Armando, um doutor “bicho grilo” que carrega a tecnologia nas veias
Autor: Nayara Rosolen - analista de comunicaçãoPesquisador nato, em uma incessante busca por inovações tecnológicas, não por acaso o professor Armando Kolbe Junior é chamado de “bicho grilo”. A tese de doutorado K-Libras: Sistema de Conhecimento para a Tradução da Língua Brasileira de Sinais (Libras/Glosa), defendida em 21 de agosto de 2024, surge após três décadas de uma relação estreita com invenções e avanços para a educação à distância. Armando integrou as equipes responsáveis pelo primeiro sistema de videoconferência e o primeiro ambiente virtual de aprendizagem (AVA) da Uninter.
Coordenador do curso de Tecnologia em Gestão de Startup na Escola Superior de Gestão, Comunicação e Negócios (ESGCN) e professor na Escola Superior Politécnica (ESP), atua há 19 anos no grupo educacional, mas teve o primeiro contato com a instituição ainda no ano de 1990. Na época, possuía a empresa Studio Filatélico Paranaense Ltda. O negócio é descrito como um “laboratório de ideias, um ponto de encontro para apaixonados por tecnologia”. E foi nessa “atmosfera de inovação” que tudo começou.
O profissional lembra de ver chegar no local um rapaz de bermuda e chinelo de dedos. Era Hamilton Pereira da Silva, que percebeu que Armando tinha uma impressora de esfera e a pediu emprestada para imprimir o trabalho de um amigo. Um equipamento caro e de difícil acesso, mas que era o necessário para o material em específico.
A impressora, que utiliza um pequeno cabeçote, faz girar uma esfera até que o caractere esteja alinhado na posição desejada e o impulsiona de encontro a uma fita de impressão. Uma tecnologia utilizada pela primeira vez na década 1960, pela IBM, na máquina de datilografia Selectric. Sempre à frente e atento às tecnologias, na época Armando adquiriu a impressora por cinco mil dólares.
“Você está louco? Nem sabe quem ele é!”, ouviu da esposa, Neusa, após reagir de forma positiva. “Eu nem o conhecia, muito menos o amigo dele, mas senti algo diferente naquele rapaz. Algo me dizia que seria o início de uma história incrível”, conta.
O amigo em questão era Wilson Picler, que viria a ser o fundador e chanceler do Grupo Uninter, que precisava de um trabalho impresso para apresentar em Basileia, considerada a capital cultural da Suíça. Passados dez dias, Hamilton devolveu a impressora e, não muito tempo depois, Armando teve a oportunidade de conhecer Picler, que vez ou outra solicitava um trabalho. Em algumas ocasiões, chegava acompanhado do filho, Raul, ainda criança. Em uma dessas visitas, solicitou a impressão de etiquetas para enviar uma mala direta, na qual oferecia curso de pós-graduação.
“Mal sabia eu que estava presenciando o nascimento de algo grandioso”, lembra Armando sobre o início do antigo IBPEX, instituição depois ampliada para Facinter e Fatec, e que há 12 anos foram integradas para a criação do Centro Universitário Internacional Uninter. Naquele período, já circulavam pelo estabelecimento pessoas como Luciano Frontino de Medeiros, atual coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação e Novas Tecnologias (PPGENT) da Uninter e diretor técnico-científico da Fundação Wilson Picler.
Medeiros já desenvolvia diversos sistemas para Picler e trabalhava com a mala direta, para a oferta dos cursos. Com o crescimento da instituição, Picler vez ou outra chamava Armando para o campus da Praça Tiradentes, em Curitiba (PR). No terceiro andar do edifício, conversavam sobre a distribuição das correspondências e o profissional auxiliava o chanceler em relação aos envios pelos Correios, devido à experiência que tinha da sua própria empresa.
Em 2005, então, Armando prestou concurso para guarda penitenciário e foi aprovado. Ainda lembra da quarta-feira em que recebeu Hamilton em sua casa e foi convidado para trabalhar com edição de vídeos na empresa de Picler. A proposta não era das melhores. Como guarda, trabalharia três dias na semana e ganharia mais do que o dobro do que era oferecido como editor, cargo que ocuparia 44 horas semanais. Mesmo assim, o teste físico e médico para o trabalho como servidor público, marcado para a segunda-feira seguinte, foi suspenso. “O apelo emocional e a oportunidade de fazer parte de algo transformador falaram mais alto. Aceitei o desafio”, afirma.
“Bicho grilo”
Em outubro de 2005, Armando ocupou seu posto no quinto andar do prédio da Tiradentes. Lá, dividia um único computador com o saudoso Rafael Canali, além de Alex Mazuco e Reginaldo Servilha de Carvalho, hoje coordenador de infraestrutura de transmissão de aulas e eventos da Uninter. Logo de início, soube da dificuldade que a equipe enfrentava para encontrar uma solução de videoconferência. Pesquisador por natureza, o profissional experimentou diversas alternativas e solicitou a compra de duas webcams.
“Quando chegaram, pedi para o Rafa acessar uma ferramenta que havia desenvolvido com os estudos e que eu iria até em casa acessar a mesma. A cena foi muito divertida! A alegria dele ao ver que havia funcionado foi impagável. Ficava gritando ‘Caraca! Você conseguiu!!!’”, relembra Armando sobre a ferramenta que foi aprimorada junto à contratação do então analista de sistemas Leonardo Teles, e que foi utilizada por muito tempo para defesa de monografias, formaturas ao vivo e reuniões colaborativas.
Nesse momento também surge na vida de Armando o professor Alvino Moser. O decano da Uninter contribuiu com a epistemologia de muitos projetos, como, por exemplo, o primeiro Hyper-i-Book. Modelo de livro hipermidiático, desenvolvido a partir do Adobe Flash e outras ferramentas de apoio, que “converge uma série de meios de mídia que apresentam os conteúdos e conhecimentos de acordo com o design pretendido”, como Moser e mais três coautores apresentam no artigo Hyper-i-Book: Inovação tecnológica para EAD. “Um grande diferencial em uma visita muito complicada do Ministério da Educação (MEC)”, comenta Armando.
Outra solução vislumbrada pelo profissional se deu em relação às condições de estudos dos alunos. Dezenas deles se encontravam no polo para assistir as aulas, com slides com mais de 40 palavras, em um televisor de 40 polegadas, às vezes em um projetor. Com uma ideia na cabeça, Hamilton apresentou Armando para o então diretor da Fatec e atual reitor da Uninter, Benhur Gaio, que foi “um dos grandes alicerces para as sugestões, dando impulsos tecnológicos para a instituição”.
Benhur Gaio também o contatou e explicou a necessidade de um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) para algumas turmas da modalidade presencial da Fatec. O Portal Único, até então utilizado, já não satisfazia as necessidades dos estudantes. Junto com Reginaldo Servilha de Carvalho, Armando pesquisou diversos Learning Management Systems (LMS) e optou pelo Claroline. Sistema que logo também foi solicitado para um curso de pós-graduação.
“Nesse curso de pós, aos sábados, era realizada uma rádio web, desenvolvida no nosso setor pelo Reginaldo. Em conjunto com o AVA Claroline, mais especificamente o chat, tornou-se uma ferramenta muito utilizada por professores em suas aulas ao vivo”, conta Armando, que atuava na instituição durante o dia e à noite estudava Administração com Ênfase em Análise de Sistemas, tentando conciliar com sua própria empresa.
Tantas inovações em tão pouco tempo, mas com muita disposição e vontade de pesquisar e implementar novas tecnologias, fazem jus ao apelido carinhoso de “bicho grilo”, que recebeu do superintendente geral da Uninter, Edimilson Picler. A denominação vem da iniciativa de “ficar pulando para todos os lados para encontrar solução”.
A didática que o levou para a área acadêmica
Foi o sucesso do Claroline que fez o mantenedor Wilson Picler querer que a ferramenta fosse utilizada em todos os cursos. A plataforma aguçou a curiosidade de muitos, mesmo aqueles que não eram chegados às tecnologias. Assim, Armando foi convocado pela saudosa professora Onilza Borges para uma reunião na sala dela, localizada no terceiro andar do prédio na Praça Tiradentes, para explicar mais a respeito da plataforma. Lá, foi questionado sobre a formação.
“Ela não tinha computador na sala dela. Esse foi um grande desafio, mas consegui, utilizando as tecnologias presentes: giz e quadro verde. A professora Onilza gostou muito da minha didática e disse que eu deveria seguir a carreira de professor. A partir daquele momento, estreitamos nossos laços. Fiquei muito feliz!”, lembra.
Incentivado por Onilza a realizar o mestrado na Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), Armando foi orientado a procurar o professor-doutor Herivelto Moreira. O nome não soava estranho, mas foi apenas ao se deparar com Herivelto que o reconheceu. O docente era técnico de basquetebol no antigo CEFET e da seleção paranaense, quando Armando ainda praticava handebol no Colégio Estadual do Paraná (CEP) e, posteriormente, na seleção paranaense de handebol. Os dois já haviam se cruzado em muitos espaços desportivos.
Assim, participou do processo seletivo, apresentou o projeto, realizou a entrevista e foi aprovado. No entanto, Herivelto não tinha mais vagas para orientandos naquele ano. Por indicação do orientador, fez disciplinas isoladas. Ao finalizar, precisou realizar todo o processo seletivo novamente, o que o deixou “desiludido, mas determinado”. A aprovação para o mestrado veio novamente, não só na UTFPR, mas também na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Seguindo o conselho do professor Neri dos Santos, um dos criadores do programa em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) na UFSC, optou pela universidade paranaense, devido à distância e para “mudar os paradigmas”. No entanto, Neri expressou o desejo de que o doutorado fosse realizado na instituição catarinense, com orientação dele.
Nasceu, desta forma, a dissertação A mediação pedagógica em ambientes enriquecedores com a tecnologia em um curso a distância de pedagogia. “Foi uma jornada muito complexa, inclusive com alguns episódios de branco total. Uma situação que me ajudou nessa época foi a entrada da professora Dinamara Pereira Machado [diretora da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas da Uninter] no curso de Pedagogia, abrindo todas as portas para implementar a pesquisa de mestrado”, afirma o pesquisador.
De acordo com Armando, a dissertação também proporcionou um infográfico sobre a história da EAD no Brasil e no mundo, inclusive exposto na entrada de um dos encontros da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED).
Esse estudo deu início ao projeto de doutorado. Este, sim, realizado na UFSC e com orientação de Neri dos Santos, além da participação de muitos que acompanharam e colaboraram durante toda a trajetória de Armando nas últimas três décadas, como o diretor da ESGCN, Elton Schneider, Luciano Frontino de Medeiros e Alvino Moser.
“É impossível até que alguém vá lá e faça”
Na pesquisa para o título de doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento, Armando desenvolveu um sistema de conhecimento para auxiliar na tradução do português para a Libras. “O Brasil é um dos poucos países no mundo que tem duas línguas oficiais: o português e a libras. E a libras é quadrimensional, muito mais ampla e muito mais diferente”, comenta o pesquisador.
“Era uma época que estava melhorando o Kinect da Microsoft, no qual você faz gestos e dança na frente. Fiquei imaginando como seria legal, de repente, já que conheço de tecnologia, montar um sistema em que uma criancinha ficasse na frente do Kinect e fosse ensaiando sinais de libras para conversar com o amiguinho surdo. Essa era a proposta inicial”, lembra Armando.
Nesse momento, o docente escutou que a proposta era “impossível de fazer” e tomou as palavras como um incentivo para enfrentar os desafios, além de um impulso que recebeu de Medeiros. “Armando, é impossível até que alguém vá lá e faça”, disse o coordenador do PPGENT.
Ao embarcar na trajetória, primeiro precisou entender mais de conceitos como a Libras, a tradução, a surdez e a interpretação. Foram 45 mil itens pesquisados, entre teses, dissertações, artigos e materiais da internet. Desses, 142 foram separados para iniciar os estudos. Armando utilizou o software IRAMUTEQ para gerar uma análise de similitude. O pesquisador também desenvolveu uma revisão sistemática da leitura e depois ampliou para revisão integrativa, no intuito de ampliar o conhecimento. As referências quase dobraram, de 142 para 280 itens.
Os maiores desafios, no entanto, foram encontrados ao não possuir tanto conhecimento quanto imaginava sobre a Libras. O que colaborou nesse aspecto foi a dissertação de mestrado Uma contribuição aos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), suportados pelas TCS para pessoas com deficiência auditiva, realizada por Elton Schneider, gestor de Armando na Escola de Negócios.
Os intérpretes de Libras, vinculados aos Estúdios Uninter, também tiveram grande contribuição, assim como professores e pessoas que trabalham na área, dentro e fora do centro universitário. A professora Rafaela Hoebel, que é surda e atua na ESEHL, por exemplo, é lembrada por Armando como uma pessoa que “abraçou o projeto e ajudou com muita força”. “Tudo isso ajudou a construir, senão não teria como fazer”, afirma.
Os desafios de crescer e conviver em ambientes educacionais sem Libras ou qualquer auxílio que pudesse contribuir para seu desenvolvimento foram descritos por Rafaela na matéria Educação bilíngue abre as portas de um novo mundo para estudantes surdos, realizada pela Central de Notícias Uninter (CNU). A reportagem trata da Lei Estadual nº 19.031, sancionada pelo governador Jorginho Mello, em Santa Catarina (SC), no dia 29 de julho de 2024.
Armando acredita que o sistema resultado da tese de doutorado pode ser de grande contribuição também neste caso, no qual Santa Catarina passa a ser o primeiro estado do país a oficializar uma legislação que garante a educação bilíngue e a língua de sinais como primeira língua para a comunidade surda em toda a rede estadual de ensino, desde a educação infantil até o grau superior.
Ainda assim, apesar do avanço e vantagens vislumbradas, a introdução na comunidade surda também não foi fácil. De acordo com o pesquisador, há o pensamento sobre o porquê de uma pessoa ouvinte querer se colocar em uma área à qual não pertence. “Tive de provar que o meu interesse era único e exclusivamente auxiliar tecnologicamente. Como tenho conhecimento de tecnologia, poderia contribuir nesse processo. Daí eles entenderam e abraçaram a causa”, conta.
Durante a jornada de cinco anos, Armando descobriu que existem diferentes sinais para o mesmo termo e alguns sinais representam diversos termos diferentes. Foi possível observar “uma ecleticidade muito grande”, por isso a proposta também é mostrar que “eles têm muitos sinais para o mesmo termo. É bom em alguns aspectos por causa do entendimento, mas para a língua em si não é muito interessante”, explica o docente.
O pesquisador vê o sistema que criou também como um auxílio para os intérpretes. Já que, quando ministra aulas presenciais ou faz gravações para as disciplinas à distância, sempre os encontra fazendo pesquisas, com diversos livros da área, para conseguir interpretar o que é dito pelos professores. Com diversos temas catalogados em uma página da web, estes profissionais poderão estudar previamente em um único meio, onde quer que estejam, apenas com a conexão da internet.
Junto à orientação de Neri dos Santos, Armando também contou com a co-orientação de Tarcísio Vanzin e Luciano Frontino de Medeiros no processo de pesquisa. Compuseram a banca de defesa do doutorado os professores-doutores Alvino Moser, Elton Schneider, José Leomar Todesco e Vânia Ulbricht.
O conhecimento em Libras
O que a princípio seria apenas um modelo, já é colocado em prática pelo profissional. No site desenvolvido na linguagem de programação PHP, usando inteligência artificial, as pessoas podem consultar os termos, que são incluídos por todos aqueles que têm acesso, mas que só são validados por pessoas surdas, que avaliam se o sinal pode ser mostrado, e por professores de português, que analisam a gramática.
Além disso, existe uma proposta de Glosa, que é a escrita da Libras em si. O docente explica que os surdos não compreendem a estrutura de uma frase quando, por exemplo, pessoas ouvintes falam “eu vou para casa”. Mas entendem “casa vou”, que é o que apresenta a Glosa.
Para verificação, foi realizada uma rodada de testes com um grupo focal, que pôde avaliar e sugerir ideias de aprimoramento. “Coloquei alguns intérpretes, pessoas simples e professores de português, e 99% adoraram. Disseram, inclusive, que já existem outros sistemas parecidos, mas que o sistema que desenvolvemos é bem amplo. A grande vantagem é que, como eu desenvolvi, posso fazer as alterações necessárias”, diz Armando.
Devido à complexidade e o desafio do desenvolvimento da pesquisa, o docente afirma que a tese não pode se encerrar em si. Por isso, será utilizada pela ESEHL em um projeto de pesquisa, incentivado pela diretora Dinamara Machado. Para começar, a parceria acontece com o curso de licenciatura em Letras-Libras, onde serão aplicadas todas as sugestões recebidas no processo de avaliação e tornar o sistema realmente útil, para que sirva para a comunidade em geral.
Intitulado de K-Libras, com a letra inicial da palavra “knowledge” (“conhecimento” na tradução para o português), o projeto oferta duas bolsas de estudo para estudantes do curso da instituição, uma integral e outra de 50% da mensalidade. No entanto, a ideia é que todos que têm interesse possam se candidatar e participar como voluntários.
“É muito importante sempre pesquisar. Por incrível que pareça, por mais que você pesquise, descobre que não sabe nada. Mas esse pouquinho que você colabora, já ajuda muitas pessoas. E quanto mais puder ajudar a sociedade, melhor”, finaliza Armando.
Autor: Nayara Rosolen - analista de comunicaçãoEdição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal Armando Kolbe Junior
Super curti!!! Excelente matéria!!!!
Parabéns pai ❤️
Grande Prof. Armando, uma história sensacional.