Aplicativos do governo na concorrência de serviços de entrega e transporte
Autor: Guilherme Augusto Pianezzer (*)A interferência governamental na economia de aplicativos de entrega tem sido alvo de debates acalorados nos últimos anos. De um lado, defensores da livre concorrência argumentam que o governo deve evitar entrar em um mercado que tem se mostrado altamente dinâmico e inovador. Do outro lado, críticos apontam que a ausência de regulamentação pode levar a abusos de poder econômico e exploração dos trabalhadores.
Recentemente, a prefeitura de São Paulo lançou o MobizapSP, um aplicativo de transporte que promete pagar quase 90% do valor pago pelos usuários aos motoristas. Atualmente, esse valor chega a um patamar entre 40% e 60%. A iniciativa é louvável e pode contribuir para melhorar as condições de trabalho desses profissionais, que, muitas vezes, enfrentam jornadas exaustivas e baixos salários.
O problema é que essa proposta tem sido entendida como um crime econômico, como apresentado no processo julgado na 13ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), dado que o governo não poderia exercer atividade econômica que não fosse aquelas necessárias ao melhoramento das condições de vida da população. A longo prazo, a concorrência injusta do MobizasSP contra as empresas atuais pode afetar a qualidade do serviço concorrente oferecido aos usuários, afinal, uma queda na demanda dos aplicativos tradicionais, como Uber, 99Taxi e outros, pode trazer dificuldades para a operação.
De acordo com a Constituição Federal, é vedado ao Estado o exercício de atividade econômica diretamente, ou seja, o governo não pode atuar como uma empresa concorrente no mercado. No entanto, existem exceções a essa regra, como é o caso das empresas estatais, que são controladas pelo Estado e atuam em setores estratégicos da economia.
Acredita-se que essa questão voltará à tona diversas vezes ao longo dos próximos meses. Afinal, no primeiro semestre de 2022, o governo do Rio de Janeiro lançou o Valeu, um aplicativo de entrega de alimentos para substituir gigantes do setor, como iFood, Rappi, Uber Eats, 99 Foods e tantos outros. Antes mesmo do término do primeiro semestre, o Valeu foi proibido de operar, dado que “a intervenção do Poder Público em setor da economia, quando não há interesse público, representa abuso de poder econômico e de posição dominante, diante das vantagens competitivas indevidas sobre os demais concorrentes”, como aparece nos autos julgados pela juíza Luciana Losada Albuquerque Lopes, da 13ª Vara de Fazenda Pública do TJRJ.
Enquanto acompanhamos o desenrolar desses primeiros casos, vale a pena lembrar que a atuação do Estado na economia não se resume apenas à criação de empresas estatais. O governo pode atuar de diversas formas para regular o mercado e garantir a concorrência saudável entre as empresas privadas, por meio da criação de leis e regulamentações que buscam proteger os consumidores e os trabalhadores, promover a inovação e garantir a distribuição justa dos recursos.
* Guilherme Augusto Pianezzer é professor de Matemática e Física, mestre e doutor em Métodos Numéricos pela UFPR e professor-tutor dos cursos de Exatas do Centro Universitário Internacional Uninter. Atualmente é estudante do curso de ciências econômicas na mesma instituição.
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