Guerra do Afeganistão: 19 anos de conflito e incertezas
Autor: Arthur Salles - Estagiário de JornalismoA Guerra do Afeganistão é um conflito longo e complexo. Sua primeira campanha foi iniciada em 1979, durante a Guerra Fria. A batalha foi travada entre a União Soviética e o governo afegão vigente contra as forças mujahidin, opositoras da influência estrangeira no país, mas que contavam com apoio especial dos Estados Unidos e financiamento da CIA (Agência Central de Inteligência). Com o fim do embate dez anos depois, o país do Oriente Médio tornou-se palco de uma nova guerra, iniciada em outubro de 2001, após os ataques de 11 de setembro orquestrados pelo grupo terrorista Al-Qaeda.
Para explicar os desdobramentos dessa disputa que dura até hoje e o papel que cada presidente americano teve no conflito, o curso de Relações Internacionais da Uninter fez uma transmissão com a participação da pesquisadora em Oriente Médio Devlin Biezus. O bate-papo, com mediação do professor André Frota, foi transmitido pela página do curso no Facebook, em 31.ago.20.
Completando 19 anos em 2020, a guerra é a mais longa em que os Estados Unidos já se envolveram. As tropas americanas invadiram o território afegão numa ofensiva contra o grupo islâmico Talibã, oponente do governo oficial do Afeganistão e que protegia as ações da Al-Qaeda. O líder saudita da Al-Qaeda e mentor dos atentados de 11 de setembro, Osama bin Laden, chegou a ser aliado dos americanos no combate aos soviéticos durante o século passado.
As duas organizações surgiram na guerra civil que tomou conta do país durante e após o conflito de 1979 e tinham diferentes objetivos: a primeira buscava poder político na região, enquanto a outra defendia a desocupação das potências ocidentais do Oriente Médio.
Essa força de comando paralela ao Estado representada pelo Talibã modificou os estudos que Relações Internacionais tinham até então sobre as guerras. A organização a ser combatida passou a ser um grupo, não um Estado soberano. “Esse inimigo não tem uma face”, explica Devlin. “O Talibã não controlava o Afeganistão todo. Ele controlava uma boa parte durante o ano de 2001, mas não tinha o monopólio [de controle do país].”
A “Guerra ao Terror” teve início com o presidente George W. Bush. O que era para ser uma ação rápida e com poucos combatentes acabou levando mais de 775 mil soldados americanos ao Afeganistão desde então. A operação se manteria somente na capital Cabul, mas logo se expandiu para o restante do território.
No governo seguinte, Barack Obama iniciou seu mandato no ritmo do presidente anterior, aumentando o número de combatentes americanos ativos no Afeganistão entre 2009 e 2011. Os planos de enfraquecer o Talibã e reconstruir as forças oficiais afegãs iam contra o discurso que o ajudou a ser eleito.
Em 2011, Obama anunciou medidas para retirar gradativamente as tropas americanas da região. A expectativa era de que no máximo 5,5 mil soldados permanecessem no Afeganistão até o final de 2016, mas 8,4 mil combatentes continuaram no local.
“Seria uma operação teoricamente fácil para os estadunidenses, mas eles não conseguiram lidar e não esperavam que fosse um ambiente tão complexo”, comenta a cientista política. “É uma sociedade extremamente complexa vivendo ali [no Afeganistão], que está em conflito há décadas.”
Da mesma forma que Obama, Donald Trump garantiu em sua candidatura que os soldados em solo estrangeiro retornariam aos Estados Unidos. A guerra, que era descrita por Trump como um “desperdício”, acabou recebendo um conjunto adicional de 3 mil soldados norte-americanos em 2017.
Entre idas e vindas nas negociações com o Talibã desde 2018, a Casa Branca assinou um acordo de paz com a organização islâmica em fevereiro deste ano. O aperto de mãos consistiu em quatro pontos principais: a apresentação de um cronograma da retirada irrevogável das tropas estadunidenses do local; o cessar-fogo entre os países e o Talibã; o desmantelamento de forças terroristas no território; e a possibilidade de negociações de trégua entre os talibãs e o governo afegão.
Trump ainda afirmou que após 14 meses todos os combatentes americanos voltariam para os Estados Unidos. A promessa, segundo Devlin, pode ser uma forma do presidente angariar mais popularidade para as eleições presidenciais de novembro.
Seu principal opositor, o democrata Joe Biden, afirmou em setembro que a permanência de parte das tropas seria uma forma de continuar combatendo o terrorismo no Oriente Médio. A declaração faz referência ao crescimento do Talibã nos últimos anos e ao grupo terrorista Estado Islâmico.
Com a ocupação ou não das forças americanas, o futuro do Afeganistão é incerto. O longo período de conflitos na região resultou em graves índices humanitários. Embora esteja em ascendência desde a década de 1990, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país é o 20º pior entre 189 nações classificadas pela ONU (Organização das Nações Unidas): 0,496. Para efeito de comparação, o Brasil apresenta um indicador de 0,761.
“É uma guerra que continua até os dias de hoje, 19 anos após a invasão. Um Estado que é um estado-fantasma, porque não consegue atingir as necessidades reais da população e da sociedade”, ressalta Devlin. “Se analisada de uma forma mais racional, a gente vê que houve muitos interesses dos Estados Unidos por trás da invasão, e esses interesses não estavam alinhados com os interesses da população do Afeganistão.”
A Guerra do Afeganistão já contabiliza 3.576 soldados mortos na coalizão liderada pelos Estados Unidos, de acordo com o site de rastreamento iCasualties. O país norte-americano é o que conta com mais baixas entre as nações do bloco: 2.451. O número de civis afegãos mortos devido ao conflito é de mais de 35.000, segundo a ONU. Um estudo publicado em 2018 pelo Instituto Watson, da Universidade Brown (EUA), aponta que cerca de 150 mil pessoas tenham morrido como consequência da guerra em território afegão.
O curso de Relações Internacionais da Uninter recebe um convidado por semana para debater sobre os principais assuntos diplomáticos que giram o mundo. As transmissões ocorrem todas as segundas-feiras, às 20h, pela página do curso no Facebook. Para conferir a conversa sobre a Guerra do Afeganistão, clique aqui.
Autor: Arthur Salles - Estagiário de JornalismoEdição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro