Leishmaniose: estado de alerta
Autor: Paulo Felipe Izique Goiozo (*)A leishmaniose é uma enfermidade zoonótica ocasionada por diferentes espécies de protozoários do gênero Leishmania, tanto no Velho Mundo quanto no Novo Mundo. É uma doença de curso crônico que possui em seu ciclo de vida um hospedeiro invertebrado (mosquito-palha) e outro vertebrado, como roedores, repteis, animais domésticos e o homem.
Humanos, cães, gatos e equinos são hospedeiros acidentais da leishmania. Nos humanos, a doença apresenta três formas clínicas distintas: cutânea (botão do oriente ou úlcera de Bagdá), visceral (calazar ou febre dum-dum) e mucocutânea (espúndia). Já nos animais, o cão é, de longe, a espécie mais acometida, e a apresentação clínica se particulariza em uma combinação das formas cutâneas e visceral dos humanos, sendo denominada leishmaniose visceral canina (LVC), que por muito tempo era reconhecida como úlcera de Bauru.
Essa enfermidade, há muitos anos, representa um sério risco à saúde pública e parte disso se deve a sua velocidade de disseminação. Associado a esse fato, a leishmaniose é uma doença negligenciada em muitos países e o mais alarmante é o alto índice de mortalidade tanto em humanos quanto animais. Diante do risco que essa enfermidade representa, é crucial a participação de vários atores da sociedade na elaboração de políticas públicas e estratégias de combate e controle da doença, por isso a palavra informação é peça-chave nessa seara.
O primeiro passo nessa “guerra” contra a leishmaniose é conhecer todos os aspectos da doença, como etiologia, transmissão, sinais clínicos ou sintomas, tratamento e prevenção. Quanto à etiologia, no Brasil, 14 espécies de Leishmania foram identificadas e, destas, oito causam doenças nos humanos, sendo elas: L. amazonensis, L. infantum, L. guyanensis, L. shawi, L. braziliensis, L. naiffi, L. lainsoni e L. lindenbergi. Já nos animais, a doença é causada principalmente pelas espécies L. tropica, L. mexicana e L. brazileiensis.
A via de transmissão clássica da doença é o repasto sanguíneo, sendo a picada de mosquitos hematófagos a principal, mas não a única. Em uma proporção significativamente menor, a transfusão de sangue também constitui uma via de transmissão. Nos animais outras formas controvérsias são relatadas como transplacentária, transmamária e venérea.
Quanto aos sinais clínicos ou sintomas, no homem a forma cutânea produz lesões ulcerativas na pele que podem ser únicas ou múltiplas. A forma visceral é caracterizada por pequenas lesões na pele, febre alta, aumento de volume do baço (esplenomegalia), dispneia e aumento do fígado com a progressão da doença. A forma mucocutânea tem lesões tanto na pele quanto nas mucosas com tendência a não cicatrizar. No cão, o animal normalmente apresenta perda de pelos ao redor dos olhos, crescimento exacerbado das unhas (onicogrifose), aumento de volume dos linfonodos, baço e fígado, e por fim, emagrecimento progressivo.
No que diz respeito ao tratamento, em humanos cinco grupo de medicamentos são utilizados (antimoniais pentavalentes, pentamidina, anfotericina B, miltefosina e paromomicina). É um tratamento com alto índice de limitações, oneroso e com medicamentos que possuem alta toxicidade. Nos cães acometidos pela LVC, o tratamento é fonte de inúmeras polêmicas, visto que raramente o parasita é totalmente eliminado e o animal continua como reservatório permanente da doença. Embora possa ser contestado por muitos, o governo brasileiro preconiza o uso de um único fármaco para a LVC, a miltefosina, e o tratamento deve seguir uma série de exigências como o animal ser domiciliado, o tutor apresentar condições financeiras para tal.
Para o diagnóstico da leishmaniose, além do quadro clínico, deve-se considerar a procedência dos pacientes de áreas epidemiológicas. A confirmação do diagnóstico se dá pela identificação do parasita, seja por visualização em espécimes provenientes de citologia ou biopsia, técnicas moleculares como o PCR ou exames sorológicos.
Como medida preventiva, há disponível, no mercado brasileiro, vacina contra LVC, que deve obedecer a um esquema de imunização executado pelo médico veterinário. O uso de coleiras repelentes também é outra forma altamente eficaz e recomendada como medida profilática. Como medida ambiental, evitar locais de proliferação do mosquito-palha constitui uma forma adicional de controle da leishmaniose.
Diante da narrativa, fica evidente a necessidade de inserção da leishmaniose no contexto da saúde única em que se faz necessária a participação da comunidade científica, órgãos governamentais e da sociedade como um todo.
*Paulo Felipe Izique Goiozo é médico veterinário, mestre em Patologia Veterinária, doutor em Fisiopatologia e Saúde Animal e professor da Escola Superior de Saúde Única do Centro Universitário Internacional Uninter.
Autor: Paulo Felipe Izique Goiozo (*)