Com as mesmas mãos que girava as rodas da cadeira, Eduardo escreveu sua história

Autor: Igor Ceccatto - estagiário de jornalismo

Eduardo da Silva Pereira, de 46 anos, é egresso do curso de Pedagogia da Uninter, na modalidade a distância(EAD), e atua como professor do ensino superior em Letras e Pedagogia. Recentemente, lançou o livro A educação inclusiva sob a ótica de um professor PCD, que dá continuidade à pesquisa de seu trabalho de conclusão de curso (TCC), realizado na Uninter em 2019.

A história de Eduardo com a deficiência física começa em 1981. Aos 7 anos, ele contraiu poliomielite. “Até então eu era uma criança normal como qualquer outra, já estava na escola e fazia as atividades pertinentes a uma criança: corria, brincava, estudava. Mas, contraí a doença e fiquei internado em um hospital por quase 2 anos”, conta ele.

Do momento do diagnóstico em diante, a vida de Eduardo mudou completamente. “Quando constataram que eu havia contraído a paralisia infantil, a cadeira de rodas tomou lugar das minhas pernas. Vieram as sessões de fisioterapia e uma rotina de exercícios que me acompanhariam até o ano de 1986, quando tinha 12 anos e comecei a recuperar, com dificuldade, os movimentos das pernas e dos braços”.

Portanto, para que a recuperação se completasse, foi necessária muita força de vontade. “Com muito esforço retomei parte do meu equilíbrio, passando a ficar em pé com o auxílio de bengala. A pólio me deixou com sequelas moderadas, como a limitação de força física e atrofia dos braços e pernas, que comprometeram muito a mobilidade. Essas dificuldades se mostraram terríveis nos primeiros anos de retomada escolar, mas não deixei que isso me impedisse de estudar, apesar do bullying por parte de pais de colegas de escola”.

Para Eduardo, o comprometimento de seus pais foi fundamental em sua luta. “Eles conversavam muito seriamente comigo, despertando minha consciência quanto ao meu futuro e ao enfrentamento da vida”.

Em entrevista à Central de Notícias Uninter, ele fala sobre sua trajetória até ingressar no curso de Pedagogia e sobre os desafios enfrentados para se formar.

CNU – Você conclui o ensino médio em 1992. E depois, como foi sua vida de estudante? Teve que enfrentar mais desafios?

Eduardo – Terminei o ensino médio e sabia que se eu quisesse mais teria de estudar mais. Então em 1993 entrei para o curso de Análise de Sistemas, cursei até o 6º semestre, mas não concluí. Não tinha mais forças para me deslocar para a Universidade. Morava em um município (Cachoeirinha) e estudava em outro (Porto Alegre). Levava quase 3 horas para chegar em casa. Saía do trabalho e chegava sempre atrasado nas aulas. Foi quando abriu uma universidade perto de casa, a Universidade Luterana Brasileira do Rio Grande do Sul (Ulbra/RS), onde passei a cursar Letras. No início fui o único homem, e com deficiência, em uma sala repleta de mulheres. Fiz muitos trabalhos acadêmicos sozinho, pois minhas colegas tinham “receio” de mim. Nessa época, com meu conhecimento de análise de sistemas, passei a monitor do laboratório de informática da universidade e, logo em seguida, passei a lecionar as aulas de informática básica para os cursos de Letras e Pedagogia. Tomei gosto por lecionar, e isso foi entre 2002 e 2004. Ganhei notoriedade na universidade, e em 2005 assumi minha primeira sala de aula, profissionalmente, em uma escola da Rede Jesuíta de Ensino, onde trabalhei por 11 anos. Me formei em 2007 em Letras, fiz pós-graduação em Linguística na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em 2008. Desse ponto em diante não parei mais de estudar. Fiz muitos cursos em áreas análogas à minha formação. E foi em 2016 que resolvi fazer Pedagogia. Pesquisei os cursos, falei com instituições e optei pela Uninter, por ter metodologia condizente com as realidades da educação.

CNU – Como foi o começo de sua história na Uninter e quais pontos positivos lhe fizeram escolher a instituição?

Eduardo – Conheci a Uninter no ano de 2011, quando comecei o MBA em Gestão do Conhecimento, justamente quando a AaD entrava em vigor e com força no Brasil, trazendo uma nova metodologia e modalidade de ensino. No período em que estudava o MBA pude perceber as diversas vantagens de se fazer um curso em que pudesse ter a liberdade de horário e estudo. A escolha da instituição pautou-se pela qualidade e solidez, já que havia muitas instituições na época e uma diversidade de cursos. A metodologia inicial era a de semipresencial. Eu tinha aula uma vez na semana, os conteúdos eram exatamente o que eu precisava e queria, e a interação dos professores, em Curitiba, e eu em Porto Alegre, era muito boa. O tutor da sala também se mostrava atento e pronto aos esclarecimentos. Contudo, por motivos de troca de horário do meu trabalho, que coincidiam com o das aulas, não pude concluir o MBA. Mas isso não me desmotivou; passado algum tempo retornei à Uninter para fazer a graduação em Pedagogia. Como já tinha uma base do MBA e uma ideia de como era a metodologia aplicada pelo Centro Universitário, não foi difícil me adaptar ao novo formato. Passei a frequentar as aulas e fui muito bem recebido pela instituição. Fiz uma amizade enorme com minha tutora, e passamos a discutir temas pertinentes ao curso de Pedagogia, ao material utilizado, às atividades etc. Eu procurava chegar cedo nos dias de apresentação de portfólio e ficava até o final para assistir os colegas, e em momentos assim trocava muitas ideias com minha tutora.

CNU – No meio de tudo isso, já chegou a sofrer algum tipo de preconceito ou pensou em desistir em algum momento?

Eduardo – Preconceito, neste país, é algo banal e corriqueiro, mesmo as pessoas afirmando que não são preconceituosas. Sofro preconceito até hoje, principalmente no mundo do trabalho. Mas me valorizo e não aceito menos do que valho, do que os meu valores e preceitos. Já ouvi muitos “nãos”, já tentaram me colocar em funções profissionais diferentes da minha formação, já tentaram me tratar apenas como um número cotista. Porém, jamais me rebaixei, colocando pessoas e empresas em seus devidos lugares. O sentimento de desistência é algo que sempre bate na gente – e em qualquer um – quando tudo parece dar errado, quando não achamos nosso espaço ou quando não encontramos o que queremos e que esteja a nossa altura. Entretanto, desistir não é uma saída. Eu sou muito persistente. Desde a graduação traçava metas, na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio, no ensino técnico e por fim no ensino superior. Passei gloriosamente por todas essas etapas. Provei aos meus colegas e superiores que poderia realizar uma educação diferente, consciente, e que poderia preparar uma geração para ter maior noção quanto às pessoas com deficiência ou com limitações. Em meio a tantos desafios, a querer mostrar meu valor, comecei a delinear, antes do curso de Pedagogia, um artigo sobre onde estavam os professores PCDs. Isso me motivava muito, pois me achava sozinho em uma cruzada. Não via pares como eu, deficiente moderado. Via muitos colegas com deficiência leve, mas com muito pouco impedimento para a execução de suas atividades profissionais e para quem as adaptações de acessibilidade quase nunca eram necessárias. Com diversos questionamentos em mente fui buscar outro aprimoramento na Pedagogia, uma vez que já havia delineado um cenário ainda não retratado no país, e essa motivação me incentivou a verificar bibliografias, artigos, pesquisar em bibliotecas das universidades, ler revistas para constituir as respostas que eu procurava para minha pergunta: “Onde estão os professores com deficiência moderada e grave?” Essa foi a maior motivação e desafio que enfrentei até o momento.

CNU – Durante sua trajetória, até terminar o TCC, quais foram as dificuldades que enfrentou por causa da deficiência?

Eduardo – A descrença e o descrédito da minha pesquisa por parte de muitos colegas, já que não havia nada relatado por outros professores. E as poucas reportagens que existiam eram num sentido capacitista (de capacitismo, ou seja, de pessoas sem deficiência falarem e serem porta-vozes das pessoas com deficiência, como se essas não pudessem se manifestar). Quando terminei todas as disciplinas e restou somente o TCC, de tanto ser posto para baixo, de me dizerem que eu não encontraria dados, pois o governo esconde muitos números e que ninguém aceitaria uma pesquisa empírico-analítica, uma vez que seria baseado mais na minha experiência pessoal e profissional, foi um banho de água fria. Mas, certa noite, e depois de minha separação matrimonial de 13 anos, recebi uma determinada luz, dizendo que eu deveria escrever, simplesmente escrever, colocar no papel toda a minha ideia, analisar os dados que existiam, expor os porquês, perguntar para os poucos colegas que eu conhecia e que tinham condições limitantes iguais às minhas sobre o sentimento de ser professor e não exercer a profissão de formação. Então, debrucei-me nas pesquisas e nas leituras que faziam sentido para mim, minha experiência e o conhecimento adquirido no curso de Pedagogia, e assim nasceu meu TCC. Lembro de ter conversado mais de hora no telefone com minha orientadora – professora Sueli Donato – explicando cada etapa e fase do trabalho até chegar à avaliação final e ver a nota 10.

CNU – Qual o motivo de ter escolhido esse tema para seu trabalho de conclusão de curso? E quando veio a ideia de transformá-lo em livro?

Eduardo – A escolha se deu pela falta de bibliografia na área da educação construída por uma pessoa com deficiência moderada, que experiências trazia e poderia agregar na sociedade – educacional e acadêmica – e o anseio de mostrar onde estavam e quem eram esses profissionais, se atuavam como professores. Demonstrei que há muitos professores pcds deslocados de sua real função/formação nas lidas profissionais. Outra necessidade era mostrar a relação pessoal e profissional com a comunidade escolar (escola e família) e como lidam com o diferente; como muitos colegas tratam o diferente, pregando de forma velada o preconceito, fazendo um papel hipócrita de aceite. Transformar o TCC em livro se deu por duas vias: a primeira a pedido da tutora, prof. Bethânia Cowsig, que me auxiliou muito nesse debate, presencialmente ficávamos horas conversando e trocando ideias. Depois pela avaliação da minha orientadora, profa. Sueli Donato, que recomendou a publicação devido à relevância, excelência e importância para o universo acadêmico. E também pela falta de uma bibliografia desse tema no mercado editorial. Lembro que procurei diversas editoras para a avaliação do material, que foi recusado, sendo informado que era uma publicação muito pequena e de poucas páginas. Na minha interpretação, elas diziam: “não aceitamos nada menos que 200 páginas e nem pesquisa de campo, nada de empirismo.” Ao enviar o original para uma editora, cujo anúncio estava no Facebook, recebi aprovação. O quadro editorial, composto por professores doutores, inclusive da UFRGS e de outras boas instituições de ensino superior do Brasil, teceu-me elogios pelo material, falando do potencial do trabalho e da capacidade de mexer com a formação de professores e com os cursos de Pedagogia. A publicação se mostrou tão importante para a editora que os custos foram absorvidos basicamente por eles, cabendo a mim pouquíssimo investimento.

CNU – Para você, como é ter lançado seu próprio livro? E mais para frente, pretende lançar mais livros?

Eduardo – Meu sentimento é de vitória, de dever cumprido. O que precisava ser dito nesse momento foi alcançado. Ainda há muito [mas muito] a ser feito, e acredito que, com o passar do tempo, surgirão outras bibliografias a complementar essas ideias, a fazer contrapontos, a nos trazer mais experiências para demonstrar que as pessoas com deficiência moderada ou grave também podem contribuir para a construção de conhecimento e de uma sociedade mais consciente de seu papel, com respeito, com valorização e dignidade. Sim. Pretendo melhorar esse material para uma segunda edição, com dados atualizados. Nesse momento, estou desenvolvendo uma pesquisa sobre a substituição dos professores por mentores, cabendo a estes o papel de valorização dos saberes de seus mentorados e da lapidação de seus conhecimentos, agregando valores e despertando a capacidade de resolução de problemas (velhos e novos). Essa pesquisa engloba conceitos da administração, da gestão, do direito aplicados à sala de aula; com isso pretendo demonstrar que o papel do professor tradicional expositivo está com os tempos contados, e que o ambiente educacional (médio, técnico e superior) precisará formar um novo tipo de aluno, ou seja, aqueles que têm a acrescentar com suas ideias para a sociedade e para uma economia solidária.

CNU – Que mensagem você deixaria para as pessoas que possuem alguma deficiência e querem ingressar no ensino superior?

Eduardo – Persistência é a palavra de ordem. Mesmo em meio às dificuldades, jamais desistir. Mostrar-se original e verdadeiro quanto aos anseios e desejos, e lutar por melhoria de si e dos outros, mostrando que as limitações não nos impedem de fazer o impossível, se assim desejarmos realmente.

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Autor: Igor Ceccatto - estagiário de jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


8 thoughts on “Com as mesmas mãos que girava as rodas da cadeira, Eduardo escreveu sua história

  1. Pela primeira vez temos uma bibliografia escrita por um professor pcd, retratando o universo da sala de aula. Muito mais que um livro de acessibilidade e inclusão, o texto traz uma realidade: Onde estão os professores com alguma deficiência que não ocupam as salas de aula? Por que as escolas, que falam e tentam ser inclusivas, não possuem em seu quadro professores pcds?
    Esse livro vem preencher uma lacuna grande e existente a muito tempo. Os dados analisados, apesar de pertencerem a um estado, nos dá uma dimensão do quanto os professores com deficiências sensoriomotoras parecem ser mal aproveitados em suas funções acadêmicas.
    Parabéns ao autor, que com uma linguagem simples e de forma objetiva trouxe à luz esclarecimentos que certamente farão os acadêmicos e a sociedade refletir um pouco mais sobre as pessoas com deficiência.

  2. Que felicidade em ver seu projeto ser lançado como livro. Também sou PCD e com formação em Secretário e RH. Encontramos barreiras mas não podemos nos abater e com artigos e literatura são bem-vindos para esclarecer nossa comunidade. Boa sorte, Eduardo!

  3. Parabéns, esse tema é muito importante para os professores da educação básica também, pois há inclusão deve ser bem trabalhada desde à base.

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