A morte da rainha: por que a instituição monárquica ainda reina no imaginário coletivo?
Autor: Mariana Bonat Trevisan (*)
Com a morte da rainha mais longeva da Inglaterra a monarquia britânica se atualiza, permanecendo viva. Como uma instituição consolidada na Idade Média ainda reina no imaginário coletivo e midiático global?
A morte de Elizabeth II ficará como um marco deste século. A persistência da imagem da rainha e da família real britânica nas mídias de todo o mundo demonstra o quanto o imperialismo britânico ainda está vivo no imaginário coletivo. Intriga o quanto ainda interessa a muitos – para além de ingleses – assistir aos rituais reais, assim como saber quem são e como vivem os membros da família real britânica. Cabe perguntar: por que essas pessoas são ainda consideradas tão importantes? Por que essa família recebe tanta atenção?
A formação de uma aura em torno da monarquia formou e sustentou, desde a Idade Média até o final do período moderno, a ideia de que haveria um homem ou mulher (como no caso das rainhas britânicas) em um grau de existência superior aos demais mortais. Junto a eles se inclui sua linhagem de origem e herdeiros. Um rei ou uma rainha nunca governaram ou atuaram sozinhos. Mais importante do que a figura do/da monarca era o conjunto da família real e sua idealização. A utilização de sua imagem como propaganda para legitimação e sustentação de uma dinastia pode ser conferida em diferentes contextos ao longo da história, como nas famílias imperiais romanas.
A aura de superioridade foi teorizada e registrada pela escrita, como nas crônicas sobre dinastias medievais, associando o rei cristão aos reis hebreus ungidos, e as rainhas à Maria ou outras mulheres bíblicas. As narrativas vindas das casas reais idealizavam e propagandeavam os governantes. Essa propaganda poderia ser também em pedra, como nos monumentais panteões dinásticos em igrejas e mosteiros. Além disso, foi fundamental no Ocidente a formação de um programa de rituais e cerimônias cristianizadas, extremamente protocoladas, que pautavam a vida das famílias reais. Os batizados, casamentos, levantamentos e funerais reais constituíam grandes espetáculos públicos para propagandear e sustentar a monarquia.
Mas, chegando à contemporaneidade, quando as revoluções burguesas desmontaram as realezas em boa parte do mundo ocidental, esse modelo permaneceu em alguns locais. Hoje poucos sabem sobre a vida da rainha da Suécia ou do casamento do príncipe de Mônaco. Porém, muitas pessoas sabem quem é o príncipe Harry e viram seu casamento com Meghan Markle.
Curiosamente, na Idade Média, os ingleses foram pioneiros em impor limites ao poder dos reis, com a Magna Carta no século XIII. Mas a monarquia inglesa se transformou muito na história. Seu papel simbólico e existência, mesmo em meio questionamentos, continuam se mantendo. Em parte, isso ocorre pela extensão e hegemonia do Império Britânico até boa parte do século XX, mas também à ativa atualização de valores, representações e imagens transmitidas pela monarquia britânica ao longo do tempo.
A família de Elizabeth II atualizou a imagem monárquica. No lugar das crônicas medievais, produções sobre o cotidiano da realeza para TV foram centrais. A projeção das cerimônias públicas se ampliou com a transmissão global televisiva. Após as polêmicas do pai, Charles, os príncipes Willian e Harry atualizam de uma nova forma essa família real, agregando valores e questões centrais do século XXI. Essa atualização de imagem não garante sozinha a longevidade da monarquia inglesa, ela é combinada justamente ao que há de mais antigo na ritualística da realeza, algo de que, inclusive, Harry e a esposa buscaram se libertar (assim como seu tio-bisavô, Eduardo VIII, quando abdicou do trono).
Observamos que justamente a ritualística e suntuosidade da vida da família real é que mexem com o imaginário das pessoas, que buscam, ao mesmo tempo, observar quem são os seres humanos por trás da realeza. É por isso que, no caso da monarquia britânica, em pleno século XXI, ainda se mantém a expressão medieval “o rei morreu, viva o rei”, atualizando a sua aura e existência.
*Mariana Bonat Trevisan é doutora em História Medieval e professora dos cursos de História, da Área de Linguagens e Sociedade, do Centro Universitário Internacional Uninter.