La Dansarina: lições sobre a pandemia em quadrinhos

Autor: Matheus Alexandre Minotto - Estagiário de Jornalismo

Certamente não há assunto mais comentado no mundo do que a Covid-19 — doença causada por um vírus da família do coronavírus. O nome “covid” deriva da sigla em inglês, COrona VIrus Disease, e o número 19 se refere ao ano em que a doença foi descoberta. Como já foi amplamente difundido, a melhor maneira de evitar o contágio é através da higiene e do isolamento social. Apesar de simples, esses dois meios de prevenção precisam ser largamente difundidos por meio de campanhas de educação e conscientização, pois não são hábitos comuns para muitas pessoas.

No artigo intitulado Covid-19 e a sala de aula: uma comparação com a gripe espanhola a partir da história em quadrinhos La Dansarina, de Rodrigo Otávio dos Santos e Ingrid Gayer, publicado em edição temática da Revista Intersaberes, compara-se a Covid-19 com a gripe espanhola, retratada na história em quadrinhos La Dansarina (Lillo Parra e Jefferson Costa, 2015). Um dos aspectos destacados na narrativa é a semelhança dos posicionamentos políticos de Rodrigues Alves (ex-presidente brasileiro e personagem da HQ) e Jair Bolsonaro.

De acordo com Gordon (1988), as histórias em quadrinhos nascem com Rudolphe Töpffer, em 1833, e tinham como função primordial a transmissão de algum tipo de conhecimento, já que ele era pedagogo e concebeu esse instrumento como um jeito de colaborar com a aprendizagem dos estudantes. Além disso, Bruner (2008) ressalta que as histórias em quadrinhos foram usadas demasiadamente com a função de dispositivo didático ao longo da história.

Santos e Gayer informam no artigo que existem no Brasil diversas HQs com o intuito exclusivo de educar, como alguns dos trabalhos feitos pelo cartunista Ziraldo e pela equipe dos Estúdios Mauricio de Sousa. Eles ainda relatam que existem, também, editoras que realizam a publicação de trabalhos educacionais no gênero história em quadrinhos, além da adaptação de clássicos da literatura com o objetivo exclusivo de ensinar uma língua estrangeira.

A história em quadrinhos La Dansarina, cuja narrativa se passa em setembro de 1918, no Brasil, foi primeiramente publicada pelos próprios autores, em edição autoral, em 2015. Dois anos depois, a editora Jupati se interessou pelo material e fez o relançamento da HQ com uma maior e melhor distribuição, também com o objetivo de divulgá-la na efeméride de 100 anos da gripe espanhola.

Na história, uma bela espanhola desembarca de um navio e cumprimenta um estivador com a mão em seu queixo, deixando-o doente. No decorrer da história, o leitor logo nota que a personagem não é só uma espanhola, mas sim a própria morte causada pela gripe espanhola. Santos e Gayer enfatizam no artigo que a denominação “gripe espanhola” é errônea, pois é bem provável que a doença tenha surgido nos Estados Unidos, nas más condições de higiene dos campos de treinamento militares para a Primeira Guerra Mundial.

Bertucci-Martins (2005) destaca que a alcunha da doença com o nome do país latino veio, possivelmente, devido ao fato de a Espanha ser neutra durante a Guerra e não censurar as notícias sobre a nova epidemia. Os autores do artigo destacam que a escolha do porto como cenário inicial não foi acidental, pois assim como na Covid-19, em 2020, essas doenças mundiais iniciam sua dispersão sempre em lugares de trânsito universal.

Os autores observam que história opera um salto temporal e chega ao ano de 2010, quando um senhor de 104 anos está adoecido em um leito hospitalar, sob os cuidados do seu neto. O tempo então retrocede para 1918, quando este idoso tem apenas 12 anos de idade e está gripado. Sua mãe recebe um pouco de remédio para dividir com ele. Porém, ela dá todo o medicamento ao garoto, que adormece por dias seguidos e, quando acorda, nota que a mãe está morta.

Durante a epidemia, foram várias as tentativas de conter a doença, desde o tratamento recomendado de repouso e utilização de quinino, até o uso de “tônicos” milagrosos. Essas dinâmicas não são muito distintas do que foi notado atualmente, na fase mais crônica da pandemia de Covid-19, e portanto podem ser problematizadas com os alunos no decorrer da leitura da HQ.

Outro aspecto que pode ser discutido com os estudantes diz respeito à falta de capacidade da população de aprender com a pandemia anterior. Desde a Gripe Espanhola, sabe-se que a melhor forma de conter a doença é o isolamento social, assim como divulga a OMS (2020) e é retratado na cena em que Pedro vai passar por um vilarejo e as pessoas o expulsam, com receio de que estivesse contaminado pela gripe espanhola.

Outra análise que pode ser realizada com os estudantes, explicam os autores, diz respeito ao discurso dos políticos em meio à pandemia. Um atributo em comum das duas doenças é que os políticos brasileiros caçoaram delas a princípio. Jair Bolsonaro dizia que a doença não passava de uma “gripezinha” e que não havia com o que se preocupar. Rodrigues Alves, então presidente do Brasil, também dizia que não era preciso ser preocupar. Na ficção de Parra e Costa, o presidente de 1918 é levado pela Dansarina, que lhe questiona quantos mais terão de morrer até que ele tome uma providência. Na vida real, Rodrigues Alves faleceu no dia 16 de janeiro de 1919, vítima da gripe.

Os autores consideram que a divulgação da informação em sala de aula pode ser uma arma eficaz contra uma doença que se alastra pelo convívio social e para a qual ainda não existe um tratamento eficaz. Além disso, eles alegam que com estudantes bem informados, há uma chance maior de que as pessoas atendam às decisões de distanciamento social tão essenciais para a solução de uma crise sanitária, bem como passem tais informações adiante.

Santos e Gayer ainda concluem que a tensão emocional da HQ também pode ser muito útil para transmitir o senso de urgência de uma calamidade pública aos alunos. Uma narrativa na qual um garoto tem que lutar para enterrar a própria mãe pode trazer um senso de unidade, um aspecto de intimidade com a situação que vai além dos números e gráficos da pandemia que habitam os noticiários.

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Autor: Matheus Alexandre Minotto - Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Reprodução


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