Aplicativos colaboram com a alfabetização de crianças com autismo
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEstima-se que existam hoje cerca de 70 milhões de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) no mundo. No Brasil, calcula-se que uma em cada 88 crianças seja autista, contabilizando cerca de 2 milhões de pessoas. O transtorno atinge cinco vezes mais meninos do que meninas. Mas o que seria esse transtorno?
Segundo o professor Bruno Simão, da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter, o autismo é um transtorno que acontece no neurodesenvolvimento, caracterizado por padrões de comportamento repetitivos e dificuldades na interação social. Ele acrescenta que a maioria dos pais começa a perceber algo diferente antes dos dois anos de idade. Entre os sinais mais comuns estão as dificuldades de brincar, do fazer de conta, de socializar com outras crianças e de se comunicar de forma verbal ou não verbal.
O quanto antes for feito um diagnóstico, mais cedo um tratamento pode ser colocado em prática, e melhores são as chances de inclusão efetiva da criança nos ambientes através de uma estimulação adequada. Dois dos desafios encontrados nesse caminho são a alfabetização e a inserção no contexto escolar.
“A primeira etapa para a alfabetização do indivíduo no espectro autista diz respeito a conhecer quem é esse indivíduo, quais são as características dele, para que você consiga entender se já é possível ou não iniciar esse processo”, explica Simão. Ele completa dizendo que “dizer hoje que existe um método X que dá conta de alfabetizar o indivíduo com autismo é quase que dizer que existe uma receita pronta”, mas isso não é verdade, já que cada criança é única e tem sua própria individualidade.
Com o avanço tecnológico, uma das ferramentas utilizadas nesse processo são os aplicativos para smartphones e tablets. O Programa de Alfabetização na Língua Materna (PALMA) é um dos que vêm com esse propósito. Ele foi testado entre 2014 e 2016 em crianças de 6 a 10 anos e apresentou uma aceleração da aprendizagem.
Simão conta que “o objetivo é justamente estimular e complementar as habilidades de leitura, de escrita, de compreensão de textos. [O PALMA] foi desenvolvido e pautado na tabela de diretrizes e competências do próprio Ministério da Educação (MEC). Trata basicamente do conteúdo de alfabetização do primeiro ciclo e está sendo utilizado hoje, já comprovado o seu funcionamento e efetividade, em sete municípios de São Paulo, com mais ou menos 600 alunos”.
Sobre a inserção dessas crianças em outros ambientes que não o escolar, o professor sugere que a ação inicial é perceber quais são as preferências da criança, conversar com a família e entender o que ela gosta. Muitas são hipersensíveis a sons, a cheiros, a luz e várias outras coisas. Nestes casos, é necessário pensar em como adequar as situações a essas limitações nos diferentes ambientes para que a criança possa participar. E antes mesmo de participar, é importante prepará-la previamente, inserindo-a aos poucos.
Mesmo com todos esses avanços e discussões sobre o assunto, muitas vezes a maior dificuldade começa em casa, dentro da família, por falta do diagnóstico correto. Existe um estigma antigo sobre o autismo, muito visto em filmes ou vídeos do passado e de como ele era tratado décadas atrás. O transtorno era considerado uma doença mental, como uma esquizofrenia. Isso ainda reflete na reação de muitos pais, que não conseguem lidar com a situação. Simão fala sobre esse momento de “luto”, que é a descoberta do diagnóstico, por que passam os familiares diretos e o quanto é importante o papel do educador neste processo.
“Nós temos que mostrar para essa família que esse indivíduo tem capacidade de se desenvolver tanto quanto os outros, porém nós precisamos entender que ele pensa, raciocina, executa diferente dos demais. Se nós temos a facilidade para conversar, para fazer piada, para rir, para interagir, esse indivíduo vai ter um tempo maior para absorver esta informação. Não significa que ele é um excluído do meio social ou que vai ser excluído socialmente, muito pelo contrário, ele tem muito a ser desenvolvido”, salienta.
O profissional cita experiências fora do Brasil, em que escolas não se preocupam mais em integrar esse indivíduo porque o processo acontece de forma natural, apenas trabalhando com estratégias que vão sendo adaptadas e que fazem os estudantes chegarem até a universidade. “A família tem medo do diagnóstico, mas eu preciso do diagnóstico não para saber se ele é, mas como trabalhar e auxiliar essa criança”.
Existem leis que amparam a pessoa com transtorno no espectro autista. A Lei nº 12.764/2012, por exemplo, instituiu a Política Nacional dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, em que as pessoas com autismo passaram a ser consideradas oficialmente pessoas com deficiência, tendo direito a todas as políticas públicas de inclusão, como a educação. Nesse caso, eles têm o direito de estudar o ensino básico e profissionalizante em escolas regulares, solicitando um tutor quando necessário. E também não podem ter a matrícula negada pelos gestores.
Outra lei é a de nº 13.861/2019, que inclui questões sobre especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista no censo, pois até então não havia hipótese de identificação dessas pessoas. E, mais recentemente, a Lei nº 13.977/2020, que cria a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), que deve assegurar aos portadores atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados.
“Nós já alcançamos tantas conquistas, mas sabemos que ainda temos muito a trilhar e essa questão é constitucional. Na verdade, é a busca da defesa da garantia do direito desta criança. Assim como é uma responsabilidade da família, é uma responsabilidade da escola e da própria sociedade. Todos em prol dessa criança, conduzindo esta família da melhor forma, mas conscientizando que há também uma responsabilidade. Não é só uma questão do querer ou não querer, me sentir responsável ou não, mas também de dar oportunidade, por isso que hoje a flexibilização e adaptação curricular tem vindo em massa nesta área, justamente como oportunidade para que essas crianças tenham seus direitos garantidos também de inclusão efetiva”, enfatiza a professora Elaine Oliveira, da ESE da Uninter.
Esse e outros tópicos sobre o assunto foram abordados em uma transmissão ao vivo, realizada através da página do Facebook da ESE, com o tema Alfabetização de crianças com autismo.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Andi Graf/Pixabay e reprodução do Facebook