Da periferia à Esplanada dos Ministérios, Luislinda Valois relembra trajetória
Autor: Igor Horbach – Estagiário de Jornalismo“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” É o que diz o artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, o qual Luislinda Valois, ex-ministra da Mulher e dos Direitos Humanos (2017 – 2018), acredita que o ministério deve basear suas ações.
“Pra mim, o Ministério dos Direitos Humanos tem que se voltar ao artigo 5º da Constituição”, comentou ela em entrevista ao pró-reitor de pós-graduação da Uninter, Nelson Castanheira, em programa na TV Profissão.
Filha de Luis e Lindaura, Luislinda é baiana e de origem humilde. Uma das primeiras juízas negras do país, ela passou por inúmeras adversidades antes de chegar ao alto escalão do Ministério dos Direitos Humanos.
Antes da magistratura
Nascida em 20 de janeiro de 1942, em Salvador (BA), Luislinda Dias de Valois Santos é neta de escrava e sempre viveu na pele o que o Brasil possui de mais abominável: o racismo enraizado. “Fia, nunca deixe ninguém pisar em você”, é o que teria dito sua avó quando Luislinda ainda era criança e não compreendia o lugar que a sociedade a obrigava ocupar. Conforme crescia, ela viveria tudo isso.
Seus pais, mesmo sem condições financeiras, eram exigentes em sua educação. “Educação recebemos em casa, na escola recebemos ensinamentos”, diz ela. Um dia, após apresentar a um de seus professores o material solicitado, Luislinda foi alvo de preconceito do próprio professor.
“Ele me disse que se meus pais eram tão pobres a ponto de não conseguirem comprar o material certo, que eu parasse de estudar e fosse aprender a fazer feijoada pra branca”, conta ela emocionada ao relembrar do episódio traumático. Sem conseguir se conter diante da situação, teria respondido: “Pois eu vou estudar, virar juíza e voltar aqui pra te prender”.
Hoje, a juíza que já lutou tanto pela igualdade racial tem certeza absoluta de que o episódio foi o gatilho que a incentivou a reivindicar o direito das pessoas pretas e, principalmente, seguir sua carreira profissional na área jurídica. “Eu tenho que mudar esse tratamento que o Brasil dá a seu povo preto”, diz.
Assim que assumiu o Concurso de Procurador Autárquico Federal, Luislinda foi transferida para o Paraná, onde assumiu o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte. Dedicou-se inteiramente aos estudos para outros concursos públicos. “Tenho uma dívida histórica com os juízes federais do Paraná”, comenta ela ao relembrar o apoio e ajuda aos estudos que recebeu dos magistrados do estado e da equipe da Biblioteca Publica do Paraná.
A estrutura racista da sociedade brasileira não a livrou, mesmo como juíza, ao assumir na Bahia, anos depois. Luislinda conta a perseguição que sofreu após uma sentença de um caso de injuria racial. “Todo dia recebia um bilhetinho com ameaça de morte”, conta.
Com medo do que pudesse acontecer a ela e seu único filho, a juíza decidiu se afastar do cargo e passar um tempo em Curitiba. Contudo, precisaria sacar seu dinheiro de um banco, onde sofreu mais um caso de racismo. “Meu filho demorou um pouco para conseguir sacar e me sentei, esperando-o. Logo surgiram vários seguranças ao meu redor e até mesmo a gerente da agência”, narra ela, novamente emocionada.
Segundo o relato, a gerente havia afirmado que, pela demora de uma pessoa preta na agência, já suspeitavam de ser um plano de assalto. “Meu filho pegou o jornal [com a reportagem sobre a perseguição que estava sofrendo] e mostrou para eles quem eu era, e aí a coisa mudou. Exigi todo o dinheiro da minha conta e nuca mais voltei naquele banco.”
Projetos sociais na jurisdição
Após os episódios de retaliação e de volta a Salvador, Luislinda percebeu que a população que aguardava por sentenças o faziam com grande angústia e medo de injustiça. “Descobri que na Austrália a sentença já saía no mesmo dia da audiência. Comprei o curso do meu bolso e viajei pra lá. Voltei com o projeto pronto para implementar”, conta ela sobre a ideia de aplicar em sua jurisdição a possibilidade da sentença no mesmo dia da audiência.
Um tempo depois, ainda descontente com a situação que estava sendo vivenciada pela sociedade de Salvador, a juíza criou o Juizado Itinerante. Na época, foi até Brasília (DF) solicitar um ônibus para que pudesse se deslocar de bairro em bairro na cidade, dando andamento aos casos até então parados na fila. Com o sucesso do projeto, ela o evoluiu para a área marítima, levando de barco a justiça para as ilhas ao redor de Salvador.
A passagem por Brasília
Com o reconhecimento profissional e de ações pela luta na igualdade racial, foi convidada em 2016 para ocupar a cadeira de Secretaria da Promoção da Igualdade Racial do Ministério dos Direitos Humanos, no governo de Michel Temer.
“Um tempo depois, eu estava em Porto Alegre para uma palestra, quando o Ministro da Justiça me ligou dizendo que precisava estar em Brasília na manhã seguinte, pois o presidente queria falar comigo. Fiquei com muito medo, pensando no que poderia ter feito de errado”, conta ela. No dia seguinte, no Palácio do Planalto, ela receberia a notícia que nunca pensara em toda a sua vida: “A partir de amanhã, você será ministra dos Diretos Humanos”, teria dito o então presidente.
Assim, ela ocupou um dos cargos mais importantes do país entre 3 de fevereiro de 2017 e 19 de fevereiro de 2018, quando entregou a pasta para o presidente. No curto período no ministério, viajou pelos estados do país, estudando a necessidade de cada um na luta pelos direitos humanos. Chegou até a fronteira do Amazonas em um dos casos de tráfico humano e criou a Lei de Prioridade Absoluta para maiores de 80 anos. Atualmente, Luislinda conquistou a cadeira de desembargadora no estado da Bahia.
O programa foi ao ar em 26 de janeiro de 2024. Assista-o na íntegra neste link.
Autor: Igor Horbach – Estagiário de JornalismoEdição: Arthur Salles – Assistente de Comunicação Acadêmica
Créditos do Fotógrafo: Marcos Corrêa/Presidência da República e reprodução