Conectados, sozinhos e doentes: o legado das redes sociais

Autor: (*) Sheron Mendes e Daniel Guimarães Tedesco

Um almoço em família ou um café com amigos nunca mais foi o mesmo com o smartphone. Com as redes sociais e mais recentemente o hype (assunto da moda) das inteligências artificiais, as relações humanas foram transformadas. É claro que estes recursos ajudam muito, mas uma ameaça às boas relações humanas presenciais, diminuindo a empatia e inibindo as interações fora do ambiente virtual. Neste texto, vamos trazer algumas pessoas, além de nós, que tem pensado muito nessa transformação material-digital, e alguns que já discutem isso há muito tempo.

No ambiente digital, o indivíduo é aprisionado dentro de sua própria bolha, contrastando com o pensamento analógico humano. Sherry Turkle, no livro “Alone Together”, discute como a tecnologia digital que conecta pessoas pode levar à solidão e à desconexão no mundo real. Byung-Chul Han, em “Não-coisas”, argumenta que o pensamento analógico envolve analisar e corresponder, respondendo a uma voz que nos dispõe e sintoniza. Corresponder significa estar disposto a ouvir e atender ao apelo do outro, envolvendo escuta, sintonização e ação. Em contraste, a inteligência artificial, por sua natureza, não pensa verdadeiramente, pois nunca está fora de si mesma; ela é surda, incapaz de perceber a voz que nos conecta.

A comunicação digital, apesar de conectar, empobrece as relações humanas ao limitar a interação física e sensorial, essencial para a experiência completa do mundo. Merleau-Ponty, em sua fenomenologia, enfatiza a importância do corpo e dos sentidos na percepção e vivência do mundo. Marshall McLuhan, em 1964, já previa muitos dos debates atuais ao destacar como os meios de comunicação afetam nossa percepção e interação com o mundo. O digital é visual e auditivo, excluindo outros sentidos para uma experiência humana completa. Assim, o digital elimina a interação pessoal, a afeição e a presença, acelerando o desaparecimento do outro. O excesso dos estímulos visuais nas telas, dificulta a experiência da presença real. A redução do contato físico nos priva de estímulos sensoriais como olfato, paladar e tato, limitando-nos a superfície da presença. Baudrillard argumenta que a mídia e a tecnologia transformam a realidade em uma série de imagens e signos, desumanizando e despersonalizando o outro.

Além de proporcionar uma experiência sensorial reduzida, a enxurrada de informações visuais digitais, especialmente nas redes sociais, simplifica e banaliza a realidade, levando à Síndrome da Fadiga de Informação (STI) e à perda da capacidade de atenção e pensamento crítico. Nicholas Carr, em “O que a internet está fazendo com nosso cérebro”, discute a redução da capacidade de atenção e profundidade de pensamento na atualidade. O excesso de informação enfraquece o pensamento, transformando a “comunicação comunicativa” em “comunicação cumulativa”. Essa comunicação cumulativa e superficial nos bombardeia com estímulos sensacionalistas que nos dessensibilizam e nos tornam passivos diante da realidade. Herbert Simon aponta que a abundância de informações resulta em uma escassez de atenção, levando à sobrecarga cognitiva e à dificuldade em processar informações criticamente. Alvin Toffler, em “Choque do Futuro”, descreve um estado de passividade e incapacidade de lidar com a realidade devido ao excesso de informações e mudanças rápidas. Assim, a sobrecarga de estímulos digitais não apenas diminui nossa capacidade sensorial, mas também compromete nossa habilidade de compreender e reagir criticamente o mundo ao nosso redor.

Para agravar ainda mais a situação, a exposição constante a imagens violentas na internet, juntamente com a falta de reflexão crítica, dessensibiliza e diminui a empatia, levando à indiferença do sofrimento alheio. Martin Buber, filósofo judeu, distingue entre relações “Eu-Tu” (autênticas e recíprocas) e “Eu-Isso” (utilitárias e objetificantes). As redes sociais tendem a fomentar relações “Eu-Isso”, onde o outro é visto como um objeto de consumo de conteúdo. O ser humano se comporta como um espectador letárgico, apontando para o desaparecimento do outro com o simples rolar dos dedos. Nesse processo, o outro é coisificado, e o objeto de rolagem não causa dor. Esse ciclo nos aprisiona cada vez mais, fazendo-nos olhar apenas para nossos próprios “cárceres de si mesmo”. As redes sociais, ao promoverem essas relações, colaboram para a alienação e a desumanização nas interações humanas, tornando-nos insensíveis ao sofrimento dos outros e mais focados em nossas próprias realidades isoladas.

Em última análise, precisamos refletir sobre como reverter essa tendência e resgatar a profundidade das relações humanas. Como disse Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos”, e talvez seja hora de redescobrir o que é realmente essencial em nossas conexões humanas.

*Sheron Mendes é Bióloga formada pela PUC-PR, Especialista em Neurobiologia Interpessoal pela Mindsight Institute, Califórnia e Mestranda em Educação e Novas Tecnologias de Ensino pela UNINTER.

*Daniel Guimarães Tedesco é Doutor em Física pela UERJ, Professor da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário Internacional Uninter.

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Autor: (*) Sheron Mendes e Daniel Guimarães Tedesco
Créditos do Fotógrafo: Pexels


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