Estereótipos marcam a representação de muçulmanos na TV

Autor: Thiago Dias - estagiário de jornalismo

Segundo a última pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2010, a população muçulmana vem crescendo no Brasil. De 2000 a 2010, o crescimento foi de quase 30%. As regiões com maiores concentrações de muçulmanos coincidem com as que têm grandes comunidades de origem árabe: o estado de São Paulo em primeiro lugar, seguido do Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

O aumento mostra que a presença muçulmana é significativa no país, porém, a cultura ainda é pouco conhecida. Muitas pessoas confundem erroneamente os árabes com os muçulmanos, como se ambos os termos fossem sinônimos. No entanto, árabe é a designação dada para a etnia, ou seja, refere-se à pessoa que vive em país de idioma árabe, conhece e simpatiza com a cultura e os costumes árabes.

Já o islamismo é uma religião monoteísta que foi supostamente fundada pelo profeta Maomé. Portanto, o termo muçulmano se refere exclusivamente às pessoas que acreditam e se identificam com a religião islâmica, seguindo a doutrina do Islamismo.

As diferenças que levam à dificuldade de compreensão intercultural se refletem também na cultura popular, em especial nas produções televisivas. A televisão faz parte da cultura brasileira e, segundo o IBGE, 96,3% dos domicílios brasileiros têm aparelhos de televisão. Portanto, podemos destacar as telenovelas como vitrine para estereótipos constituídos em crônicas e narrativas da perspectiva de seus produtores. Os estereótipos podem servir como alicerce para a intolerância e para o discurso raivoso. O discurso de raiva é um mal crescente na geração que tem as redes sociais virtuais como protagonistas.

Esse cenário motiva pesquisas acadêmicas para a compreensão de como é feita a representação desses grupos na mídia. Por meio de uma análise de conteúdo de três produções da Rede Globo: Carcereiros – o filme (2019), O Clone (2001-2002) e Salve Jorge (2012-2013), os autores Paloma Pereira Ruiz e Marcelo Pereira da Silva desenvolveram artigo científico que expõe a associação da figura muçulmana ao terrorismo. O artigo chama a atenção para a forma como se propagam informações no Brasil através da internet, principalmente por meios de memes, sem que a pessoa que compartilhe conheça a cultura e a realidade do que está postando.

A novela Salve Jorge (2012 e 2013), exibida pela Rede Globo, exemplifica como produtos de entretenimento contribuem para difusão de mensagens estereotipadas. Na trama, ambientada na Turquia e no Brasil, o país islâmico serve como pano de fundo para o tráfico internacional de pessoas e exploração sexual de mulheres. Porém, segundo o Instituto Igarapé (2021), os principais países de destino para o tráfico de pessoas, especialmente para exploração sexual, são os Estados Unidos e o México.

O filme Carcereiros (2019), aborda o terrorismo com roupagem religiosa. Por meio da trama, vemos o perfil estereotipado de terrorista. O personagem Abdel Mussa — nota-se o estereótipo do terrorista de origem árabe — é acusado de explodir uma escola na Europa. No filme, ele não é chamado pelo nome, mas por palavras como “estrangeiro”, “gringo”, “terrorista”, “desgraça”, “monstro” e “verme”. A caminhada de Abdel na narrativa nos indica implicitamente que se trata de um muçulmano, embora em nenhum momento sua fé seja mencionada expressamente. Outro detento no filme, o Carlão, assim como o terrorista cruel, também mata por sua crença. Carlão justifica suas ações por uma ordem divina para acabar com a maldade, razão pela qual tenta assassinar um funcionário da cadeia, mas, durante a confusão, um dos agentes penitenciários alega que Deus — no contexto cristão, visto que Carlão faz parte da ala evangélica — não lhe mandaria matar ninguém. No fim da trama, Carlão é responsável por uma chacina. O filme apresenta como louco o cristão que mata pela religião e deixa claro que o assassinato de seus semelhantes não é postura cristã. Contudo, paradoxalmente, não se fala que Abdel é louco, embora também seja proibido matar, segundo o islamismo.

Já na novela O Clone (2001-2002), a grande característica da trama é o dogma da poligamia. Um destaque no artigo é um trecho do Livro Sagrado dos muçulmanos, que se refere à poligamia no islã, permitindo ao homem ter mais de uma esposa desde que seja capaz de ser igualitário com as companheiras: “[…] podereis desposar duas, três ou quatro das que vos aprouver, entre as mulheres. Mas, se temerdes não poder ser equitativos para com elas, casai, então, com uma só” (ALCORÃO 4:3).

Cabe destacar que o Brasil é um país laico. Nós respeitamos, enquanto Estado Nacional, as predisposições estabelecidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 também assegura a igualdade religiosa e reforça a laicidade do Estado brasileiro. Para além da garantia constitucional e do pacto estabelecido pela ONU por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, existe a Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, que em seu primeiro artigo prevê a punição para crimes motivados por discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Quem praticar, induzir ou incitar a discriminação por conta dos motivos citados pode ser punido com um a três anos de reclusão e aplicação de multa. Apesar da clara ofensiva de punição garantida pela lei 9.459/97, não há uma lei específica para tratar somente dos casos de intolerância religiosa.

O artigo ‘Indiferença e estereótipo em conteúdos midiáticos: sentidos em circulação sobre o povo muçulmano’ de Paloma Pereira Ruiz e Marcelo Pereira da Silva está disponível na Revista Uninter de Comunicação e pode ser acessado através do Link.

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Autor: Thiago Dias - estagiário de jornalismo
Edição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Mohammad Ramezani/Pexels


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