Entenda porque a OMS classifica a síndrome de burnout como doença de trabalho

A síndrome de burnout é conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. É o resultado de uma exaustão física e mental, podendo levar a adoecimentos físicos, sociais, emocionais e prejuízos nos relacionamentos da vida pessoal e profissional.

No início deste ano, entrou em vigo a nova classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que decidiu que o burnout deveria ser considerado como uma doença ocupacional. A partir de agora, as empresas passam a ter mais responsabilidade sobre a saúde mental de seus colaboradores, estejam eles em trabalho remoto ou presencial.

Para entender mais detalhes sobre o assunto e como ele pode interferir na saúde e no trabalho, a psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Uninter, Giseli Cipriano Rodacoski, e o professor de direito trabalhista, Ronald Silka de Almeida, explicam sobre a doença, causas e o que muda para o trabalhador e o empregador.

O que é a síndrome de burnout?

Giseli: Na Classificação Internacional de Doenças – CID-11, a síndrome de burnout foi incluída no capítulo de problemas associados ao emprego ou ao desemprego e recebeu o código QD85. Conforme a definição, burnout é uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. É caracterizada por três dimensões:

  • Sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia.
  • Aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao próprio trabalho.
  • Redução da eficácia profissional.

Burnout não é estresse. É o que resulta do estresse crônico. Alguns dos sintomas são: dores de cabeça, problemas de estômago, dificuldade para dormir e falta de ar.

O que muda para o trabalhador e o empregador?

 Giseli: Ter a síndrome do esgotamento profissional classificada como doença do trabalho significa que antes ela era considerada um problema do trabalhador. Ou seja, por limites pessoais ele não conseguiu lidar com o estresse do trabalho. Isso isentava o empregador de responsabilidades em relação à situação. Era um problema pessoal do trabalhador e ele deveria procurar ajuda para se recuperar ao ponto de estar novamente apto ao trabalho. O mesmo aconteceu com o suicídio. Antes, o suicídio era visto como um problema de saúde mental (individual) e hoje é visto como um problema de saúde pública, pois ele é causado por muitos fatores e não apenas por fatores pessoais.

O burnout sendo considerada uma doença ocupacional, há uma mudança na representação social da doença. A pessoa do trabalhador deixa de ser vista como “fracassada” e passa a ser vista como parte de um sistema que adoeceu. O trabalho doentio, adoece o trabalhador. Neste ponto de vista, o problema deixa de ser só do trabalhador que adoece e passa a ser de quem coproduziu a doença: o empregador. Deixa de ser um problema individual e passa a ser um problema trabalhista.

Para o empregador, ter o burnout classificado como doença do trabalho é importante para que se mude o olhar de utilitarista, para humanista. Provavelmente diminuirá a rotatividade e melhorará o clima organizacional a médio prazo. A curto prazo, pode ser que alguns empregadores percebam o risco da judicialização de causas trabalhistas, como algo mais para encarecer os custos de produção, a necessidade de agir na prevenção, gerenciar a carga de estresse antes que chegue na fase de exaustão e lidar com a subjetividade dos trabalhadores, para a qual, muitos dos empregadores não estão preparados. Pode ser que prefiram terceirizar esse serviço para empresas ou consultores da área de psicologia e recursos humanos e, só no médio prazo esse investimento será percebido como vantajoso. Por outro lado, algumas empresas já gerenciam muito bem os limites do estresse e as relações humanas.

Quais as principais causas do burnout?

Giseli: De acordo com a OMS, o burnout é o resultado do estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso. Neste processo, vamos encontrar fatores que são do trabalhador e fatores que são próprios do contexto que, quando somados, formam o contexto favorável para a síndrome. Por exemplo:

Um trabalhador que não sabe dizer não e teme perder o emprego, e um empregador que abusa da disponibilidade, sobrecarrega de tarefas, determina metas muito difíceis de alcançar e não observa sinais e sintomas de alerta de estresse. O que ocorre neste caso, é que a relação de poder é sempre desigual, e sempre será maior do empregador, de modo que a responsabilidade pela gestão do estresse deve ser do empregador.

Mesmo que tenha consciência de estar em uma relação abusiva, será muito mais difícil para o trabalhador, individualmente, considerando a desvantagem de poder, discutir sobre este assunto com o empregador, especialmente se a cultura da empresa for utilitarista.

No entanto, não se trata de isentar o trabalhador de responsabilidade, pois há uma corresponsabilidade, ainda que se tenha consciência de uma condição de poder desigual. Não raramente, encontramos trabalhadores que já naturalizaram o assédio moral, que tem mentalidades rígidas e acreditam que todo trabalho é difícil, que tem crenças e preconceitos acreditando, por exemplo, que o bom trabalhador é aquele que não reclama, que faz esforço físico e que não pede ajuda. Estes trabalhadores exercem um papel complementar aos empregadores utilitaristas. É muito importante se permitir a reflexão e o diálogo com colegas de trabalho que pensam diferente para ampliar o ponto de vista sobre relações de respeito e garantia de direitos no trabalho.

Como as empresas devem agir na prevenção?

Giseli:

– Considerando que a subjetividade faz parte do trabalhador e não é uma anomalia.

– Divulgando quais são os fatores de risco e os fatores de proteção relacionados ao tipo de trabalho da empresa.

– Oferecer apoio social e atendimento à saúde mental on-line ou presencial.

– Orientar e promover atividades físicas saudáveis.

– Divulgação de dicas de saúde, bem-estar e entretenimento.

– Liderar o desenvolvimento de programas de habilidades sociais, especialmente de habilidade para comunicação assertiva, não violenta.

– Treinamento para dar e receber feedbacks.

– Apoiar o trabalho em home office com orientação de ergonomia, oferta ou benefícios para aquisição de equipamentos de informática.

– Focar no problema e não no culpado.

– Investir em engenharia de segurança no trabalho.

– Construção de relações institucionais horizontais, colaborativas e dialógicas, arranjos sinérgicos que por consequência (e não objetivo) impacta em maior eficiência e produtividade.

– Organizações de colegiados, sindicatos, associações, programas de ouvidoria, grupos de trabalho.

– Organogramas mais horizontais e não verticais.

– Programas de saúde mental nas empresas.

A pandemia contribuiu para o aumento de casos de estresse no trabalho?

Giseli: Antes da pandemia o Brasil já era considerado pela OMS como o país mais ansioso do mundo, com 9,3% da população ansiosa, e o segundo maior das Américas com depressão, sendo que, tal doença atingia 5,8% da população.

Em junho de 2020, quando o Brasil chegava à marca de 50 mil mortos pela pandemia, uma pesquisa sobre saúde mental na quarentena, liderada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, registrou um aumento de mais de 90% em casos de depressão, e de mais de 70% nas queixas de crise aguda de ansiedade.

Em um cenário de incertezas, a ansiedade tende a ser elevada, pois são maiores os elementos que não dependem do trabalhador. A ameaça do contexto é real, não só pela doença provocada pela covid-19, mas por todos os efeitos sociais que ela provoca, como crise econômica e financeira, perdas de vidas e outros.

Os impactos da inclusão da síndrome de burnout nas relações de trabalho

Ronald:

Em primeiro lugar, são os benefícios previdenciários:

  • Auxílio-doença acidentário: para o empregado que necessita de afastamento por um tempo superior a 15 dias é devido o auxílio-doença acidentário. Neste caso, o empregado se afasta por ter sofrido “doença relativa ao trabalho”.
  • Aposentadoria por invalidez: é aquela devida ao segurado, que ao ser diagnosticado com a síndrome de burnout, e esta seja considerada uma sequela definitiva que o impede de exercer não só as suas atividades, como qualquer outra (readaptação).

Observações:

Para a concessão do benefício é necessário que o trabalhador comprove mediante laudo médico a sua situação de saúde. Ao ser considerada uma doença ocupacional, a síndrome de burnout não haverá exigência do cumprimento de carência para obtenção do benefício.

Em segundo, estão os Processos Judiciais Trabalhistas:

  • Indenização – se restar comprovado que a síndrome é decorrente de um ambiente de trabalho agressivo, que afeta de forma traumática as condições psicológicas do trabalhador, este poderá pleitear indenizações por dano moral e até por dano patrimonial em razão das despesas com tratamentos médicos.

Observação: Para a comprovação e responsabilização da empresa, será necessário a produção de provas técnicas (exames periciais); testemunhal e até mesmo documental, a fim de demonstrar que o ambiente de trabalho, ou seja, as condições em que eram desenvolvidas as atividades comprometeram de forma hostil as condições psicológicas do trabalhador.

  • Medidas de prevenção: assim, para que se evitem os processos judiciais, se faz necessário que as empresas desenvolvam políticas de avaliação, capacitação e melhoria do ambiente de trabalho, de forma a torná-lo saudável.
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Créditos do Fotógrafo: Pixabay


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