fala dos homens cordelistas, mas quase não se ouve sobre as mulheres. Segundo o professor, o primeiro cordel publicado por uma mulher foi em 1938, de Maria das Neves Batista Pimentel, intitulado “O violino do diabo, ou, O valor da honestidade”. Ele explica que o título tem a ver com os exempla (exemplos, em latim) da literatura portuguesa, que são exemplos morais.
“A gente vai encontrar essa referência dos exempla vindo dos frades mendicantes, das ordens mendicantes que acabam muitas vezes se especializando na escrita, nos saberes e vão traduzir para um público mais leigo, iletrado, que estão na sagrada escritura, que estão em obras da antiguidade, que também eram referenciadas na Idade Média. A gente vai ter essas referências, tanto a partir dos religiosos quanto depois que vai passar para uma literatura de forma mais ampla com o trovadorismo”, afirma Mariana.
Uma arte que se encontra no cordel é a xilogravura, técnica de gravura que utiliza a madeira e possibilita a reprodução da imagem gravada em papel. Segundo o professor André Santos, do curso de Artes Visuais da Uninter, é uma linguagem que surge antes da prensa e, devido à simplicidade dos materiais, dava condições de produção ao homem do campo.
“É uma linguagem que permite, acima de tudo, uma multiplicidade de cópias, eu consigo ter um volume grande de um material impresso. Talvez seja uma das mais tradicionais, até mesmo pelo fato de que ela é rudimentar”.
A princípio não havia preocupação com regras de composição, números de versos e estrofes na literatura de cordel nordestina. Hoje ainda existe uma grande variedade de formas produzidas, dependendo do tema e do cantador, mas as mais comuns possuem versos de sete sílabas. O professor Cleber conta que o gênero começa na oralidade, passa a ser escrito, depois é impresso e hoje reescreve a literatura escrita a partir da oralidade.
“Pouca gente sabe, mas existem muitas adaptações de textos da alta literatura para o cordel. A gente tem “Alice no país das maravilhas no cordel”, “Viagem ao centro da Terra”, lendas como “O flautista misterioso e os ratos de Hamelin”. Todo mundo já viu alguma representação. A gente tem, por exemplo, “O corcunda de Notre Dame no sertão”, explica.
O profissional sugere duas produções cinematográficas para quem se interessa em conhecer mais sobre essa literatura.
- Documentário Palavra (en)cantada (Helena Solberg, 2009): Mostra a relação das canções brasileiras com as artes escritas, com depoimentos e pensamentos de grandes nomes da música popular brasileira.
- Filme Narradores de Javé (Eliane Caffé): A história se passa no vilarejo Javé. Ao receber a notícia de que a cidade pode desaparecer sob águas de uma usina hidrelétrica, o povo decide registrar em um documento todos os grandes acontecimentos históricos de lá.
A professora Deisily de Quadros, da área de Linguagens e Sociedade da Uninter, destaca a importância da junção de todas as artes para a produção de uma linguagem tão significante e representativa, que envolve o trabalho de muitos artistas.
“É muito legal quando a gente vê esses casamentos, porque quando a gente vê, seja o cordel pendurados nos varais ou um livro de literatura em uma livraria, a gente tem que pensar que por trás disso há todo um processo de criação. Seja do texto em si que é influenciado por uma época, por movimentos literários daquele momento, sejam as ilustrações que também têm toda uma influência. Há todo um preparo antes do livro chegar em nossas mãos, toda uma criação”, diz.
Os profissionais debateram sobre o assunto na IX edição do clube da leitura “E agora, José?”, que centrou a discussão na literatura de cordel, em dois textos especificamente: “A chegada de Lampião do inferno”, de José Pacheco, e “A história do boi leitão ou o vaqueiro que não mentia”, de Francisco Firmino de Paula. Os dois foram escolhidos pelos alunos, através de uma enquete realizada na página do Facebook de Linguagens e Sociedade.
A live, realizada pelo Facebook, soma até o momento mais 1,3 mil visualizações. As pessoas que assistiram ao vivo puderam interagir via chat. Alguns, inclusive, se arriscaram a produzir versos de cordel nos comentários. Para maior inclusão, o intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) do Sianee, Tiago Saretto, também participou da transmissão.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Diego Dacal/Wikimedia Commons e reprodução Facebook