Estudante cega quer ampliar a visão de quem enxerga
Letícia Costa – Estagiária de Jornalismo
Dentre todos os tipos de deficiência, a cegueira é a mais comum entre os brasileiros. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 40 e 45 milhões de pessoas são cegas no mundo todo. A falta de visão para alguns pode ser tratada como uma limitação, mas para outros pode significar um incentivo. É o caso da angolana Emília Cussama, de 25 anos, que ficou cega aos 3 em decorrência do sarampo.
A Angola passava por uma guerra civil que já durava 26 anos e acabaria deixando ao menos 2 milhões de mortos. Neste cenário, uma parceria entre os governos angolano e brasileiro enviou crianças cegas para o Brasil em 2001 para que tivessem acesso a saúde e educação. Nascida na cidade de Huíla, região sul de Angola, Emília estava entre essas crianças.
“Na época, quando o país estava em guerra, estavam mais preocupados em acabar com a guerra do que com outras doenças que existiam. Então direta ou indiretamente a maioria de nós ficou cego pelo Sarampo”, recorda Emília.
Ela tinha 9 anos quando chegou ao Brasil com outras 10 crianças. Os quatro primeiros meses na cidade de Juiz de Fora (MG) foram marcados por lembranças ruins. A primeira instituição que os obrigou tratava-os com descuido e crueldade, conta Emília. “Lá, nós sofremos maus-tratos. Nos batiam por qualquer coisa que a gente fizesse. Uma vez bateram tanto que alguns de nós chegaram a desmaiar”.
Castigos sem qualquer motivo aparente aconteciam com frequência até que alguém denunciou o abrigo e as crianças foram transferidas. Ao se mudarem para Curitiba, as crianças, que tinham idade entre 7 e 11 anos, passaram a morar no Instituto Paranaense de Cegos (IPC). Frequentaram escola normal, formaram um grupo musical e conheceram pessoas novas.
“Algumas pessoas ouviram a gente cantando e falaram ‘Vocês podem formar um grupo musical’, e assim a nossa vida começou”, conta Emília. O grupo foi intitulado Cegos de Angola. Em 2010, o Consulado Angolano passou a pagar a moradia e as despesas deles, e assim segue até hoje.
O presidente do IPC, Ênio Rosa, teve a iniciativa de abrir oportunidades para o grupo ingressar no ensino superior. Para isso, ele procurou a coordenadora do Serviço de Inclusão e Atendimento aos Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (SIANEE) do Centro Universitário Internacional Uninter, Leomar Marchesini. O incentivo de Leomar e a acessibilidade proporcionada pelo SIANEE possibilitaram que em 2015 Emília iniciasse no curso de Jornalismo da Uninter.
“Assim que os conheci, incluindo Emília, me encantei com eles, pela sua alegria, pelo lindo sotaque, pela cor, pelo modo como se vestiam. Daí nasceu uma forte amizade, além da relação aluno e instituição. Admiro muito Emília, uma guerreira, esforçada e pessoa sensível. Muito querida e de caráter”, destaca Leomar.
No quinto período e a par da importância do curso, a estudante diz ter preferido o Jornalismo para poder falar mais sobre a cegueira, além da cultura de Angola. “Pretendo falar sobre a deficiência, principalmente a deficiência visual. As pessoas não têm tanto conhecimento e têm mais preconceito”, comenta. Glória Maria é sua maior inspiração na área, ciente de que são poucas as mulheres negras que chegam à posição dessa jornalista. Emília acompanha o trabalho de Glória e se inspira.
Preconceito multiplicado
A estudante conta que já enfrentou dupla discriminação. “Já sofri preconceito tanto pela cor, como por eu ser cega. Uma vez eu estava em uma loja com uma amiga que também é cega, estávamos contemplando brincos e acessórios. Daí a moça achou que a gente estava roubando e queria chamar a polícia. Quando vou procurar emprego, as pessoas falam que não vai dar, que as vagas acabaram ou acham que terão que fazer um grande número de adaptações na empresa e acabam por não me chamar”.
Para Emília, o que de melhor aconteceu na vida dela foi retomar o contato com a família, que ficou em Angola. Por telefone, ela conversa com a mãe, Rira Engrassia, e via redes sociais com as primas e sua única irmã, Neuza Manuela Cussama. Ela mora do bairro Bom Retiro, na região leste de Curitiba, junto com os demais colegas cegos. Vai de ônibus todos os dias para a aula, e a viagem dura cerca de 25 minutos.
Acessibilidade é a qualidade de ser acessível, facilidade na aquisição e aproximação para a utilização com autonomia e segurança de todos os espaços. Dentre os sonhos que Emília guarda para quando terminar a graduação, também está o de voltar ao seu país de origem para ajudar os que lá ficaram. “Penso em ajudar a Angola por que lá não tem acessibilidade”, explica.
Quando se trata de pessoas com deficiência visual, muitos têm o desejo de ajudar, mas não sabem como fazer isso. Emília fala pontos importantes para os que têm essa vontade. “As pessoas têm que procurar conhecer mais, perguntar mais, se o deficiente visual precisa de ajuda, o que ele precisa, ou se não quer nada. O que a pessoa faz no dia-a-dia e procurar conhecer sobre a deficiência também é importante”, conclui.
Edição: Mauri König
prezada
Emília Cussama,
"nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam", e pelo vosso falar sinto que estás entre estes, é isso, perseverança é a palavra;
parabéns a Jornalista, ao Editor e a IES pela tratativa do tema, digo-lhes que tive minha visão ampliada.
Estimado Carlos, que bom ler isso que você escreveu. A Emília é realmente uma pessoa inspiradora. Obrigado pelo comentário. Sorte, saúde e sucesso pra você.