A mulher múltipla e sua influência na comunidade acadêmico-científica na pandemia

Autor: Poliana Almeida - Estagiária de Jornalismo

Ao longo da história, a educação nem sempre foi majoritariamente feminina. Na Grécia Antiga, por exemplo, os mestres filósofos (sempre homens) eram os responsáveis por ensinar diversos temas aos seus pupilos. Mais para frente, na Idade Média, o conhecimento ficava restrito aos mosteiros. Logo, apenas os padres tiveram uma ambientação escolar – com outros homens clérigos, claro.

Foi apenas com o surgimento da burguesia que os grandes centros de ensino começam a tomar forma. Os comerciantes não queriam perder seus lucros ou se sentirem enganados por algum cliente. Por isso, frequentavam as escolas para ler, escrever e, principalmente, aprender a contar.

Quando pensamos na trajetória da educação no Brasil, é quase inevitável que lembremos da passagem dos jesuítas. A chamada Companhia de Jesus tinha como grande objetivo fixar os valores cristãos como corretos para os índios que aqui viviam. Foi em 1549 que a Companhia desembarcou na Bahia com os primeiros padres jesuítas. Entre os nomes mais conhecidos dessa época estão os padres Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e Antônio Vieira.

Foi apenas no período colonial que as mulheres puderam receber alguns ensinamentos. Elas tinham instruções dentro de casa. Entretanto, a maioria do aprendizado era voltado, especificamente, para atividades domésticas.

Tivemos um avanço quando foram criados os colégios particulares para meninas. Um exemplo é o Colégio Florence, em Campinas (SP), em 1863. Fundado pela imigrante alemã Carolina Krug Florence e seu marido Hércules Florence, as disciplinas lecionadas no espaço eram voltadas ao comportamento social e ao respeito ao próximo. Vale ressaltar que, nessa época, as matérias que envolviam cálculos eram restritas aos homens.

Mesmo com poucas oportunidades, as mulheres foram as pioneiras na educação democrática. A educadora e militante social Armanda Álvaro Alberto é uma delas. Ao fundar a Escola Proletária de Meriti, localizada em uma comunidade rural carente de Duque de Caxias (RJ), em fevereiro de 1921, ela marcou a história brasileira ao ser a primeira escola integral na América Latina e a oferecer merenda para os alunos.

Graças a mulheres como a Armanda, a educação se tornou uma pauta prioritária. Nós conseguimos ver os frutos colhidos dessas atitudes quando analisamos o Censo de Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) de 2019. Segundo o documento, 72,2% das matrículas em cursos de licenciatura são ocupadas por elas, enquanto apenas 27,8% são preenchidos pelo sexo oposto. A pergunta que fica é: será que podemos ver tudo isso como um progresso educacional feminino?

Um passo para frente, cinco para trás

Ao abrirem as portas da educação como um todo para as mulheres, esqueceram de alguns detalhes importantes. O primeiro é que a grande maioria exerce a maternidade, ou seja, além das preocupações pessoais e acadêmicas, há a necessidade de suprir as demandas dos pequenos dentro de casa.

Outra carga que fica com elas são os afazeres domésticos. Lembra quando comentamos acima que elas iam para as escolas para aprenderem a cuidar da casa? Na grande maioria dos lares brasileiros, essa continua sendo uma função desempenha apenas por pessoas do sexo feminino.

Neste mundo pós-moderno, antes mesmo de cogitar em entrar no ambiente acadêmico, uma mulher precisa avaliar e tomar decisões importantes, considerando suas múltiplas funções. Não é uma escolha simples, como é para a grande maioria dos homens.

As mulheres que conseguiram conciliar a vida de mães e alunas universitárias são as grandes vozes que falam dessas diversas cobranças – as do lar, as dos filhos, as da academia e as da sociedade. Tudo ao mesmo tempo.

Foi pensando em expor essa situação que as professoras Amanda Tolomelli Brescia, Luana Priscila Wunsch e a cubana Yithsell Santiesteban Almaguer, decidiram realizar a curadoria de um dossiê sobre o assunto.

Mulheres falando de mulheres

Publicado na revista SCIAS – Educação, Comunicação e Tecnologia, da Universidade do Estado de Minas Gerais, o artigo é intitulado “Pandemia, mulheres, mães, cientistas, pesquisadoras e as tecnologias”. Ao todo, foram 26 pesquisas de 49 mulheres explicitando suas narrativas.

Como forma de deixar bem demarcado o espaço de onde falavam as pesquisadoras, o editorial da publicação começa com uma reflexão. “Começamos o editorial avisando que este dossiê não cumpriu, por vezes, os prazos estipulados. Explicamos: somos mulheres, professoras, pesquisadoras, mães, filhas, esposas, namoradas, em plena pandemia”.

A editora associada do dossiê, professora-doutora Luana Priscila Wunsch, explica que houve critérios nas escolhas dos trabalhos. O primeiro é ser mulher, claro. Apesar de um dos artigos publicados contar com a presença de um homem, ele não escreveu o texto, apenas realizou a entrevista do material. “Acabamos deixando, pois é uma narrativa muito interessante”, explica a docente.

Outro critério levado em consideração era que pelo menos uma das representantes tivesse uma caminhada efetiva na academia. Ou seja, que fosse no mínimo mestre ou doutora. “Pelo menos uma mestre ou doutora teria de ir à frente deste trabalho, porque isso exigiria tempo. E nós queríamos entender exatamente isso: como essa mulher está se organizando”, complementa a professora. E, por fim, para entrar na seleção de trabalhos da revista era fundamental que a narrativa trouxesse situações no âmbito da pandemia.

Luana trabalha na Uninter desde 2015. Hoje está no Programa de Mestrado e Doutorado em Educação e Novas Tecnologias da instituição. A docente conta que em 2020, segundo estudos próprios, houve uma diminuição de 50% nas publicações acadêmicas de mulheres nas revistas científicas brasileiras. Isso foi impulsionado devido às preocupações com a casa e com os filhos.

Em contrapartida, a presença masculina cresceu mais de 30%. “Os homens, ficando em casa, têm mais tempo e, consequentemente, maior qualidade de trabalho para realizar as publicações, que é uma exigência para todo professor universitário. Mesmo todos estando em isolamento, eles ainda saíram privilegiados nestas condições”, exemplifica.

Se a universidade se prepara para a agregação de gênero, a inclusão social e tecnológica acontece também graças a ações sociais efetivas. Até porque esse espaço tem a função de formar as gerações futuras. Luana explica que é justamente por causa disso que as construções dessas narrativas devem ser fáceis para ler. “Esse tipo de conhecimento deve atingir meninas de 15 anos. E não apenas para quem está há anos estudando sobre isso”, sugere.

Aqui vale uma ressalva: o trabalho não menospreza o poder masculino. A grande questão é a necessidade de debater essas múltiplas funções que a mulher carrega e homem não. Situações que podem atrasar ou até desestimular a mulher pesquisadora. Assim como conta Luana, “a igualdade só é gerada a partir da construção de identidade”, ou seja, quando obtivermos uma igualdade nas divisões das responsabilidades, a situação muda para melhor.

Desigualdades do cotidiano

Em sua experiência em salas de aula, a professora diz que durante a pandemia essa desigualdade ficou visível entre os alunos também. “Eu não tinha 20 alunos em uma turma. Quando eles ligavam as câmeras, as diferenças vinham à tona. Os homens apareceriam sentados em cadeiras confortáveis e em ambientes tranquilos, já as mulheres assistiam aulas de outros cômodos. Eu mesma tinha uma aluna que assistia as aulas na cozinha, pois estava fazendo bolo para vender, considerando que a renda diminuiu com a pandemia e ela tinha filhos para cuidar”, relata.

A docente conta outra situação que viveu em um curso de gastronomia, também realizado por videoconferência. “Era bem perceptível: os homens assistiam as aulas sentados. Já as mulheres não tinham o mesmo luxo. O horário do curso era sexta à tarde, justamente o horário em que os filhos estão dormindo. Elas aproveitavam para adiantar outras tarefas”, conta.

Fazendo uma análise desse cenário, percebemos que ainda é visível o quanto eles estão avessos às tarefas domésticas e aos cuidados com os filhos. “Eles não são responsáveis pela casa. Não via (alunos) homens com filho no colo”, relata Luana. E o que maximizou o peso em cima das mulheres é que, mesmo as que já eram pesquisadoras do assunto, com a chegada da pandemia, elas se viram sozinhas, tanto na academia, quanto em casa. E é por isso que ações coletivas se tornaram tão essenciais.

Forças Unidas, jamais vencidas

Luana é mãe de uma criança de 1 ano de idade e, segundo ela, se sente privilegiada. “Se não tivesse o apoio da minha área, da minha empresa e do meu reitor, eu provavelmente não conseguiria dar conta de tudo. Mas e aquelas que não têm o mesmo privilégio?”, indaga.

Esse entendimento por parte do contratante parece uma atitude simples, mas garante conciliar de forma saudável uma função e outra. Um exemplo é sobre a flexibilização de horários. Poder mesclar um tempinho com a cria e outro na conferência do trabalho tem resultados positivos na produtividade dessa profissional.

Quando os setores profissionais e pessoais estão interligados com a nova mãe-pesquisadora, esse acúmulo de funções tende a ser menor. A professora explica que para vermos uma mudança efetiva, precisamos começar justamente pelas redes de apoio. “Não teria dado conta sem a minha rede de apoio”, desabafa.

São através de publicações científicas, por exemplo, que as mulheres têm conseguido fortalecer a rede de apoio com os homens. Afinal, muitos deles nem se quer pensam nisso durante a vida. E nem sempre podemos culpá-los, pois isso muitas vezes não faz parte do seu repertório. Esse tipo de conhecimento deve ser acessível para tornarmos a sociedade mais equânime.

E já projetando em atingir pessoas cada vez mais jovens, a professora deu início a um grupo de pesquisa chamado “Perspectivas na educação durante e pós-pandemia”, e promete debater com os participantes sobre a inclusão das mulheres também. São atitudes como essas que podem criar redes de apoios cada vez mais participativas no futuro.

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Autor: Poliana Almeida - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Anastasia Shuraeva/Pexels


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