É pela educação que vamos acabar com estereótipos e preconceito aos povos indígenas
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoSabe-se que o termo “descobrimento” para o momento que os europeus chegam ao território hoje conhecido como Brasil é um equívoco. Isso porque essas terras já eram povoadas por grupos indígenas. A partir da colonização, o que aconteceu foi um processo de “apagamento” da história dos nativos. O conhecimento anterior às colônias é precário, principalmente porque os povos que aqui estavam mantinham o registro de sua cultura através da oralidade.
As transformações que surgiram após a chegada dos colonizadores não foram pacíficas. O primeiro contato aconteceu de forma forçada, com a expulsão e a exploração dos indígenas, que sofreram um processo violento de genocídio, assim como de cristianização e catequização.
“O termo índio, por exemplo, é uma invenção do colonizador, é uma categoria que busca reduzir a diversidade dos povos indígenas subsumindo-as a essa noção muito genérica de que todos os povos diferentes do colonizador eram indígenas. E é exatamente em razão desse processo histórico de apagamento que os estereótipos hoje ensejam sobre os povos indígenas, a perpetuação de uma visão racista que os definem como povos selvagens, ignorantes, atrasados, povos do passado, pouco desenvolvidos, povos sem história, povos sem cultura.”, afirma a professora Ana Tereza Reis da Silva, que atua no programa de pós-graduação em educação e mestrado em sustentabilidade da Universidade de Brasília (UnB).
O professor Elói Corrêa, doutor em geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e docente na rede estadual de ensino, pesquisa sobre os povos guarani e não acredita na versão de que os colonizadores teriam se perdido na rota para a Índia. Para ele, os europeus vieram com a intenção de invadir, em busca de mão de obra. Elói também não aceita o termo “pardo”. “Eu sou descendente dos povos indígenas brasileiros, eu sou descendente dos povos nativos, como 99% do povo brasileiro”, completa.
Ana Tereza, que é membro do conselho de direitos humanos da UnB, diz que os indígenas começaram a ganhar espaços e direitos apenas com a Constituição de 1988, quase 500 anos após o início da colonização. A partir disso, a profissional consegue enxergar três mudanças relacionadas à área de educação. A primeira delas é o direito à educação formal diferenciada, com respeito à cultura dos nativos, construção de escolas indígenas nas aldeias. A formação de professores possibilitou não apenas um ensino feito para eles, mas também por eles. Isso permitiu a afirmação da identidade e a reconstrução da história indígena, espaço de mobilização política.
Com isso vieram também as políticas afirmativas, que abriram espaço na graduação e pós-graduação, a expansão das universidades públicas e o acesso ao ensino superior, com a valorização da intelectualidade indígena. Isso trouxe produções acadêmicas muito fortes, momento em que os indígenas “deixaram de ser objetos de estudos para serem teóricos de si mesmos”. Assim, inicia o processo de inserção da história e cultura dos nativos na educação básica, com a transmissão do conhecimento como acontece nas aldeias.
“Os povos indígenas foram adquirindo uma consciência aguda sobre a importância que a educação formal tem como uma ferramenta, uma estratégia para afirmação de direitos e para a luta por direitos. Eles compreenderam, por exemplo, que a luta por direitos hoje exige que eles dominem os códigos que regem as relações da sociedade hegemônica. Só assim, por exemplo, eles podem acompanhar os projetos de lei e os projetos de emenda constitucional que tramitam no Congresso Nacional e que, na maioria das vezes, visam justamente desmantelar os direitos indígenas que foram garantidos na Constituição”, ressalta a professora.
A terceira transformação citada por Ana Tereza é a criação da lei nº 11.645, que coloca como obrigatoriedade na educação básica o ensino da história e cultura indígena. Mas junto com ela, vem também o desafio de superar a reprodução de estereótipos. Ela lembra do dia 19 de abril, data em que se comemora a diversidade indígena, mas que as escolas reproduzem o imaginário racista que ainda predomina na sociedade brasileira. Para a profissional, é por meio da educação que a população aprende a ser racista e absorve uma concepção estereotipada sobre determinados povos. E é também por meio da educação que isso deve ser desconstruído.
“A lei 11.645 representa para o Brasil uma oportunidade de diálogo intercultural que nos vacine contra a ignorância, o preconceito, a discriminação, o racismo. Por outro, é uma oportunidade para que a sociedade brasileira se reencontre com as suas ancestralidades originárias. Como diz o antropólogo Viveiros de Castro, ‘no Brasil todo mundo é indígena, mesmo quem não é’. Muitas vezes, inclusive, nós temos muito mais do que pequenos traços. E a gente não é capaz de reconhecer essa ancestralidade tamanho o racismo, o preconceito, o apagamento que esses povos experimentaram ao longo da experiência moderna colonial brasileira”, afirma.
Elói lembra que boa parte da sociedade ainda acredita que por experenciar parte da cultura branca, os nativos deixam de ser indígenas. Seja por se vestirem, por utilizarem computadores, estarem inseridos na educação formal. Desse ponto de vista, surgiu o termo “aculturação”, o que não existe, de acordo com o professor.
“Se o indígena foi aculturado, como muitos dizem, então o colonizador também foi indianizado. Porque nós falamos palavras indígenas, comemos alimentos indígenas, fazemos curandeirismos, usamos ervas indígenas. Temos hábitos, inclusive religiões modernas, como a Umbanda, a Ayahuasca. Se a gente parar de comemorar dia do índio nas escolas, já estamos avançando. Tem que ser um dia de protesto, não basta pintar o rosto e fazer uma peninha. Tem que ler textos indígenas, falar sobre a nossa herança”, salienta.
O professor afirma que os indígenas “continuam silenciados”, que emendas de leis continuam permitindo a invasão e depredação de suas terras. Ressalta que “indígena não é objeto de museu” e que os brancos têm muito mais a aprender com os povos originários do que o contrário, principalmente quando se fala de ecologia e sustentabilidade. Elói indica a leitura de cinco escritores: Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, Olívio Jekupé, Ailton Krenak e Graça Graúna.
Ana Tereza e Elói debateram sobre o tema Povos indígenas no processo de formação do atual território brasileiro na segunda noite do 1º Colóquio de Práticas da Escola Superior de Educação da Uninter, transmitido ao vivo pela página de Geociências no dia 25.fev.2021. O evento contou com a participação da gestora dos polos de Rio Negro (PR), Lapa (PR) e Itaiópolis (SC), Gicele Wormsbecher, e do estudante de Ciências Biológicas Edson Hirt. O bate-papo foi mediado pela coordenadora de área, Renata Garbossa, e pelas professoras Thaisa Nadal e Maria Eneida Fantin.
* Na foto, pronunciamento de Eloy Jacintho, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) na Região Sul, durante evento na Assembleia Legislativa do Paraná.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Dálie Felberg/Alep
Agradecimentos ao parente Eloi Corrêa pela referencia aos escritores e escritoras indígenas e por ressaltar que nós indígenas não somos “objeto de museu”. Estamos juntos, parente. Que Nhanderu nos acolha! Graça Graúna