Dar voz para as crianças pretas é fundamental
Autor: Natália Schultz Jucoski - estagiária de jornalismoUma das delícias de ser uma criança é não ter que se preocupar com coisas sérias. Infelizmente, essa não é a realidade de crianças pretas. Naomi, 12 anos, e Liah Vitória, 10 anos, já têm relatos pesados sobre racismo para contar. Questões essas que alguém com tão pouca idade não deveria ter que lidar, nem se questionar e muito menos se sentir inferior.
As pequenas foram convidadas para o Papo Castiço e conversaram com a apresentadora Sandy Lylia da Silva sobre suas vivências e aspirações. Mesmo sendo crianças, elas já entendem a importância do que é ser uma criança preta e de saber sobre sua ancestralidade para que consigam entender seu lugar no mundo. O preconceito ainda faz parte da rotina dessas meninas e elas seguem tentando se posicionar em busca de justiça, algo importante para que cresçam como crianças empoderadas e se tornem mulheres empoderadas.
Liah Vitória com apenas 10 anos já tem uma carreira como rapper mirim e apesar de fazer sucesso tão nova, o pontapé inicial para fazer suas rimas veio de uma experiência negativa. Assim que entrou na creche, Liah foi vítima de preconceito por parte de uma de suas coleguinhas: “Uma menina chegou o falou assim ‘o seu cabelo é feio’”, relembra. A partir daí, a garotinha que adorava ir à escola, não queria mais sair de casa. Ela também começou a se questionar sobre sua aparência. Isso só mudou quando criou coragem para contar o ocorrido a sua mãe. A partir desde episódio ela se sentiu inspirada por uma batida de música e começou a fazer rimas, como ainda não sabia escrever, sua irmã a ajudou a registrar a composição da pequena Liah. Em uma de suas músicas ela canta: “Tem muito preconceito, arrogância e prepotência, tenha consciência. Já vi que a real é essa, resistência dos ancestrais uma promessa. É sobre nós, não só por mim”.
Naomi é uma trancista mirim e cresceu em meio de um salão de beleza afro. Ela até já foi tema de uma reportagem no Fantástico quando tinha sete anos, época em que aprendeu a trançar os cabelos de suas colegas de escola. Para ela, sua mãe é uma das maiores referências de negritude, pois fez questão de mostrar para a filha toda a representatividade que ela não teve enquanto era menina. Mesmo crescendo em um espaço acolhedor, Naomi sempre se viu questionando o porquê de só ver garotas brancas ao seu redor. “Na escola, por exemplo, a gente não vê muitas coleguinhas pretas, e aquelas que a gente vê tem um pouco de empoderamento porque elas são retraídas e oprimidas. Então eu sempre tive um pouco dessa falta”.
A falta a que Naomi se refere é sobre não ver pessoas iguais a ela ao seu redor. Em ambientes como escolas e meios de comunicação, por exemplo, não existem muitos modelos para que a maioria da população brasileira, que segundo o IBGE é 54% negra, se identifique. São espaços majoritariamente brancos. Mesmo crescendo em um meio cheio de referências pretas positivas, uma criança preta ainda tem dificuldade em ver outros iguais a ela.
Naomi e Liah são apenas duas crianças que, infelizmente, terão que lidar a vida inteira com o racismo. Por isso se faz mais do que necessário que os adultos façam o mesmo que a mãe da Naomi, busquem criar suas filhas e filhos pretos com amor próprio e referências positivas de negritude. Que elas consigam entender que certas atitudes são racistas e que podem se defender de tal ato em busca de justiça. Tentar transformar esse processo, que é crescer um pouco menos doloroso, enaltecendo a beleza negra com representações positivas para que essas crianças cresçam empoderadas, com autoestima e, sobretudo, ocupando espaços.
Sobre o futuro, Naomi se vê como uma mulher preta que não tenha feridas, “Eu quero ter o autoconhecimento da minha mãe. Eu quero saber quem eu sou, o que eu sou, e porque sou”. E Liah quer poder usar o rap como meio de defender as pessoas que precisam, para ela, suas rimas tem poder.
O episódio completo pode ser conferido clicando neste link. O Papo Castiço é transmitido pela Rádio Uninter e vai ao ar todas as quartas-feiras às 10h.
Autor: Natália Schultz Jucoski - estagiária de jornalismoEdição: Larissa Drabeski