De duas dúzias de ovos trincados se fez um doutor

Nascido na zona rural do estado de Sergipe, onde morava num local chamado Barro Branco, na cidade de Frei Paulo, estudei numa escola onde havia apenas uma sala de aulas para quatro turmas, da primeira à quarta série.  Aos 8 anos de idade, meus pais se separaram, e me mudei para outra cidade com a mãe e o irmão.

Morando na casa dos avós, junto com mais seis pessoas, aos 11 anos de idade decidi trabalhar para ajudar no sustento da família. Comecei então a ajudar em uma granja para ter a “mistura” da semana. Trabalhava no turno da manhã, ia à escola no turno da tarde e fazia as atividades da escola à noite. Sentia-me no céu por poder trabalhar, estudar e ajudar a família. Era a maior felicidade quando recebia o pagamento: duas dúzias de ovos trincados. Sim, trincados, aqueles ovos que não podiam ser vendidos para o mercado.

Sempre estudando em escola pública, trabalhei no comércio e juntei dinheiro para ir estudar na capital do estado. Mas tudo o que tinha só dava para estudar por seis meses em um cursinho pré-vestibular. Morando de favor na casa do tio, ia para o curso a pé, andando por duas horas, pois não tinha o dinheiro do transporte e nem para o lanche.

Apesar do esforço, não consegui passar no vestibular. Decepcionado, voltei para minha cidade natal e prestei concurso para agente censitário, em 1996. Fui aprovado em terceiro lugar. Como era um concurso para atuação temporária, logo tive que seguir novos rumos.

Fui novamente para a capital. Dessa vez, para trabalhar em uma sorveteria. Quando juntei dinheiro, voltei para Frei Paulo e comprei um veículo. Comecei a trabalhar com locação e excursões e abri uma pequena empresa, que administrei por 10 anos. Estagnado, decidi começar tudo novamente. Já casado e com 1 filho, parti para o estado de São Paulo, onde iria concluir minha graduação em Ciências Contábeis.

Mas essa jornada não seria nem um pouco fácil. Por ser nordestino e já ter mais de 30 anos de idade, sofria para encontrar vagas no mercado de trabalho. Saía todos os dias às 5 horas da manhã com uma marmita para o almoço. Como morava em um quartinho na casa do ex-cunhado, de favor, e não tinha condições para fazer as três refeições diárias, dividia a comida da marmita para passar o dia todo. Para não passar vergonha diante dos colegas, almoçava dentro do banheiro.

Entre um emprego e outro, passava o dia distribuindo currículos, mas poucas vezes era chamado para entrevistas, sempre sem sucesso. Em um determinado dia, meu filho, já com 6 anos, me pergunta: “Pai, o senhor sai para trabalhar todos os dias e eu não vejo o senhor trazer nada para casa, nem balas e nem nada. O que o senhor faz? O senhor não tem dinheiro?” Foi um dos piores momentos de minha vida!

Mas como Deus é bondoso, apareceu uma oportunidade, um bico, para pintar alguns quartinhos em um final de semana e, finalmente, ganhar um troco. Ou seja, a oportunidade de levar algo para casa. Aqueles R$ 100,00 que recebi pelo serviço foram como se fosse ganhar o meu primeiro salário, a oportunidade de comprar as balas para o filho e levar algo para casa. Mas 2013 foi um ano de seca, e na vida nada vem fácil. Naquela mesma semana, perdi o livro que tinha emprestado na biblioteca da faculdade, “Contabilidade de Custos”, de Eliseu Martins. Teria de pagar pelo livro. E quanto era? R$ 100,00. Por ironia do destino, pouco tempo depois aquele mesmo livro foi parar na pilha de “doações” da biblioteca – não hesitei e o levei pra casa, definitivamente.

Esse período de seca perdurou por 1 ano – o pior ano da minha vida. Como não achava emprego fixo, resolvi trabalhar como corretor de imóveis. Fiz o curso, tirei a carteirinha de corretor e comecei a trabalhar, feliz da vida. Mas não vendi nada o ano inteiro, ou seja, não ganhei nem um centavo como corretor.

Mesmo assim, continuei a trabalhar e estudar. Surgiu uma oportunidade de dar aulas de apoio, como monitor de matemática financeira, para ter desconto em uma instituição de ensino onde fiz novos cursos para me especializar. Um trabalho bem-vindo, mas eu ainda não tinha como comprar as balas que meu filho tanto queria.

Como era difícil encontrar uma colocação no mercado de trabalho, resolvi prestar concursos públicos. Esse passou a ser meu principal objetivo, e no ano seguinte prestei concurso todos os meses, às vezes duas ou três provas no mesmo mês, em busca de uma oportunidade de trabalho. Nesse tempo, consegui um trabalho como assiste de contabilidade, e continuei me preparando para os concursos.

Mas a aprovação não vinha. Quando me saía bem, entrava no cadastro de reserva. Para poder pagar as inscrições dos concursos eu fazia doação de sangue, que dava direito à isenção das taxas. O lado bom disso é que até hoje sou doador de sangue e cadastrado no banco de medula óssea.

Até que em junho de 2015 fiz um concurso para o qual só tinha uma vaga. Saiu o resultado do gabarito: havia conseguido 85% de acerto na prova, o que não me deixa tão feliz, tendo em vista que já tinha feito outros concursos com 90% de acerto e nem assim tinha sido convocado. Mas para minha surpresa, um outro candidato entrou com recurso e anulou uma questão, o que elevou o meu percentual de acerto para 90%. Mesmo assim, por se tratar de uma única vaga, não fiquei muito animado. Alguns meses depois saiu o resultado: para minha surpresa, fiquei em primeiro lugar, empatado com o outro candidato. Nos critérios de desempate, fiquei com a vaga – eu seria contratado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Para tomar posse da vaga, eu precisava ter o diploma de graduação em mãos, mas ainda não tinha concluído meu curso de Ciências Contábeis. Graças à benção de Deus, consegui terminar a graduação, em julho de 2015, e fazer a colação de grau, em agosto, dentro do prazo para assumir a vaga. Que alívio! A convocação saiu no mês seguinte e eu comecei a trabalhar em outubro de 2015. Finalmente, um emprego estável que me daria a renda suficiente para garantir o sustento da família, e até comprar umas balas para meu filho.

O período de estágio probatório não foi fácil. Havia muita cobrança e um chefe pouco amigável. Mas eu me concentrei no trabalho e continuei a estudar. Uma nova fase começava em minha vida, uma fase próspera. Iniciei um MBA em Contabilidade Pública e Responsabilidade Fiscal na Uninter, no polo de São Bernardo do Campo, e a partir daí as coisas começaram a andar, as portas foram se abrindo e as oportunidades surgindo.

Meu TCC foi publicado em uma revista científica. Havia ganhado um grande conhecimento em auditoria interna, contabilidade gerencial, controle interno, controladoria, gestão de custos e finanças públicas. Ou seja, toda a base que precisava para me desenvolver dentro da instituição na qual trabalhava como contador. Além disso, tomei gosto pela pesquisa científica e comecei a me engajar nessa área.

No trabalho, fui convidado para participar da equipe do controle interno, e logo em seguida assumi a chefia da seção de finanças. Fiz Mestrado em Controladoria, no Mackenzie, com o apoio da minha instituição. No momento, estou fazendo Doutorado em Administração de Empresas, também no Mackenzie, com previsão para concluir em 2023.

E pensar que toda essa jornada começou com um trabalho numa granja, que me pagava duas dúzias de ovos trincados. Se hoje eu posso deixar uma mensagem para os jovens, digo o seguinte: não desista, faça tudo o que estiver a seu alcance, tudo o que for possível, e o que for impossível, deixe que Deus resolva.

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Autor: Luiz Antônio de Oliveira Dantas – Contabilidade Pública (São Bernardo do Campo – SP)
Revisão Textual: Jeferson Ferro