Disciplina do modelo escolar alemão contrasta com multidisciplinaridade brasileira
Autor: Evandro Tosin - jornalistaImagine se, aos dez anos, você já tivesse os rumos do seu futuro profissional definidos. É mais ou menos isso que acontece no sistema escolar alemão. De acordo com a nota obtida no exame final do primário (quarta-série) da Alemanha, as crianças são direcionadas para as escolas que deverão seguir nos próximos anos. Isso influencia a possibilidade de fazer cursos técnicos ou ir para a universidade.
O modelo contrasta com o brasileiro, no qual os estudantes geralmente decidem sobre a carreira ao final do ensino médio, por volta dos 17 anos.
As diferenças entre os modelos educacionais dos dois países foram debatidas no dia 14 de fevereiro durante Global Meeting Uninter na página oficial do Youtube Grupo Uninter (clique aqui).
Para falar sobre a temática, foram convidados o empresário Samuel Kutenski, da Fundação Marburgo da Alemanha, e o doutor em Educação e professor da educação básica na Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), Célio Leite.
Kutenski é palestrante e empreendedor na área de Transformação Integral. Já atuou em mais de 20 países em diversas ações, projetos e capacitações Sócio-Cristã-Humanitárias, experiências em relações transculturais e interculturais. É um dos coordenadores do Reverse Mission Brasil-Alemanha, que promove e colabora com desenvolvimento de revitalização e auto sustentabilidade projetos cristãos. Entre os projetos realizados, o Heartbeat, que apoia pessoas com deficiência por meio de apadrinhamentos. Em 2011, foi convidado para trabalhar na Alemanha, na Fundação de Marburgo
Já Célio Leite realizou estágio científico avançado no Instituto de Educação da Universidade do Minho, em Portugal. Tem experiência na formação de docentes, coordenação pedagógica, gestão escolar, direção de departamento municipal de ensino e na gestão municipal de educação.
O debate contou ainda com participação da diretora da Escola de Educação (ESE) da Uninter Dinamara Machado e apresentação da coordenadora da área de Educação Gisele Cordeiro.
O modelo escolar alemão
“A Alemanha é exemplo no que se refere ao desenvolvimento educacional”, avalia Kutenski. Ele atribui isso a três fatores principais: a cultura da disciplina, o volume de estudos e o alto investimento. “Esse é o lado positivo”, aponta.
Cada um dos 16 estados alemães pode definir as regras para a educação em seu território. Dentro do sistema básico de ensino alemão, para as crianças entre seis e dez anos de idade, é obrigatório frequentar a escola primária (Grundschule). No quarto ano, ocorre a decisão sobre a escola secundária a ser seguida, estruturado por quatro tipos de escolas: Básica (Hauptschulen), Real (Realschulen), Ginásio (Gymnasien) e Coletivas (Gesamtschulen).
Hauptschule são escolas que recebem estudantes que têm menor desempenho acadêmico, são para as profissões mais básicas. Realschule é semelhante ao ensino técnico no Brasil. O Gymnasium são para as mais preparadas, com maior nível educacional – semelhante ao Ensino Médio no Brasil. E por fim, as escolas coletivas que reúnem os três níveis, frequentam o mesmo espaço, entretanto em salas diferentes, é denominado Gesamtschule.
A maior parte dos jovens que fazem Hauptschule ou Realschule se formam com aproximadamente 15 anos e continuam na educação profissional. Já aqueles que efetuam o Gymnasium terminam o curso com cerca de 18 anos e prestam o exame alemão para ingressar em uma universidade, o Abitur.
Em contraponto, a dificuldade é a estrutura que é muito antiga, desde a revolução industrial. O modelo não favorece os diferentes tempos de desenvolvimento.
“Quando o aluno se forma, ele não pode fazer mestrado de outra área. Não existe estudo multifocal. É engessado. O lado é que gera uma ‘casta’ de predestinados. O filho do carpinteiro vai para a Escola Básica. O filho do médico vai para o ginásio de volta. Existe uma tendência cultural de você ir por esse caminho. Pense em uma criança que começa se despertar para o ensino depois que ela fez o sistema fundamental. O timing de aprendizado não é respeitado, como se fosse um produto que está sendo formado”, relata o palestrante.
Esse é um aspecto que contrasta com o modelo brasileiro. Entre os nossos pontos forte estão: a multidisciplinariedade e pluralidade de conteúdos, a procura pela absorção do conhecimento aos alunos e maiores propostas de inclusão. Por outro lado, a educação brasileira permanece com baixo investimento do governo nas escolas públicas, salários baixos dos professores e falta de infraestrutura.
Para que a educação brasileira possa evoluir, é necessário superar o analfabetismo no Brasil, que atinge 10 milhões de pessoas, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) 2019. Além disto, 68% da população com deficiência não tem instrução ou possui o ensino fundamental incompleto.
“O Brasil precisa avançar na valorização dos professores, ter investimento na rede de ensino e em instrumentos pedagógicos. A escola pós-pandemia é outra. Em outros países, os alunos ficam praticamente o dia inteiro na escola, com condições para estudar. No Brasil, ficam quatro horas. Quando têm professores em número suficiente, existem algumas experiências com educação integral, mas sem a qualidade que deveria ter”, comenta Leite.
Inclusive, no início da sua carreira, Leite diz que ainda que tivesse bom conhecimento dos conteúdos, sentia falta de maior formação para trabalhar com pessoas. “Quando se pensa em uma escola de qualidade, também passa por isso. Formação de professores para compreender os seus alunos e a comunidade para que tenham condições de transmitir os conteúdos”, afirma Leite.
A diferença na educação dos dois países aparece também nos níveis mais altos de formação. O Brasil tem 7,6 doutores para cada 100 mil habitantes de acordo com dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) em levantamento publicado em 2015. Na Alemanha, são 34,4 para cada 100 mil habitantes. No Reino Unido, são 41. O que indica uma distância em relação aos países desenvolvidos e demonstra a necessidade de investimentos.
Metas em desenvolvimento
Para diminuir a distância de desenvolvimento entre os países, algumas medidas são adotadas. Entre elas está a agenda 2030 da ONU, que é composta por 17 ODS e 169 metas, em que as nações-estado podem atuar em parceria colaborativa na aplicação deste plano e garantir o futuro das próximas gerações e promover o equilíbrio de três dimensões: econômica, social e ambiental.
Um esforço conjunto entre países, empresas privadas, instituições e sociedade civil para assegurar os direitos humanos, erradicação da pobreza, justiça, igualdade de gênero, mudanças climáticas, educação de qualidade e outros desafios globais. Entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, o número quatro, é a “Educação de Qualidade” que busca garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e assim, promover oportunidades de aprendizagem a todos ao longo da vida.
Autor: Evandro Tosin - jornalistaEdição: Larissa Drabeski